Pesquisas da Embrapa com cereais de inverno, como o trigo, triticale, aveia e cevada têm consolidado o uso dessas plantas na alimentação de bovinos na Região Sul do Brasil.
Seja para suprir a escassez de forragens ou como alternativa ao uso do milho, o fato é que os cereais de inverno estão se destacando como opções sustentáveis e rentáveis para a alimentação animal.
Paralelamente, um estudo recente mostra que, assim como o melhoramento genético, a alimentação do gado está diretamente relacionada à qualidade da carne. E é nesse cenário que os cereais de inverno começam a ganhar espaço no mercado de proteína animal.
O tema “qualidade e segurança do alimento” foi eleito como o quinto mais relevante na “Pesquisa sobre as Prioridades da Pecuária de Corte Brasileira”, no recorte da Região Sul do Brasil, que entrevistou 735 participantes de 193 municípios em 2021.
Costela, maminha, picanha, fraldinha, alcatra, coxão mole, coxão duro, filé-mignon e patinho; os cortes são variados, sem contar as vísceras que também agradam muita gente. Mas por trás do produto exposto para a venda nas gôndolas dos supermercados e açougues estão cada dia mais intrínsecos temas como origem da carne e bem-estar do animal, ou seja, como esse bovino nasceu, foi criado e abatido.
Já é cientificamente comprovado que a qualidade da carne está diretamente relacionada a como se deu cada um desses fatores.
É no campo que quase tudo acontece, com a alimentação do animal cumprindo papel determinante nesse processo.
“Além da genética, o sistema de criação e terminação do animal interfere diretamente nas características da carne. Entre um extremo, de produção somente com pastagens, até o outro extremo, de confinamento total, com alimentação por grãos, há a formação de produtos totalmente diferentes”, explica a pesquisadora Élen Nalério, da Embrapa Pecuária Sul (RS).
Essa diferença se dá não apenas no tipo de gordura formada, mas, consequentemente, no sabor e aroma dessa carne.
“Os bovinos são animais naturalmente prontos para fazer a digestão de fibras, de pasto. Para fazer a digestão de grãos, eles precisam passar por uma adaptação. Essa variação de alimentação faz com que sejam formadas gorduras totalmente diferentes, e isso interfere também no sabor e aroma do produto”, ressalta a pesquisadora.
Enquanto a carne produzida nos campos tem uma cor viva e gordura mais amarelada, a de confinamento é mais pálida e possui gordura mais branca.
Nos campos Sul-brasileiros, a alimentação dos animais é composta em sua maior parte pela rica variedade dos campos naturais e dietas baseadas em forragens, que dão origem a um produto com perfil de gordura mais saudável.
Quando os ruminantes são alimentados com dietas baseadas em forragens, fornecem carnes com maior teor de ácidos graxos do tipo ômega 3. Paralelo a isso, animais terminados com dietas mais intensivas, com alta composição de grãos, renderão carnes com maior teor de ômega 6.
“Uma das biofábricas mais sustentáveis do mundo certamente está presente no estômago dos ruminantes. O rúmen, através da ação de microrganismos, é capaz de transformar a celulose das gramíneas em proteína animal de alta qualidade para alimentação humana”, avalia o engenheiro agrônomo da Embrapa Trigo (RS), Giovani Faé
Giovani destaca também que manejo adequado das pastagens também pode representar sustentabilidade do planeta: “Pesquisas da Embrapa mostraram que um bom manejo de pastagens pode representar um equivalente em crédito de carbono ao plantio de 6,27 árvores de eucalipto, anualmente, por animal”.
Oferta de alimento de qualidade no campo
A maior parte da Região Sul do Brasil é privilegiada pelo ambiente favorável para duas colheitas anuais de grãos, mas também existem períodos de déficit hídrico, frio e excesso de umidade, que dificultam o manejo e implicam em sazonalidade produtiva das pastagens.
A escassez de forragens no campo é marcada por duas épocas desafiadoras para o pecuarista Sul-brasileiro:
A sazonalidade produtiva das pastagens está associada tanto às condições climáticas, quanto ao ciclo de crescimento das espécies forrageiras.
Em geral, a maioria das pastagens disponíveis na Região Sul é composta por espécies de crescimento na estação quente, quando florescem, frutificam e maturam, chegando ao final do verão com estrutura fibrosa, plantas com mais colmos do que folhas, que perdem drasticamente o valor nutritivo.
O planejamento forrageiro é uma estratégia para reduzir a escassez de alimento dos rebanhos ao longo do ano a partir da oferta diversificada de pasto e forragens conservadas.
A Embrapa disponibiliza cultivares de gramíneas e leguminosas forrageiras, tanto de inverno como de verão, anuais e perenes, com picos de produção em diferentes épocas do ano que, associadas a práticas de manejo, podem fornecer alimento de alto valor nutritivo em sistema de integração lavoura-pecuária (ILP).
“Existe uma grande ociosidade de áreas no inverno que podem ser manejadas para produzir altos volumes de forragens. Com o avanço da soja em detrimento da pecuária, o gado acaba confinado a espaços cada vez mais restritivos e depende da suplementação no cocho. Esse alimento pode ser produzido no inverno e armazenado, a partir de feno, silagens, grãos secos ou mesmo palha para suprir demanda em períodos adversos ou para sistemas de produção intensivos”, explica o pesquisador da Embrapa Trigo Renato Fontaneli.
