O desenvolvimento do conhecimento, junto com a tecnologia da comunicação, criaram um ecossistema inovador único, no qual a geração e difusão do conhecimento se dão numa velocidade enorme.
A lista das diversas inovações disruptivas é, felizmente, muito longa, de modo que revisaremos cinco, que já estamos desenvolvendo em projetos de inovação e, sem dúvida, irão modelar a Nutrição Animal do futuro.
Blockchain
Trata-se de uma tecnologia que permite que registros digitais como bases de dados, documentos e outros arquivos de informação possam estar publicamente acessíveis, de forma segura e inviolável.
Os próprios usuários do Blockchain garantem a integridade dos referidos registros, a partir da sua divisão em blocos, distribuição na rede e uma complexa tecnologia de criptografia e verificação.
A primeira aplicação prática desta ideia foram as criptomoedas. A Bitcoin foi pioneira, desenvovida por Satoshi Nakamoto (2008), a partir da publicação de um artigo disruptivo, de altíssimo nível técnico, em fóruns especializados, descrevendo uma metodologia baseada na criptografia e troca de arquivos para criação de criptomoedas.
Em 2009 compartilhou o software em aberto e criou as primeiras bitcoins. Em 2010 transfere o projeto para seus seguidores e desaparece, sem que
sua identidade real seja conhecida hoje.
A aplicação do Blockchain em nutrição e produção animal também é muito promissora.
Num futuro não muito distante, teremos disponível uma vastaquantidade de informação das matérias primas através da tecnologia Blockchain como:
- Origem
- Forma de produção
- Genoma, nutrientes
- Segurança
- Sustentabilidade
Os alimentos e produtos nutricionais utilizarão esta tecnologia para garantir:
- Rastreabilidade
- Comunicar os dados técnicos Segurança
- Sustentabilidade dos produtos
Sem dúvida, uma das transformações tecnológicas mais importantes que vivemos nos últimos anos foi a revolução tecnológica da informação.
Hoje, bilhões de dispositivos móveis depositam na rede uma quantidade gigantesca de dados, que são armazenados em enorme servidores e geridos com potentes sistemas de bases de dados relacionais. Além disso, as máquinas também estão começando a gerar seus próprios dados na chamada Internet das Coisas (IOT – sigla em inglês).
Sensores cada vez mais precisos monitoram cultivos, granjas, animais e, do espaço, um enxame de milhares de satélites, equipados com sistemas de teledetecção escaneiam o planeta em intervalos cada vez mais curtos.
A quantidade de dados é assombrosa e seu potencial enorme. Estamos começando a explorar como armazenar, processar, extrair informação e gerar conhecimento a partir desta colossal quantidade de dados.
O setor industrial está avançando neste campo a passos gigantescos com a implantação da indústria 4.0. As empresas de produção de alimentos, aditivos, carnes, abatedouros e alimentícias não são uma exceção.
Na produção animal também avançou-se neste campo. Enquanto o monitoramento e controle ambiental é uma realidade na produção intensiva, a integração destes dados em grande escala na nuvem está se desenvolvendo e iniciando-se o monitoramento produtivo, biométrico e fisiológico dos animais.
A integração de todos esses dados produtivos procedentes dos animais, explorações pecuárias, abatedouros e indústria cárnea dará uma nova visão do conjunto de toda a cadeia produtiva.
A análise desta informação permitirá um ajuste nutricional muito mais preciso das necessidades dos animais e,
com o aumento na frequência de medição, será possível, no futuro, monitorar os efeitos das mudanças nutricionais em tempo real. Porém, a tarefa não é simples. A análise desta enorme quantidade de dados é muito complexa e, para isso, parece necessária a ajuda de uma classe diferente de inteligência: a Inteligência Artificial.
A análise de dados – de muitos, muitos dados – não é algo novo. Em pesquisa, trabalhamos com quantidades enormes de dados a serem processados, estruturados e analisados a partir de complexos processos estatísticos, para finalmente apresentar resultados “estatisticamente significativos”.
Porém, o volume de dados com os quais nos deparamos hoje é de outro nível: não existem precedentes e, além do mais, é dinâmico – cresce de forma contínua – o que exige uma nova tecnologia.
A Inteligência Artificial ou, melhor dizendo, Deep Learning, ou Machine Learning, é um modelo de aprendizagem automatizado, baseado em redes neurais artificiais, que funcionam como as humanas, com algoritmos de reforço.
A combinação de milhões destas unidades, programadas segundo os dados disponíveis, é capaz de identificar padrões complexos e relacioná-los com resultados, podendo extrair informação e conhecimento de aglomerados de dados dispersos.
Esta tecnología se está utilizando com êxito para:
- Análise de imagem
- Projetos de engenharia
- Estudo de genomas
- Biomedicina.
Em nutrição animal há trabalhos demonstrativos para o cálculo de necessidades (Analytics in sustainable precision animal nutrition. Douglas M. Liebe, and Robin R. White. Animal Frontiers. Apr. 2019, Vol. 9, No. 2).
