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Acidose ruminal: como minimizar sua ocorrência entendendo o microbioma ruminal?

Escrito por: Ana Cláudia da Costa - Engenheira Agrônoma pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) no ano de 2014, mestre em Agricultura Tropical pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e atualmente doutoranda em Agricultura Tropical pela UFMT. Possui experiência com sistemas de produção animal com ênfase em nutrição de ruminantes.   , Barbara S. Mota Neta , Isabela A. Souza , Karine Padilha Nunes Vieira -

Zootecnista formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Durante a graduação atuou como monitora da disciplina de Fundamentos da Ciência do solo, desenvolveu e auxiliou em projetos de pesquisas no laboratório de nutrição de plantas e no Laboratório de nutrição animal. Atuou como estagiária na área de gestão de pecuária nas empresas Silveira Consultoria e Gestão Pecuária e Nutripura Nutrição Animal. 

Atualmente é mestranda em ciência animal pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).
, Kelmey M. B. Almeida , Laura B. Carvalho , Leticia A. Cerisara , Luciano da Silva Cabral - Possui Graduação em Zootecnia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1995), Mestrado (1999) e Doutorado (2002) em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa e Pós-doutorado em Microbiologia do Rúmen no US Dairy Forage Research Center (University of Wisconsin/USA). Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Mato Grosso. Leciona nos cursos de Graduação em Agronomia e Zootecnia da Faculdade de Agronomia e Zootecnia da UFMT. Orienta estudantes de Mestrado e Doutorado nos Programas de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Ciência Animal da UFMT, atuando na área de Nutrição e Produção de ruminantes e Microbiologia do Rúmen. Atualmente está na Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da UFMT. É Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Zootecnia na gestão 2022-2024. , Rayane M. Rodrigues , Thainá Pereira da Silva Cabral - Graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Mato Grosso (2018-atual) , Thiago S. Andrade
Acidose ruminal

Nas últimas décadas houve expressivo aumento da proporção de concentrado em dietas de bovinos confinados no Brasil (Pinto e Millen, 2018), o qual representa atualmente de 71 a 90% da matéria seca das dietas. Isso se deve à: 

  1. Necessidade de maximizar o desempenho dos animais, 
  2. Reduzir o ciclo de produção 
  3. Melhorar a qualidade das carcaças e da carne. 

 No entanto, dietas de alto concentrado aumentam os riscos de distúrbios digestivos e metabólicos, tais como a acidose ruminal, a qual é causada pelo aumento abruto do consumo de carboidratos não fibrosos (CNF), em animais que não foram adequadamente adaptados. Tal condição promove o rápido crescimento de bactérias amilolíticas no rúmen (Nagaraja e Titgemeyer, 2007), culminando em rápido aumento da produção de ácidos graxos voláteis (AGV’s) e consequente redução do pH ruminal. 

É preciso salientar que o pH ruminal ao longo do dia é controlado pela quantidade de ácidos produzidos pela microbiota ruminal, oriundos da digestão dos CHO’S da dieta, bem como pela absorção destes ácidos pelo epitélio ruminal, que incluem os tamponantes da saliva e absorção do AGV´s pelo epitélio ruminal (Allen, 1997). 

A acidose ruminal pode ser classificada, de acordo com sua gravidade, em: 


acidose subaguda (subclínica) 
acidose aguda (clínica). 

AlZahal et al. (2007) definem a acidose subaguda (SARA) como sendo a condição na qual o pH ruminal permaneceria abaixo de 5,6 por pelo menos 300 min/dia, em que a concentração de lactato no rúmen é muito baixa (< 10 mM/L), diferentemente da acidose aguda, em que o pH ruminal é menor que 5,0-5,2 e se verifica aumento significativo na concentração de lactato no rúmen (Nocek, 1997).

Na prática, a acidose em sua forma aguda é encontrada em indivíduos que não foram adaptados e durante os primeiros dois a três dias de alimentação concentrada, enquanto a SARA é a mais comum e causa grandes prejuízos associados à oscilação e/ou redução do consumo de matéria seca, menor desempenho dos animais, aumento da duração do tempo de confinamento e aumento dos custos de produção (Meissner et al., 2010).  Adicionalmente, como decorrência da acidose, outros problemas podem surgir, tais como: 


o timpanismo 
laminite 
abscessos hepáticos 
óbito (em caso mais graves) 

(Krause e Oetzel, 2006). 

