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Tecnologias nutricionais de produção e o custo da distribuição dos dejetos

Escrito por: Augusto Hauber Gameiro - Professor Associado ao Departamento de Nutrição e Produção Animal - Universidade de São Paulo (VNP-FMVZ/USP) e Coordenador do Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal (LAE), Campus Pirassununga , Rafael Araújo Nacimento - Doutorando pelo Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal - Universidade de São Paulo (LAE-VNP-FMVZ/USP) campus Pirassununga

Como as tecnologias nutricionais na produção de suínos afetam o custo logístico da distribuição dos dejetos?


Os benefícios da utilização dos dejetos suínos como fertilizante são amplamente conhecidos e reconhecidos. Dentre esses benefícios, aspectos econômicos como redução nos custos com adubação e aumento da produtividade de pastagens e lavouras se entrelaçam com benefícios ambientais, como reuso dos nutrientes (principalmente nitrogênio, fósforo e potássio) e aumento da microbiota do solo.
Porém, o uso dos dejetos suínos como fertilizantes requer bastante cuidado. É sabido que, à parte de seus efeitos benéficos, existem os efeitos negativos que este pode causar quando usado de forma desordenada.
Impactos ambientais negativos como:
eliminação de gases de mau odor,
eutrofização de corpos d’água e
contaminação de águas subterrâneas, bem como o acúmulo de minerais como fósforo nos campos e no lençol freático são exemplos desse mau uso.

Agravando o quadro, tem-se correlacionado o surgimento de microrganismos resistentes a determinados antibióticos a exposições prolongadas dos microrganismos a elementos determinados presentes no dejeto suíno

No entanto, nos anos recentes, o desenvolvimento e emprego de tecnologias nutricionais nas dietas de suínos vêm ganhando cada vez mais espaço na produção.
Valoração da matriz nutricional dietética;
Suplementações com aminoácidos cristalinos e/ou enzimas, assim como;
Emprego de fontes orgânicas de microminerais.
São exemplos de tecnologias nutricionais que, quer seja pelo impacto econômico, representado pela redução dos custos de produção dietéticos, quer seja pela melhor utilização dos nutrientes (e o apelo ambiental que esse exerce), vem se destacando na suinocultura.
Porém, questionamentos referentes ao tamanho da área agrícola que esses dejetos poderão atender a partir da utilização das tecnologias nutricionais; o impacto da utilização dessas tecnologias sobre o custo logístico dos dejetos suínos; ou ainda, a forma com que os equipamentos utilizados para a distribuição dos dejetos interferem nos custos logísticos dessa distribuição, são pouco estudados. De fato, pouco se fala sobre o assunto, o que carece de uma abordagem mais ampla.
Deste modo, impulsionados por estes questionamentos e pela carência de pesquisas neste âmbito, pesquisadores do Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal (VNP-FMVZ/USP) em parceria com a Embrapa Pecuária Sudeste e Embrapa Suínos e Aves, buscaram responder a estas perguntas utilizando uma metodologia mista a partir de dados de pesquisa sobre o desempenho de animais submetidos a diferentes estratégias nutricionais e a proposição de modelos matemáticos para o cálculo do custo logístico e de distribuição de dejetos.

A metodologia utilizada

A primeira fase da pesquisa teve início com o estudo dos efeitos da utilização das tecnologias nutricionais sobre o desempenho e a composição química dos dejetos dos suínos. Para tanto, os animais foram submetidos a cinco tratamentos, que foram:
C0: dieta convencional a base de milho e farelo de soja, atendendo as exigências nutricionais dos animais (dieta controle);
C1: dieta com redução de cálcio e fósforo na matriz nutricional e suplementada com fitase de acordo com as recomendações da empresa fornecedora;
C2: dieta suplementada com minerais orgânicos, substituindo 40% dos minerais inorgânicos na dieta (principalmente cobre e zinco);
C3: dieta com redução da proteína bruta na matriz nutricional e suplementada com aminoácidos cristalinos; e
C4: todas as estratégias nutricionais somadas (C1+C2+C3).
A partir destes tratamentos, foram coletados parâmetros referentes ao desempenho zootécnico (peso e consumo de ração) bem como o dejeto produzido pelos animais.
Para que o dejeto coletado se assemelhasse ao máximo possível àquele produzido em condições de campo, foram projetadas canaletas de escoamento dos dejetos para cada baia. Estas eram revestidas por lona plástica que terminavam em baldes capazes de estocar todo o dejeto produzido na semana.
Assim, fezes, urina, águas residuais, bem como o desperdício de ração, proveniente dos quatro suínos alojados em cada baia, foram coletados e pesados, sendo o conteúdo de cada baia amostrado para posterior análise da quantidade de nitrogênio, fósforo e potássio.
Na segunda parte da pesquisa, teve-se a proposição dos modelos matemáticos para o cálculo da distribuição dos dejetos e do custo logístico da distribuição.
É importante ter-se o entendimento do que seriam modelos matemáticos e qual seu objetivo neste contexto.

