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“Conversando” com as vacas: conheça o conceito cowsignals

Escrito por: Alexandre Pedroso -

Dairy Cattle Nutrition & Welfare Specialist; CowSignals Licensed Master.

, Técnico Nacional em Bovinos Leiteiros da Cargill Nutrição Animal

Não é de hoje que eu falo que formular a dieta das vacas leiteiras é a parte mais fácil do trabalho de um nutricionista. O difícil é fazer com que as vacas comam exatamente aquilo que foi previsto pelo nutricionista e também que tenham o mesmo ambiente que foi considerado pelo nutricionista na hora de formular a dieta. O desempenho das vacas leiteiras depende diretamente do consumo adequado nutrientes, e, por sua vez, isso depende de inúmeros fatores, como a formulação da dieta.

Para identificar os fatores que podem interferir com o consumo, é preciso “escutar o que as vacas nos dizem”, e muitas vezes técnicos e produtores são arrogantes e não dão ouvidos “às vozes” do rebanho. Obviamente as vacas não falam, mas nos dão inúmeros sinais de que as coisas podem não estar indo muito bem. Eu sempre procurei dar atenção a isso, mas só aprendi, de fato, a entender “o idioma das vacas” depois de fazer o treinamento em CowSignals.
Trata-se de uma metodologia muito simples, mas extremamente poderosa para que possamos identificar e interpretar os sinais que as vacas nos dão e tomar as decisões mais assertivas para corrigir falhas, dando às vacas a melhor condição possível para que desempenhem eficientemente o seu papel.
O conceito CowSignals baseia-se no princípio de que para serem saudáveis as vacas leiteiras necessitam ter os “seis benefícios” da natureza: comida, água, luz, ar, espaço e descanso. O “Diamante CowSignals” ilustra de forma bastante clara o conceito que norteia a metodologia.
 

Para que possam ter elevado desempenho produtivo e reprodutivo, elas precisam ter saúde. Vacas saudáveis são vacas rentáveis, esse é o lema. Todo fator que imponha desafios à saúde das vacas irá prejudicar seu bem-estar e, consequentemente, seu desempenho. A aplicação da metodologia CowSignals é uma ferramenta muito poderosa para ajudar uma fazenda produtora de leite a ser mais eficiente.

Eu me lembro de uma vez em que fui chamado por um produtor de leite que se queixava de que suas vacas não estavam produzindo bem, e ele gostaria que eu fizesse uma avaliação das formulações que estava utilizando. Fui até a fazenda e passei cerca de três horas visitando as instalações, avaliando itens de conforto, manejo etc., e voltei a me reunir com ele. Apresentei uma lista com 15 itens que deveriam ser imediatamente corrigidos para que as vacas pudessem desempenhar melhor – todos relacionados a questões de conforto e manejo.

Uma das únicas coisas em que não vi defeito foi justamente na formulação das dietas. A avaliação da alimentação dos rebanhos leiteiros sempre foca os índices produtivos e reprodutivos das vacas, e também os resultados das análises laboratoriais dos alimentos, mas para fazer uma avaliação realmente completa, técnico e produtor precisam passear no meio das vacas para observar os sinais que nos dão.

Essa interação mais próxima com os animais é fundamental para que o produtor possa observar seu comportamento, o manejo do cocho, a disponibilidade de água, o conforto das vacas, seu escore de condição corporal e muitos outros itens, como ruminação, aparência geral, problemas de casco etc. Tudo isso é levado em conta no conceito CowSignals.
Como exemplo do que estou mostrando, segue uma lista de perguntas que procuro responder quando visito uma fazenda e aplico a metodologia CowSignals:
De cada 10 vacas, quantas estão ruminando?
Há sinais de que as vacas estão selecionando a ração? O que está sendo selecionado?
As vacas estão consumindo dejetos, terra ou areia? Estão consumindo minerais de forma exagerada?
Os animais parecem saudáveis, com pelo brilhante?
O escore médio de condição corporal é adequado para cada lote? Há muita variação no escore de condição corporal dentro dos lotes?
Há muitas vacas com problemas de casco?
Há bebedouros suficientes para as vacas? Eles estão estrategicamente dispostos, inclusive nos corredores?
Os bebedouros estão limpos? A vazão da água é suficiente para atender todo o lote?
Elas têm comida sempre disponível? Há boa oferta de forragem nos piquetes? O pasto é de boa qualidade?
No caso de vacas confinadas, a ração completa no cocho está bem misturada? O tamanho médio de partículas está adequado? A ração está quente? Há sinais de mofo?
Há espaço suficiente nos cochos de alimentação?
As vacas têm alimento fresco (ração completa ou concentrado) à disposição depois das ordenhas?
O piso é confortável e seguro?
Há pedras ou buracos nos corredores? Qual a profundidade da lama que se forma quando chove?
Qual a distância entre a sala de ordenha e o local de alimentação?
Há áreas de sombra disponíveis no pasto? No caso de galpões, a ventilação é boa?
Há espaço suficiente para que as vacas possam deitar confortavelmente?
Quantas horas por dia as vacas passam no pasto ou nos galpões?