Várias estratégias são usadas para prevenir ou contornar a acidose ruminal: 

A adaptação dos animais às dietas de alto concentrado. 

Uso de aditivos (antibióticos, tamponantes, óleos essenciais, taninos, leveduras vivas e bactérias fermentadoras de lactato). 

A formação de lotes homogêneos de animais e adequado espaço de cocho e bebedouro das instalações. 

Aumento do número de tratos. 

Mistura homogênea da dieta. 

Manutenção da porcentagem mínima de FDNfe para estimular a ruminação. 

Apesar disso, são comuns os relatos da ocorrência de acidose ruminal e transtornos associados em sistemas intensivos de produção, seja em confinamento ou produção intensiva a pasto.

Considerando que a alteração da população microbiana do rúmen é de extrema relevância na ocorrência da acidose ruminal, serão discutidas adiante as principais alterações que ocorrem no microbioma ruminal em animais submetidos ao desafio da acidose ruminal (Tabela 1)

Tabela 1 – Alterações ocorridas na microbiota ruminal em função da indução da acidose ruminal 


Hungate et al. (1952) foram os primeiros a estudarem a microbiota do rúmen de animais induzidos à acidose  ruminal, por meio da infusão de excesso de grãos ou glicose no rúmen de bovinos e ovinos. 

Os autores observaram aumento expressivo na concentração de lactato e redução da concentração de

AGV’S. Essas alterações causaram redução do número de bactérias celulolíticas, a morte de protozoários, aumento do número de bactérias gram (+), bem como expressivo aumento da concentração de Streptococcus bovis. 

Nesse estudo, foi sugerido que esta bactéria é o principal causador da acidose ruminal, em função de apresentar elevada capacidade amilolítica, elevada taxa de crescimento, bem como resistência a baixo pH e capacidade de produção de lactato. 

Em decorrência disso, o uso de antibióticos para controlar a acidose ruminal em animais alimentados com dietas de alto concentrado tem sido norteado basicamente para controlar o crescimento de Streptococcus bovis, o que ajuda a entender a ocorrência de acidose mesmo em animais alimentados com dietas contendo esses aditivos. Nos trabalhos descritos adiante, em animais desafiados à SARA, S. bovis tem sido detectada em proporção muito pequena no ambiente ruminal, com aumento apenas transiente em alguns estudos, e desta forma, os autores não atribuem à ela uma participação efetiva para a causa do problema. 

Portanto, provavelmente a acidose ruminal conte com a contribuição de outras bactérias do rúmen que também atuam na digestão de amido, incluindo as do gênero: Bifidobacterium, Butyrivibrio, Eubacterium, Lactobacillus, Mitsuokella, Prevotella, Ruminobacter, Selenomonas, Streptococcus, Succinimonas e Succinivibrio (Kotarski et al., 1992) Contudo, Ruminobacter amylophilus, S. ruminantium e S. bovis demonstraram apresentar as maiores atividades amilolíticas e taxas de crescimento em alguns estudos (McAllister et al., 1990).

Khafipour et al. (2009) observaram declínio na proporção de bactérias gram (-) do Filo Bacteroidetes em animais com SARA induzida por grãos, embora tenham observado aumento na abundância de Prevotella albensis, Prevotella brevis e Prevotella ruminicola. Os dados de qPCR indicaram dominância de S. bovis e E. coli nos animais com SARA severa, enquanto nos animais com SARA não severa Megasphaera elsdenii foi observada em elevada abundância devido ao aumento de lactato. 

Mao et al. (2013) observaram redução da porcentagem dos filos Proteobacteria e Bacteroidetes nos animais com SARA, enquanto a proporção de Firmicutes foi aumentada. Em nível de gênero, houve redução da abundância de Prevotella, Treponema, Anaeroplasma, enquanto a abundância de Ruminococcus, Atopobium, Clostridiales e Bifidobacterium foi aumentada no rúmen de animais com SARA. Considerando que o gênero Prevotella é um dos mais abundantes dentro do filo Bacteroidetes, provavelmente a redução da sua abundância no rúmen de animais com SARA explique boa parte da redução da abundância do filo supracitado.