Sua potencial aplicação é muito ampla, podendo ser usada para:
A integração de toda esta informação será chave no desenvolvimento de uma nutrição animal holística, baseada nos dados de produção, fatores ambientais, sanidade, imunidade, sustentabilidade, genética, genômica, qualidade do produto final, segurança etc., de toda a cadeia produtiva de forma integrada.
A sequenciação completa do genoma humano em 2016 foi um marco histórico e o início da carreira genômica. O projeto genoma humano foi um esforço internacional, que durou 15 anos a um orçamento de US$ 3 bilhões. Desde então, os avanços nas técnicas de sequenciação foram vertiginosos.
Já comercializa-se sequenciadores genômicos USB para conectar ao computador de bolso e a um preço de smartphone de gama alta.
Esta avalanche de sequenciação massiva está gerando uma enorme quantidade de dados genômicos, que devem ser estudados, entendidos, buscando-se sua aplicação prática na Nutrição Animal, como parte do Big Data visto anteriormente.
Em um futuro muito próximo, este conhecimento tornará possível a aplicação da Nutrigenética para ajustar a alimentação e calcular as necessidades em função do genoma dos animais.
Desenvolvimento da Nutrigenômica
O desenvolvimento da Nutrigenômica nos permitirá conhecer, e aplicar em formulação, a interação dos nutrientes com o genoma de nossos animais, aplicando uma nutrição funcional de alta precisão, que combinada com a epigenômica, nos permitirá ativar, ou desativar, genes chave para a saúde e produtividade dos animais da granja.
A Metagenômica nos permitirá conhecer e controlar o ecogenoma da microbiota intestinal de nossos animais, podendo aproveitar todo seu potencial para melhorar sua saúde e produtividade, modulando-o a partir da alimentação.
A importância da microbiota é um fato assumido há muitos anos em nutrição animal, porém, o desenvolvimento completo da metagenômica descritiva e funcional nos dará as chaves para um controle muito mais preciso da microbiota intestinal, podendo aproveitar todo seu potencial.
Estamos começando a entender a estreita inter-relação microbioma – hospedeiro e a dupla direção das interações entre ambos, indicativo de uma relação simbiótica entre eles.
Pode ser que, num futuro próximo, formulemos considerando muito mais a genômica, epigenômica e metagenômica dos animais, além de sua genética que, como veremos a seguir, é possível que seja muito diferente das atuais.
A descoberta desta revolucionária técnica de edição genética nos leva aos pântanos de Santa Pola, Alicante, onde o microbiólogo Francisco J. M. Mojica estudava em sua tese de doutorado (1993) microorganismos primitivos, ou arqueas com uma excepcional capacidade de sobreviver em ambientes salinos.
Após anos de pesquisa, Mojica e sua equipe publicam, em 2003, a solução do enigma: essas sequências são um sistema defensivo contra vírus bacteriófagos, constante no mecanismo mais primitivo e simples descoberto até a data, capaz de cortar DNA. Em 2012, Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck e Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, publicam a aplicação deste sistema para a edição gênica, abrindo a Caixa de Pandora do CRISPR-Cas9, ferramenta de edição genômica mais barata, eficaz e sensível, jamais criada. Estas pesquisadoras receberam, em 2015, o prêmio Princesa de Astúrias de Pesquisa Científica e Técnica.
Atualmente podemos destacar sua aplicação em pesquisa de:
Estudo da função dos genes
Suscetibilidade a doenças
Desenvolvimento de fármacos
Modificação genética de organismos a partir de técnicas de transgenia, ou por regulação de genes próprios da espécie;
As possibilidades do CRISPR-Cas9 são enormes, sua eficácia, precisão, simplicidade e baixo custo abrem uma nova era da genética.
Aplicações da tecnologia CRISPR-
Em nutrição animal essa nova tecnologia terá um enorme impacto, já que possibilita:
1- Desenvolvimento de novos vegetais nos quais se poderá sobre expressar, ou silenciar parte de seu genoma para conseguir perfis nutricionais totalmente:
- Diferentes
- Melhorados
- Adaptados a seu uso
- Enriquecidos em nutrientes essenciais
- Sem fatores antinutricionais
Isso é igualmente aplicável em animais produtivos, onde se poderá desenvolver uma selação genética acelerada e totalmente dirigida, graças ao CRISPR-Cas9, podendo-se melhorar seus genomas para reduzir doenças, aumentar resistência, produtividade, sustentabilidade etc.
A enorme potência desta técnica abre também muitas interrogações e questões éticas que deverão ser resolvidas.
Nos EUA já existem produtos para consumo humano, modificados geneticamente com CRISPR-Cas9 como cogumelos resistentes ao escurecimento, óleo de Camelina enriquecido com Ômega 3 e uma longa lista estão sendo desenvolvidos para comercialização, equanto a UE determinou que os organismos CRISPR-Cas9 ficam submetidos, sem distinção, às leis europeias de transgênicos.
Em um futuro muito próximo, todas estas tecnologias que estamos desenvolvendo e aplicando em projetos P+D+I serão rotineiras e permitirão abordar, de uma forma muito mais eficaz, os enormes desafios aos quais está submetida a produção global de alimentos e a Nutrição Animal. Porém, não se trata apenas de prever o futuro, mas torná-lo possível.
José Luis Cano Muñoz INNOVATER