Manejo a partir do Cowsignals

Essas perguntas procuram cobrir pontos importantes relativos ao manejo e condições de conforto a que estão submetidas as vacas leiteiras. Por exemplo, como regra geral, caso não estejam comendo, bebendo, dormindo, ou sob stress térmico, 4 a 5 vacas de cada 10 devem estar ruminando. As vacas podem ruminar por até 10 horas por dia, então, se isso não estiver acontecendo, procure a causa. Seleção de alimentos? Falta de FDN fisicamente efetivo? Isso deve ser investigado e corrigido.
Se as vacas fazem muita seleção de alimentos nos cochos, haverá grande variação nas fezes (de secas à diarreia) dentro do lote, que supostamente está consumindo a mesma ração. E nesse caso ficamos sem ter ideia de qual ração cada vaca está efetivamente consumindo. Dessa forma, aumentam os casos de acidose ruminal e outros distúrbios digestivos. Para resolver o problema, é preciso minimizar as possibilidades de seleção de alimentos, fazendo formulações e misturas corretas.
Outro ponto a ser observado é que o aumento no consumo de minerais, ou a ingestão de dejetos, terra ou areia são sinais claros de desordens digestivas, ou de que as vacas estão sob stress calórico. É fundamental avaliar muito bem as condições de conforto na fazenda. Atualmente sabemos que dependendo da umidade relativa do ar, temperaturas acima de 20ºC já são suficientes para causar algum grau de stress para os animais. Há sombra disponível nos sistemas de pastejo? Os galpões de confinamento oferecem condições adequadas, onde as vacas podem descansar confortavelmente?
Se as vacas não conseguem andar ou descansar com conforto, provavelmente vão produzir menos leite. Uma vaca que tem conforto não precisa destinar energia extra para “sobreviver” ao ambiente. Superfícies lisas, que fazem as vacas escorregar, superfícies irregulares, que as fazem andar como se estivessem “pisando em ovos”, ou lama tão profunda a ponto de “sugar” as botas de algum desavisado, possivelmente vão contribuir para que as vacas façam menos visitas ao cocho, ou, no caso de vacas no pasto, para que os ciclos de pastejo sejam reduzidos. Corredores cheios de pedras e buracos são ótimos para aumentar muito a incidência de problemas de casco no rebanho. Se nem você consegue andar direito pelos corredores destinados às vacas, isso significa que elas estão sendo obrigadas a gastar mais energia do que deveriam em atividades não produtivas.
Observe as vacas enquanto se movimentam. Elas vão te mostrar se estão confortáveis ou não. A distância entre a sala de ordenha e as áreas de alimentação e descanso determina quanta energia adicional elas terão que gastar para se locomover, acima do que normalmente já está incluído nas exigências de manutenção. E isso será subtraído da energia líquida disponível para produzir leite. Ou seja, quanto mais tiverem que andar, pior. Viagens de mais de 500 metros são indesejáveis.
Proporcionar às vacas um lugar confortável para deitar, ruminar e descansar é fundamental para mantê-las saudáveis e produtivas. Em galpões tipo Free-Stall, se as vacas não deitam nas baias, reavalie seu desenho e dimensões, e verifique se a cama está limpa e em quantidade adequada. Os galpões tipo Compost Barn são cada vez mais comuns em nosso país, mas o manejo da cama está sendo bem feito? As vacas estão passando a maior parte do seu tempo descansando? Um índice que costumo usar para avaliar o conforto em rebanhos leiteiros é que das vacas que não estiverem comendo ou bebendo água, pelo menos 80% devem estar confortavelmente deitadas.
Para vacas leiteiras mantidas em pastagens, se elas passam a maior parte do tempo em pé, ou se vão deitar nos corredores ou em áreas ensolaradas, é preciso verificar o estado da pastagem, presença de pedras e condição e disponibilidade das áreas de sombra, que devem estar sempre secas. Vacas com estresse térmico ficam mais suscetíveis a distúrbios metabólicos, a problemas reprodutivos e, normalmente, consomem menos alimentos. Consequentemente, assim produzem menos leite.
Cuidar muito bem das áreas de sombra nos pastos e da ventilação nos galpões é a melhor forma de prevenir a ocorrência de estresse térmico pelo calor. Aumentar os níveis de potássio, sódio e magnésio das rações de vacas em estresse térmico é recomendável, mas alterações na alimentação nessa situação são apenas medidas paliativas, o que resolve mesmo é resfriar as vacas!
O conceito CowSignals aborda inúmeros aspectos, mas o que foi abordado aqui já nos dá uma boa ideia do quão importante é observar as vacas, “ouvir o que elas têm a nos dizer”, pois elas nunca mentem. O trabalho do nutricionista não pode se limitar a formular dietas, pois se as vacas leiteiras não respondem bem, de quem a culpa? É muito fácil apontar para quem fez a formulação. As vacas nos dizem muitas coisas importantes, mas é preciso estar treinado e disposto a ouvi-las!
Por Alexandre Pedroso, Consultor Técnico Nacional em Bovinos Leiteiros da Cargill Nutrição Animal.

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