Desafios e perspectivas para aplicação de tecnologias inovadoras para descontaminação de micotoxinas em cereais
INTRODUÇÃO |
As indústrias agroalimentares têm dedicado enorme esforço para evitar a ocorrência de metabólitos fúngicos secundários tóxicos, conhecidos como micotoxinas, em alimentos e rações à base de cereais.
Mais de 100 espécies de fungos capazes de produzir mais de 400 tipos de micotoxinas já foram descritas, porém felizmente as principais espécies de fungos toxigênicos estão restritas a alguns gêneros, incluindo Aspergillus, Fusarium e Penicillium (Buszewska-Forajta, 2020).
As micotoxinas mais importantes são:
Vários problemas de saúde estão ligados a micotoxinas em humanos e animais, como câncer de fígado e rim, cirrose, intoxicação renal, intoxicação neurológica, edema pulmonar e distúrbios gastrointestinais e
de reprodução.
Embora esses métodos nunca devam substituir medidas preventivas para evitar a contaminação e/ou crescimento fúngico e a produção de micotoxinas, eles podem ser uma estratégia integrada para reduzir a exposição às micotoxinas através da dieta.
Novas técnicas como plasma frio, irradiação, ozonização e métodos biológicos têm sido avaliadas com vistas à degradação de micotoxinas e potencial aplicação na indústria alimentícia.
Essas novas tecnologias resultam em efeitos menos adversos sobre as:
TÉCNICAS CONVENCIONAIS PARA DESCONTAMINAÇÃO DE MICOTOXINAS |
O crescimento fúngico, que leva à formação de micotoxinas, não pode ser totalmente evitado.
Condições ambientais adequadas levam ao rápido crescimento fúngico tendo como consequência a perda de grãos. Além disso, a condição dos grãos e as operações pós-colheita são críticas, influenciando no armazenamento e possibilitando a ocorrência de vários tipos de contaminação microbiana em grãos (Neme & Mohammed, 2017).
Os maiores níveis de contaminação geralmente concentram-se na camada externa do grão e podem ser removidos pelo processo de moagem ou descascamento. No entanto, uma parte das micotoxinas permanece no grão moído, o que afeta sua qualidade. Um dos principais fatores que influenciam na produção de micotoxinas é o armazenamento dos grãos. |
Parâmetros adequados de umidade e temperatura durante o armazenamento controlam o crescimento fúngico e a produção de micotoxinas (Buszewska-Forajta, 2020). Vários produtos químicos são usados para descontaminar grãos alimentares, como:
Diferentes bases como amônia e hidróxido também podem ser usadas em grãos para reduzir micotoxinas como as AFs. Além disso, a mistura de glicerol e cloreto de cálcio também tem sido utilizada para reduzir o nível de micotoxinas. Estas técnicas podem ser utilizadas na indústria de cereais devido à fácil disponibilidade e baixo custo. No entanto, algumas técnicas de descontaminação química de grãos não são permitidas por várias Organizações de Saúde.
TECNOLOGIAS INOVADORAS PARA DESCONTAMINAÇÃO DE MICOTOXINAS |
A Tabela 1 apresenta os resultados de alguns estudos sobre aplicação de tecnologias inovadoras para descontaminação de micotoxinas em grãos alimentícios.
Irradiação
A irradiação tem sido amplamente usada para a descontaminação de alimentos há décadas. É considerado um método físico de descontaminação, que envolve a exposição dos alimentos à energia ionizante (Mohamed et al., 2015). Os efeitos indiretos como a reação de radicais livres com a água e outros componentes resultam na degradação das micotoxinas por irradiação.
Diferentes doses de irradiação são aplicadas para uma redução significativa no crescimento fúngico em diferentes cereais. O tratamento de irradiação para fins alimentares é considerado seguro para doses de até 10kGy (Lung et al., 2015). No entanto, o processo de irradiação afeta negativamente a qualidade do grão em certo grau.
Aziz et al. (1997) observaram que uma dose de irradiação de 6 kGy elimina a flora fúngica em grãos de trigo. Em outro estudo, Aziz et al. (2007) avaliaram a influência da irradiação gama na FB₁ em diferentes grãos como milho, trigo e cevada. Os resultados mostraram que as doses de irradiação de 5 kGy inativaram:
Outro autor, Aquino et al. (2005), observou que a dose de 10 kGy de irradiação elimina completamente a AFB₁ e AFB₂ no milho. No entanto, Farag et al. (2004) observaram que a irradiação gama em uma dose mais alta (20 kGy) elimina 76% da AFB₁ no milho amarelo.
A eficiência da degradação da micotoxina não depende apenas da dose do tratamento de irradiação gama, mas também do percentual de umidade das amostras tratadas. |
Resultados semelhantes foram observados por Mehrez et al. (2016) enquanto estudavam a estabilidade da degradação das micotoxinas. A degradação das micotoxinas irradiadas com 8 kGy e 16% de teor de umidade foi significativamente maior do que com umidade a 11%.
O plasma a frio é potencialmente explorado em várias áreas da indústria alimentícia, sendo uma das novas técnicas amplamente utilizadas para descontaminar grãos de cereais.
Esta técnica oferece alta inativação de micotoxinas entre 5 a 30°C sem afetar atributos de qualidade em relação às técnicas convencionais/tradicionais. Esta tecnologia se mostrou promissora ao manter as propriedades nutricionais e sensoriais, mantendo assim a qualidade dos grãos de cereais. |
No entanto, a eficiência do plasma a frio depende da:
Selcuk et al. (2008) usaram o plasma a frio sobre esporos de A. flavus e A. parasiticus em superfícies de grãos. Esta técnica não térmica reduziu a infecção fúngica para menos de 1% sem afetar a qualidade das sementes. Após o tratamento com plasma observou-se uma redução significativa dos esporos fúngicos.
