As micotoxinas são compostos tóxicos produzidos por fungos, que podem afetar a saúde de seres humanos e animais. A intoxicação acontece de forma direta, quando o produto é utilizado na alimentação, ou indireta, quando subprodutos e derivados contaminados são utilizados na alimentação de animais que transferem as toxinas para o leite, carne e ovos.
No trigo, três micotoxinas são as mais importantes: deoxinivalenol (DON) e zearalenona (ZEA) – relacionadas à incidência de fungos do complexo Fusarium graminearum – e ocratoxina A (OTA) – produzida pelos fungos Penicillium verrucosum e Aspergillus ochraceus durante a armazenagem.
A publicação da Embrapa apresenta resultados de pesquisa que buscam minimizar a contaminação do trigo por essas substâncias tóxicas a partir de estratégias que começam no campo, passam pela armazenagem até sair da indústria.
Boas práticas para reduzir a contaminação no campo
A contaminação mais frequente no trigo é por DON devido às epidemias constantes de giberela nas lavouras de cereais de inverno no Sul do Brasil. Causada pelo fungo Gibberella zeae, essa é a pior doença do trigo na região, que concentra 90% da produção nacional. Além de infectar a planta, o fungo também pode produzir micotoxinas. Quando a epidemia é severa, leva à má-formação e alterações na coloração dos grãos, que ficam esbranquiçados a rosados.
As boas práticas agrícolas visam ao controle de doenças na lavoura, especialmente a giberela. A pesquisa indica diversas estratégias, como controle genético, manejo cultural e químico.
“A primeira orientação é escolher uma cultivar que apresente algum nível de resistência. Mesmo que não seja totalmente imune ao fungo, a melhor tolerância vai ajudar no controle”, destaca o pesquisador da Embrapa José Maurício Fernandes.
Para definir as melhores alternativas de controle químico, um grupo de pesquisa, composto por diversas empresas e instituições, publicou o resultado de experimentos com uso de fungicidas para giberela no site.
Estratégias na pós-colheita
Grãos giberelados podem apresentar menor tamanho e deformações. Ajustes na colhedora, como peneiras e regulagem na plataforma, podem separar grãos com sintomas de giberela. O transporte em caminhões limpos e em trajetos curtos também ajuda no controle de fungos e pragas.
Na pós-colheita de trigo, métodos físicos são usados para limpar, separar e classificar os grãos com base em uniformidade, peso, tamanho e forma. Na chegada ao beneficiamento, são utilizados equipamentos de pré-limpeza, como ar, peneiras e mesa de gravidade para descarte de impurezas e grãos deformados.
Novas tecnologias, como o selecionador óptico, também podem ajudar na identificação e retirada de grãos infectados por fungos. “Na limpeza e seleção o nível de DON pode ser reduzido entre 7 e 90%, dependendo do percentual de descarte de grãos leves e chochos, com sintomas de giberela”, comenta a também pesquisadora da Embrapa Trigo Casiane Tibola.
Quando a contaminação por micotoxinas está presente em grãos assintomáticos, pode ser utilizado o polimento superficial, capaz de reduzir os níveis de DON em 30%, sem afetar a qualidade da farinha integral. A estratégia é utilizada principalmente na indústria para a produção de alimentos integrais.
As espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium são os fungos de maior relevância durante a etapa de armazenamento por produzirem metabólitos secundários, as micotoxinas aflatoxina (AFLA) e ocratoxina A (OTA).
Além de inseticidas para fazer o expurgo de insetos nos grãos, também pode ser utilizado o gás ozônio, que não deixa resíduos e atua na degradação de várias micotoxinas, com potencial de reduzir os níveis de contaminação entre 30 e 80%.
Controle de micotoxinas no processamento
Contudo, a transformação do trigo em alimentos pode apresentar variações no nível de contaminação conforme a micotoxina e a forma de processamento.
A moagem pode reduzir os níveis de DON entre 30 e 50% na farinha branca quando os grãos resultam de infecções leves. Entretanto, nos casos de contaminação superior a 3000 ppb (parte por bilhão), a redução de DON atinge somente 11%. Um exemplo prático para entender o universo dessa medida é considerar que um bilhão de grãos de trigo corresponde a aproximadamente 35 toneladas. Logo, 1 ppb é o equivalente a um grão contaminado distribuído em uma carga de 35 toneladas de trigo.
Trabalhos que analisaram o efeito do cozimento em espaguetes e noodles (macarrão estilo japonês) frescos reportaram que 42% a 70% de DON foi liberado na água.