Outra alternativa para melhorar a nutrição especialmente nos períodos de vazio forrageiro é o Pasto sobre Pasto, técnica baseada no aumento da diversidade de plantas forrageiras de ciclos de produção diferentes, mas com características que se complementam.
O sistema tem como princípio uma integração funcional, tanto em relação às espécies forrageiras diferentes, como em sistemas integrados com lavouras, com ganhos em ambos os casos.
Segundo a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Márcia Silveira, a lógica do Pasto sobre Pasto está em mesclar plantas forrageiras na mesma área, iniciando um novo ciclo de crescimento do pasto sobre outro ciclo, sem remover as diferentes forrageiras em produção.
Com isso, é possível ter maior estabilidade na oferta de forragem ao longo do ano, principalmente nos períodos de transição entre as estações frias e quentes do ano, quando ocorrem os conhecidos vazios forrageiros.
Para tanto são usadas diferentes espécies forrageiras de gramíneas, de inverno e verão, e leguminosas no sistema, buscando a estabilidade e o aumento de oferta de alimento para os animais. Entre as espécies que estão sendo testadas nessas mesclas, por exemplo, a aveia entra como uma alternativa importante nos desenhos de sistemas de produção.
Outro foco das pesquisas da Embrapa está voltado à avaliação nutricional dos cereais de inverno para compor a dieta dos animais frente a escassez de milho no mercado. “É possível substituir parte do milho, seja em grãos ou volumoso, na alimentação dos bovinos sem comprometer o ganho de peso”, explica o engenheiro agrônomo da Embrapa Trigo, Marcelo Klein.
Confira o comparativo de valor nutricional das forragens de cereais de inverno* com a silagem de milho:
Qualidade no Angus
O gado da raça Angus forma rebanhos por todo o País, com a qualidade da carne reconhecida pelo consumidor por oferecer cortes de alta suculência, sabor diferenciado e gordura na medida certa.
Na Cooperaliança, com sede em Guarapuava, PR, 177 cooperados trabalham com cria, recria, engorda e terminação de Angus. No frigorífico da cooperativa são 30 mil cabeças abatidas por ano.
A avaliação de cereais de inverno para forrageamento dos animais começou há cinco anos, com análises a campo e em laboratório de culturas como trigo, aveia, centeio, cevada e triticale.
“Com o avanço da soja e do milho sobre a pecuária vimos a necessidade de aprimorar a alimentação do gado, que fica até oito meses nas propriedades dos cooperados em recria e terminação”, conta o engenheiro agrônomo da Cooperaliança, Rodolfo Carletto (foto à direita).
O problema, conforme Rodolfo, foi significativamente reduzido com o uso de cereais de inverno que apresentam maior teor de proteínas (11%) e menor teor de carboidratos (30% de amido) do que o milho, que apresentou 7% de proteínas, 35% de amido na silagem e 75% de amido nos grãos.
A escolha da Cooperaliança tem sido o triticale nos últimos dois anos, especialmente na terminação de machos, na qual o resultado no incremento de carcaça chega a 2%, com boa estrutura óssea e muscular.
Em novilhas, o triticale também obteve avaliação positiva, promovendo o crescimento dos animais mais do que a engorda.
“O produtor gostou do triticale pela facilidade de cultivo, a rusticidade e o bom volume de massa verde que chegou a 28 toneladas por hectare, ou 9,5 toneladas de massa seca por hectare. O aproveitamento dos dejetos para fazer a adubação também reduz bastante os custos de produção que podem ser direcionados apenas à aquisição da semente e à aplicação de fungicidas no espigamento”, avalia Carletto.
A área destinada ao triticale na cooperativa passou de 430 ha em 2021 para 750 ha neste ano, com a cultivar BRS Surubim.
Cevada como alternativa
Uma das propriedades acompanhadas por ela na MS DC Consultoria em Ponta Grossa, PR, enfrentou a falta de milho para alimentar o rebanho de 400 animais, das raças Angus e Canchim, em sistema de cria e recria.
“Acabou a silagem de milho e orientamos o produtor a colher os 32 hectares de cevada cervejeira que estava destinada a colheita de grãos. Fizemos silagem de cevada de planta inteira que abasteceu o plantel durante quatro meses, mantendo o ganho de peso e a taxa de reprodução”, conta ela.
Enquanto a média de rendimento de massa verde na aveia foi de 20 toneladas por hectare, a cevada produziu 35 toneladas de massa verde (ou 12 toneladas de massa seca).
Contudo, quando comparada à silagem de milho, os custos de produção quase dobraram: R$ 0,55 kg/MS no milho e R$ 1,00 kg/MS na cevada. “Mesmo com custos mais altos, não podemos ficar dependentes somente do milho. Podemos produzir volumosos energéticos também no inverno”, conta Maryon, que também fomenta o uso de cereais como triticale, trigo e aveia na produção de forragem conservada.
Fonte: Assessoria de Imprensa – Embrapa