Wielogorska et al. (2019) exploraram o uso de plasma a frio para inativar micotoxinas no milho.
[registrados]
A luz pulsada é uma das tecnologias promissoras utilizadas para a descontaminação de grãos. É uma alternativa potencial às tecnologias tradicionais sem afetar significativamente a qualidade dos grãos.
Porém, a luz pulsada tem baixa capacidade de penetrar no grão e diminui a porcentagem de germinação das sementes usadas para brotação. A eficiência de descontaminação da luz pulsada deve-se ao amplo espectro de luz ultra-violeta (UV), flashes curtos e potência máxima (John e Ramaswamy, 2018).
A luz pulsada é uma técnica econômica e não térmica que não deixa resíduos no material alimentar. |
Wang et al. (2016) estudaram a influência do tratamento da luz pulsada sobre a degradação da AFB₁ e AFB₂ em arroz tratado com 0,52 J/cm²/pulso para diferentes tempos (20, 40, 60 e 80 segundos) em temperatura ambiente.
No entanto, a tecnologia de luz pulsada tem certas limitações. Embora seja eficaz na descontaminação da superfície devido à sua capacidade de penetração limitada, também afeta negativamente a qualidade dos materiais alimentares sensíveis ao calor.
O ozônio (O3) tem diversas aplicações importantes na indústria alimentícia como desinfetante. Adicionalmente, o ozônio é um forte oxidante que pode também ser empregado para eliminar as micotoxinas dos grãos alimentares.
No entanto, o custo da técnica de ozônio é relativamente alto devido à sofisticada tecnologia de descontaminação. A degradação da AF pelo ozônio começa com um ataque eletrofílico em uma parte da molécula, levando à formação de ozonidas primárias seguidas de rearranjo em derivados de monóxido como aldeídos, cetonas e ácidos orgânicos.
Foi relatado que o ozônio degrada as micotoxinas comuns encontradas em grãos como as AFB₁, AFB₂, AFG₁, AFG₂, FB₁, OTA e ZEN (Kottapalli et al., 2005). Deste modo, o tratamento do ozônio degrada as micotoxinas ou leva a modificações químicas reduzindo sua atividade tóxica.
Há também o aumento da eficiência do tratamento em meio aquoso, em comparação com a fase gasosa devido à umidade. Raila et al. (2006) utilizaram o tratamento de ozônio para descontaminar grãos de trigo com diferentes teores de umidade. O tratamento de ozônio reduziu eficientemente a contaminação em grãos de trigo em níveis mais elevados de umidade.
A eficiência do tratamento de ozônio depende de fatores como o tipo de grão, tempo de tratamento e umidade, o que afeta sua eficácia durante a aplicação. Além disso, o tratamento de ozônio também induziu a oxidação dos lipídios, a degradação de algumas vitaminas e compostos fenólicos, e alterações de cor (Pankaj et al., 2018). |
Os métodos biológicos têm se tornado populares devido a resultados promissores na descontaminação de micotoxinas. É uma técnica ecológica que não deixa nenhum resíduo. Numerosos agentes biológicos,
como cepas bacterianas, fungos e leveduras têm mostrado resultados promissores para degradar ou se ligar às micotoxinas de forma estável (Luo et al., 2018).
Os microrganismos utilizados para a descontaminação de micotoxinas devem ter alta eficiência e bom custo-benefício, sem produzir nenhum composto indesejável no alimento. |
A detoxificação biológica também envolve degradação enzimática ou modificação de toxinas resultando em diminuição da toxicidade potencial. Microrganismos comumente usados para detoxificação de aflatoxinas são bactérias ácido láticas, Bacillus licheniforms, Bacillus subtilis e Saccharomyces cerevisiae (Ismail et al., 2018). Alguns Rhizopus spp. também foram testados para descontaminação de micotoxinas devido à sua capacidade de ligação com micotoxinas.
No entanto, a aplicação efetiva de métodos biológicos para descontaminação de micotoxinas em grãos de cereais ainda depende de pesquisas que possibilitem produzir biomassas de microrganismos em escala para uso na agroindústria.
Alguns ingredientes naturais de diferentes fontes como especiarias, ervas e plantas têm sido testados para descontaminar micotoxinas, como uma alternativa a produtos químicos sintéticos que podem deixar resíduos indesejáveis nos alimentos. Deste ponto de vista, a eficiência antimicotoxigênica dos ingredientes naturais depende de constituintes ativos como:
As folhas de Neem apresentaram efeito desintoxicante contra AFs durante o armazenamento prolongado de milho, trigo e arroz. No entanto, o aroma pungente de alguns ingredientes naturais pode restringir suas aplicações em alimentos. Atualmente, há uma demanda potencial por extratos de plantas para diversas aplicações na indústria alimentícia.
Extratos vegetais de diferentes fontes têm a capacidade de degradar micotoxinas (Ponzilacqua et al., 2019). Extratos vegetais mostram uma abordagem promissora e são usados para prevenir o crescimento fúngico e o acúmulo de micotoxinas em grãos alimentares. A combinação de tecnologias inovadoras tem sido também estudada, com resultados muito promissores.
Kalagatur et al. (2018) relataram que o efeito combinado de óleo essencial e da irradiação gama foi altamente eficiente no controle da produção de micotoxinas por F. graminearum em grãos de milho.
CONCLUSÃO |
Desafios e perspectivas para aplicação de tecnologias inovadoras para descontaminação de micotoxinas em cereais
Carlos A. F. Oliveira
Professor Titular, Departamento de Engenharia de Alimentos,
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de
São Paulo – Campus de Pirassununga/SP
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