Modelos são simplificações da realidade, neste caso, a partir de equações matemáticas propostas para estimar o custo logístico e a distribuição dos dejetos. Ou seja, tendo em vista a impossibilidade do acompanhamento e conferência de toda a distribuição do dejeto suíno da forma real com que ocorre no mundo, no Brasil, ou em qualquer outro estado brasileiro, os modelos matemáticos propõem de maneira simplificada a forma com que isto ocorreria.

Da mesma forma podemos atribuir um modelo matemático para o cálculo do custo logístico de distribuição. Modelos matemáticos vêm sendo desenvolvidos nas linhas de pesquisa do LAE com o objetivo de analisar o custo econômico e desempenho ambiental de diferentes sistemas.
Para o cálculo da distribuição dos dejetos, determinou-se, a partir de relatórios produtivos, o que seria uma granja de:
ciclo completo de pequeno (300 matrizes),
médio (650 matrizes) e
grande porte (1000 matrizes) no estado de São Paulo.

Foi determinado o número de animais em cada categoria (matrizes gestantes, lactantes, animais em creche, recria e terminação) e, em seguida, foi estimada a quantidade de dejeto produzida em cada categoria e no total, de modo a simular o que seria armazenado em uma esterqueira em 120 dias de produção, nas três escalas de produção propostas (Kunz et al. 2005; Martins et al. 2012).
Em seguida, foi simulada como se todo esse dejeto produzido fosse utilizado na fertilização de uma lavoura de milho com meta de produção de 6 t ha-1 (Aguiar et al. 2014).
Para estimar os custos com a distribuição dos dejetos provenientes de cada tratamento, foram simuladas a utilização de trator (75 cv) acoplado a um tanque com capacidade para 4,30 m³ e caminhão-tanque (238 cv) com capacidade para 15 m³. Os preços e coeficientes técnicos foram coletados para a Mesorregião de Campinas de acordo com o método usado pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (ESALQ-LOG).

Os dejetos apresentaram-se mais concentrados 

O primeiro ponto a ser observado diz respeito à composição química deste dejeto. No estudo, foi observado maiores níveis de N, P e K e matéria seca quando comparado a outros estudos.[registrados]
Os resultados da composição química apresentaram-se superiores aos valores propostos por Oliveira et al. (2001) (N: 2,2 kg t-1, P: 0,6 kg t-1, K 0,9 g kg-1) e Baral et al. (2017) (N: 3,5 g kg-1, P: 0,7 g kg-1, K: 2,2 kg t-1). No entanto, vale ressalvas para a composição de matéria seca apresentada pelos autores, 1,6 e 3,7%, respectivamente, e neste estudo (13%), bem como do tempo de armazenamento.
A concentração de nutrientes está diretamente ligada à quantidade de água presente no dejeto, ou seja, maiores volumes de água usados diluem os nutrientes. Neste estudo, o método de limpeza adotado foi de remoção mecânica das sujidades sem uso de água. Sabendo que a concentração é benéfica pois reduz o volume de dejetos por área de lavoura
(Diesel et al. 2002), visando o atendimento de suas exigências nutricionais em N-P-K, o apelo sobre o uso racional de água na suinocultura é reforçado, uma vez que 30% de todo dejeto suíno produzido corresponde a água oriunda da limpeza (Oliveira 1993).

As tecnologias nutricionais reduziram o conteúdo de N, P e K dos dejetos 

O uso das estratégias nutricionais reduziu, em média, 9,0 kg t-1 as quantidades de N nos dejetos (com máximo de 10,37 kg t-1 para C3), 0,13 kg t-1 de P (com máximo de 0,23 kg t-1 para C4), e 0,69 kg t-1 de K (com máximo de 0,99 kg t-1 para C1) quando comparado aos dejetos oriundos de suínos submetidos a dieta controle (Figura 1).
É sabido que dietas desbalanceadas e o uso excessivo de ingredientes proteicos promovem um aumento na excreção de nutrientes, principalmente N. Com isso, a partir do uso das tecnologias nutricionais e sua atuação sobre a matriz nutricional das dietas, resulte em melhor aproveitamento e redução da eliminação de nutrientes nos dejetos.