Na alimentação animal, a redução na contaminação pode contar com o uso de adsorventes e produtos que neutralizam as micotoxinas na ração. Estratégias de segmentação dos grãos, conforme a tolerância dos animais em cada fase de crescimento, também pode ser implementadas.
Cenários e limites de contaminação
O manejo desses contaminantes é uma preocupação crescente, com limites máximos de tolerância cada vez mais restritivos estabelecidos por legislação, com base em dados de monitoramento e efeitos adversos à saúde.
A pesquisadora Patrícia Andrade, do Instituto Federal de Brasília (IFB), DF, avaliou a incidência de micotoxinas em cereais e produtos à base de arroz, milho, sorgo e trigo. No trigo, foi verificada a prevalência de DON, sendo possível categorizar os alimentos:
Andrade, 2020.
Atualmente, na maior parte dos países, o valor para consumo de farinha branca contendo DON é de 1.000 ppb como é o caso dos Estados Unidos, Canadá e a maioria dos países da União Europeia, bem como os países que adotam o CODEX Alimentarius – Programa Conjunto de Padrões Alimentares da FAO do qual fazem parte 188 países, inclusive o Brasil.
Micotoxinas ainda desafiam a ciência
De acordo com o professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Carlos Augusto Mallmann, a correta avaliação dos níveis de contaminação dos grãos por micotoxinas ainda é um desafio. “A distribuição das micotoxinas em um lote de alimento é heterogênea e, por isso, a amostragem para análise em cereais é mais complexa que uma amostragem para análise de proteína, por exemplo. Essa característica dificulta a obtenção de uma amostra representativa, determinando equívocos na interpretação dos resultados e no diagnóstico”, explica o professor, lembrando que o problema é agravado pelo fato de as micotoxinas se concentrarem em níveis baixos (parte por bilhão – ppb).
De modo geral, segundo Mallmann, não há uma correlação consistente entre os níveis de grãos danificados por giberela e a concentração de micotoxinas. Assim, torna-se difícil realizar a segregação prévia de lotes de grãos, gerando grande demanda de análises pelos métodos de detecção direta.
Os métodos disponíveis para análises de micotoxinas variam de qualitativos, que consistem em determinar a presença/ausência de determinada micotoxina, aos métodos analíticos altamente precisos, capazes de quantificar níveis extremamente baixos de diferentes micotoxinas. Os métodos mais empregados para quantificação de micotoxinas são: cromatográficos, Elisa (Enzyme linked immunosorbent assay) e NIR (Near Infrared spectroscopy).
Para avaliar o nível de contaminação dos alimentos, pesquisadores da Embrapa Trigo avaliaram 1.000 amostras comerciais de trigo brasileiro produzido no período de 2009 a 2017 através do método de cromatografia referência. Os resultados mostraram que 36% das amostras apresentaram níveis de DON acima do atual limite permitido, que é 1000 ppb em trigo moído.
Na segregação de lotes com variados níveis de micotoxinas, a Embrapa também tem utilizado a espectroscopia no infravermelho próximo – NIR – um equipamento que analisa alimentos por meio de radiação eletromagnética. “Os métodos baseados em espectroscopia têm recebido atenção, especialmente devido a preparação mínima da amostra, rapidez, otimização de mão de obra e baixo custo. O tempo de análise demanda dois minutos e o custo limita-se à manutenção periódica do equipamento”, complementa a pesquisadora da Embrapa Trigo Casiane Tibola.
Mudanças Climáticas e os impactos nas micotoxinas
Um estudo americano sobre o aumento da temperatura global e a interferência no acúmulo de micotoxinas no trigo mostrou que a elevação da temperatura é um fator potencial para a pressão de giberela, bem como para o acúmulo de micotoxinas em grãos de trigo. No tratamento onde a temperatura do solo elevou em 3 a 5 °C, houve aumento de 131% nos grãos giberelados e 84% na ocorrência de micotoxinas.
Outro risco alertado pelo estudo é o possível efeito das mudanças climáticas sobre a variabilidade genética de espécies de Fusarium. “Entre as micotoxinas produzidas pelas espécies membros do complexo Fusarium graminearum, DON é a micotoxina mais frequente e em maior concentração no trigo em todo o mundo. No entanto, outras micotoxinas têm sido encontradas em trigo comercial, como nivalenol e zearelenona”, explica o pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG, Emerson Del Ponte.
No futuro próximo, com a ausência de genótipos de trigo resistentes, projeta-se que o problema das micotoxinas tenha ainda mais importância devido a fatores como mudanças climáticas, disseminação e alterações na população de fungos toxigênicos e resistência dos fungos aos fungicidas.
Por: Embrapa Trigo