Um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) apoiados pela FAPESP desenvolveu, pela primeira vez na América do Sul, uma linhagem de peixe nativo resistente a uma bactéria. Os exemplares de pacu (Piaractus mesopotamicus) geneticamente selecionados têm uma resistência maior à bactéria Aeromonas hydrophila, responsável por prejuízos na piscicultura no mundo todo. Em média, a resistência a doenças em peixes aumenta entre 10% e 20% a cada nova geração.
O melhoramento foi possível graças a quatro estudos que determinaram, entre outros fatores, o tipo de herança genética e os genes responsáveis pela imunidade contra a bactéria. As descobertas mais recentes foram publicadas na revista BMC Genomics.
“A única espécie de peixe melhorada produzida hoje no Brasil é exótica. A tilápia é um peixe africano que chegou já com um programa de melhoramento desenvolvido no exterior, que agora vem sendo aprimorado no país. Escolhemos o pacu porque ele é nativo e cultivado há cerca de 30 anos, mas toda a produção ainda é baseada em lotes sem melhoramento”, diz Diogo Teruo Hashimoto, pesquisador do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp) e coordenador dos estudos.
Hashimoto coordena o projeto “Estudo de associação genômica ampla de baixo custo e predições genômicas para resistência a Aeromonas hydrophila em pacu (Piaractus mesopotamicus)”, financiado pela FAPESP em convênio com a Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (CONICYT), do Chile. O projeto tem como líder no exterior José Yáñez, professor da Universidade do Chile.
Os estudos têm como primeiro autor Vito Antonio Mastrochirico Filho e foram realizados durante seu mestrado e doutorado no Caunesp, com bolsa da Fundação.
No trabalho mais recente, os pesquisadores fizeram uma análise genômica de populações submetidas à infecção pela bactéria e descobriram várias regiões cromossômicas associadas à resistência. Foram encontrados pelo menos 38 genes relacionados ao sistema imune. “É muito raro que apenas um ou dois genes tenham um papel determinante na resistência a algum patógeno em peixes. Nesse caso, provavelmente a combinação desses genes é que protege a espécie”, explica Hashimoto.
Seleção artificial
Para chegar à linhagem melhorada, porém, os pesquisadores primeiro tinham de saber qual era a composição genética dos pacus disponíveis no mercado. Para isso, analisaram exemplares coletados de sete criadores no Estado e de uma população selvagem do rio Paraná. Os resultados foram publicados em 2019 na revista Genes.
A partir da análise, foram selecionados diferentes exemplares a fim de obter a maior variabilidade genética possível. Os cruzamentos deram origem a 36 famílias, totalizando 1.094 indivíduos. Cerca de 30 indivíduos de cada família foram submetidos, então, ao chamado teste-desafio. Divididos em três tanques, foram infectados com a bactéria e acompanhados por 14 dias. As taxas de mortalidade variaram de zero a 65%. Além disso, novas análises genômicas mostraram que as características eram herdáveis. O estudo foi publicado na Aquaculture.
“Por questões de biossegurança, não podemos utilizar os animais que sobreviveram à infecção como reprodutores, pois eles podem transmitir a bactéria para outros indivíduos. Usamos, então, os irmãos deles que não foram submetidos ao teste-desafio. Como as análises mostravam que os sobreviventes tinham características genéticas herdáveis, traços como a resistência ao patógeno provavelmente estavam presentes nos irmãos, que também são analisados por meio da genômica”, afirma o pesquisador.
Os animais com genética superior para resistência foram selecionados ainda para melhores taxas de crescimento e, em seguida, os reprodutores da nova linhagem foram distribuídos a piscicultores parceiros no Estado de São Paulo. São eles que fazem a disseminação do material genético entre outros criadores.
Outros animais vivem no núcleo de melhoramento genético do Caunesp, em Jaboticabal, onde os estudos foram realizados. A cada três anos, tempo de maturação da espécie, uma nova seleção vai adicionar novas características favoráveis à linhagem.
Na próxima geração, os pesquisadores planejam selecionar indivíduos resistentes à Flavobacterium columnare, bactéria causadora da columnariose, doença que afeta peixes de norte a sul do Brasil.
“Uma vez que não existem vacinas comerciais para peixes nativos e o manejo de antibióticos e outros medicamentos é problemático no ambiente aquático, o desenvolvimento de linhagens resistentes a doenças é fundamental para garantir um pescado de qualidade”, encerra Hashimoto.
Artigos publicados:
Development of a SNP linkage map and genome-wide association study for resistance to Aeromonas hydrophila in pacu (Piaractus mesopotamicus)
Transcriptome Profiling of Pacu (Piaractus mesopotamicus) Challenged With Pathogenic Aeromonas hydrophila: Inference on Immune Gene Response
Genetic parameters for resistance to Aeromonas hydrophila in the Neotropical fish pacu (Piaractus mesopotamicus)
Assessing Genetic Diversity for a Pre-Breeding Program in Piaractus mesopotamicus by SNPs and SSRs
Por: André Julião | Agência FAPESP
Foto: Vito Antonio Mastrochirico Filho/Caunesp