As tecnologias nutricionais reduziram a área necessária para a absorção dos dejetos 

De acordo com o estudo, as tecnologias nutricionais apresentaram menor área necessária para sua distribuição e consequentemente, menor distância a ser percorrida para tal (km), quando comparado à dieta controle (Figura 2).
Tal fato é justificado pelo maior nível de N e maior volume de dejetos produzidos pela dieta controle, quando comparado aos outros tratamentos. No entanto, se o propósito for aquele de atender os requerimentos de determinada lavoura, este benefício pode se tornar um desafio, uma vez que o baixo nível de N-P-K contido no dejeto a partir da utilização das tecnologias nutricionais acarretará menor área atendida e maior volume de dejeto a ser utilizado.
Nesta condição, um maior número de viagens será exigido, uma vez que se tem uma área definida a ser fertilizada e um dejeto com menor potencial fertilizante.

O trator é a melhor opção para a distribuição dos dejetos?


De acordo com os resultados do estudo, o caminhão-tanque apresentou maior custo de distribuição por hora trabalhada (Figura 3). Trazendo para valores atuais (US$ 1,00 = R$ 5,53), o custo de distribuição por hora trabalhada foi de R$ 256,81 e R$ 94,95 para caminhão-tanque e trator-tanque, respectivamente.
De modo geral, o maior custo por hora é justificado pelo consumo de combustível e o custo de mecanização, o que está diretamente ligado à maior força de tração e capacidade de transporte dos dejetos a partir do caminhão-tanque, quando comparado ao trator-tanque. Todavia, a partir de sua maior capacidade de carga, o número de viagens e o tempo gasto foram menores para o caminhão-tanque.
No entanto, o menor tempo e número de viagens não foram suficientes para reduzir o custo de transporte e distribuição, sendo até duas vezes maior do que o trator-tanque (Figura 3). Porém, é possível que em distâncias maiores, o custo de distribuição com o caminhão-tanque seja reduzido, tornando-se viável (conforme identificado por Nolan et al. (2012)).

Qual foi nossa conclusão geral?

A partir dos resultados deste estudo, concluiu-se que a inclusão das tecnologias nutricionais reduziu o volume de dejetos produzidos assim como a liberação de N, P e K nos dejetos. No entanto, a discrepância entre os volumes de dejetos produzidos demonstrados neste estudo àqueles citados na literatura técnico-científica indicam que a conscientização sobre o manejo de recursos hídricos na suinocultura se faz necessária.
O uso das diferentes tecnologias nutricionais reduziu os custos de transporte e distribuição dos dejetos a partir da redução da área necessária para a distribuição dos dejetos bem como a distância percorrida para tal.
No entanto, caso se tenha o interesse de utilizar o dejeto como fertilizante de modo a atender uma determinada área agrícola, serão necessários maiores volumes de dejeto caso este seja
oriundo de suínos submetidos a dietas contendo tecnologias nutricionais.
O caminhão-tanque apresentou o maior custo por hora trabalhada em relação ao trator-tanque, levado principalmente pelos maiores custos com mecanização e combustível. O maior volume de carga e menor número de viagens levados para a disposição dos dejetos não foram suficientes para tornar o sistema caminhão-tanque economicamente mais eficiente do que o sistema trator-tanque nas distâncias sugeridas. No entanto, essa inversão pode ser possível em maiores distâncias.
Texto baseado no artigo de Afonso, E. R.; Nacimento, R. A.; Palhares, J. C. P. e Gameiro, A. H. 2020. How can nutritional strategies and feed technologies in pig production affect the logistical costs of manure distribution? Revista Brasileira de Zootecnia 49:e20190045.
https://doi.org/10.37496/rbz4920190045

Autores

Rafael Araújo Nacimento1
Augusto Hauber Gameiro2
1Doutorando pelo Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal – Universidade de São Paulo
(LAE-VNP-FMVZ/USP) campus Pirassununga
2Professor Associado ao Departamento de Nutrição e Produção Animal – Universidade de São Paulo (VNP-FMVZ/USP)
e Coordenador do Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal (LAE), Campus Pirassununga

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