Petri et al. (2013) observaram aumento da abundância de Acetitomaculum, Lactobacillus, Prevotella e Streptococcus em animais com acidose clínica em relação aos animais com SARA. 

McCann et al. (2016) também observaram aumento na abundância de Prevotella, tanto na fase sólida quanto na fase líquida do rúmen, assim como aumento da abundância de Eubacterium ruminantium na fase sólida e Ruminococcus, Streptococcus e Lactobacillus na fase líquida em animais com SARA, enquanto a abundância de Streptococcus bovis e Succinivibrio dextrinosolvens não foi afetada. 

Mohamed et al. (2017) fornecendo dieta com relação volumoso:concentrado 50:50 com cepas de Saccharomyces cerevisiae secas vivas e secas inativadas verificaram o aumento de bactérias fermentadoras de lactato como S. ruminantium e M. elsdenii, no entanto S. ruminantium era predominante no rúmen, mas verificaram aumento na abundância relativa de S. bovis no rúmen de animais com SARA.

Plaizier et al. (2017) induziram vacas de leite à SARA as quais mantiveram pH ruminal menor que 5,6 por 298,8 min/d, o que também reduziu a riqueza e diversidade da comunidade bacteriana ruminal, a qual inclusive apresentou estrutura distinta dos animais que não tiveram SARA. Além disso, a SARA reduziu a abundância relativa de Bacteroidetes e aumentou a relação Firmicutes:Bacteroidetes no rúmen, em concordância com outros trabalhos (Petri et al., 2013; Mao et al.,2013). Prevotella era o gênero mais abundante no filo Bacteroidetes e Ruminococcus no Firmicutes em animais com SARA. Adicionalmente, os animais com SARA tiveram aumento da população de P. albensis, P .bryantii, S. ruminantium, Succinivibrio dextrinosolvens, Anaerovibrio lipolytica e M. elsdenii na fase líquida do rúmen, enquanto a população de S. bovis foi reduzida. 

Uma observação geral nos casos de SARA tem sido a redução na riqueza e na diversidade do microbioma ruminal (Bryant e Burker, 1952; Hungate et al., 1952; Mao et al., 2013; Petri et al., 2013, McCann et al., 2016). A possível explicação para isso seria, o baixo pH ruminal e a predominância de amido como carboidrato polimérico, o que restringe o crescimento de organismos não especializados ou resistentes à essas condições (baixo pH e elevada osmolaridade). 

Logo, McCann et al. (2016) sugerem que manter a comunidade bacteriana com maior riqueza e diversidade poderia ser uma forma de prevenir a SARA, pois poderia propiciar maior resiliência para o rúmen na prevenção de distúrbios. 

Apesar de S. bovis ser comumente citada na literatura como principal bactéria ruminal que colabora para a ocorrência de SARA em animais alimentados com dietas de alto concentrado, os estudos mais recentes envolvendo o uso de técnicas moleculares não dão suporte aos achados em estudos envolvendo o uso de técnicas de cultivo. 

Em decorrência da sua predominância no rúmen, o gênero Prevotella merece atenção, devido a consistente observação de aumento da sua abundância no rúmen, em animais com SARA, bem como de algumas espécies dentro desse gênero. 

Portanto, um melhor entendimento dos grupos microbianos que mais contribuem para a SARA pode orientar no desenvolvimento de novos meios para o controle e prevenção da acidose ruminal. 

 Laura B. Carvalho1 , Rayane M. Rodrigues2, Karine Padilha1, Barbara S. Mota Neta1, Ana Claudia Costa1, Leticia A. Cerisara1, Isabela A. Souza1, Kelmey M. B. Almeida1, Thiago S. Andrade1, Thainá P. S. Cabral3, Luciano S. Cabral1 

 1Faculdade de Agronomia e Zootecnia, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT 

2Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT 

3Instituto de Biociências, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT

 

 Leia também os outros artigos da série:

A eficiência dos bovinos depende da eficiência do microbioma ruminal – Parte I
Como aumentar a eficiência dos animais por meio do seu microbioma ruminal? Novas perspectivas – Parte II

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