A expressão fibra, para os animais monogástricos, sempre foi uma palavra ampla, confusa e quimicamente mal definida. Porém, este cenário vem se alterando nos últimos anos com o conhecimento mais abrangente sobre o tema de uso desta classe nutricional como uma ferramenta de modulação do microbioma intestinal.
Um dos fatores que geraram uma evolução neste tema foi a melhor definição do que é fibra, com o advento do conceito de Fibra Dietética (FD), como relatado por Choct (2015).
A FD é considerada essencial para a saúde de animais monogástricos e humanos, sendo este o principal componente não digerível das dietas e é conhecido por influenciar o microbioma do trato gastrointestinal (TGI).
Pesquisas recentes sugerem que existem três mecanismos principais que justificam esta influência.
» Primeiro, por estruturação física da digesta, que é relevante para a sensação de saciedade e controle da ingestão de alimentos (Capuano, 2017);
» em segundo lugar, pela modulação de processos digestivos como aqueles que controlam o tempo de trânsito, que interferem de forma importante nos níveis circulantes de glicose e lipídios (Gidley, 2013);
» e, por fim, atuando como fonte de energia para a fermentação, em especial no intestino grosso dos animais monogástricos (Williams et al., 2017).
No passado, era comum adotar uma abordagem reducionista a investigações envolvendo FD para monogástricos, ao usar uma forma purificada de FD como celulose, para examinar a resposta de espécies microbianas específicas a componentes de fibras purificadas (Djouzi et al., 1995).
Um bom exemplo desta corrente de avaliação pode ser visto no artigo de Williams et al., (2019). Estes investigadores da Universidade de Queensland/Austrália, trabalham na compreensão do uso de fibra e suas frações tanto para animais monogástricos como para humanos, em uma revisão recente, sugerindo que os efeitos prebióticos e de maturação do TGI destes compostos tem muito a ver com a característica da solubilidade e insolubilidade das fibras.
Jha & Berrocoso (2015) descrevem que as frações solúveis da FD são fermentadas mais rapidamente, produzem quantidades maiores de ácidos graxos voláteis (AGV) do que as frações insolúveis e favorecem o crescimento da microbiota benéfica em animais monogástricos.
A suscetibilidade da FD à fermentação varia de acordo com a acessibilidade desta fibra à população microbiana no TGI posterior. Em animais monogástricos, o intestino grosso é o local mais importante de fermentação.
A fermentação da FD solúvel ocorre principalmente no cólon/ceco proximal, enquanto a fermentação da FD insolúvel é mantida até o cólon/ceco distal (Choct, 1997). No entanto, uma fermentação substancial da FD solúvel foi observada no intestino delgado dos animais.
Quanto as frações desta FD são corretamente fermentas no cólon/ceco, os AGV produzidos são absorvidos no intestino por difusão passiva.
No entanto, vários mecanismos foram propostos, declarando sua dependência do pH luminal, CO2, bem como dos fluxos de água, prótons e íons inorgânicos. Os metabólitos da fermentação são absorvidos pelas células do intestino ou utilizados para o crescimento bacteriano benéfico. Embora os AGV sejam principalmente absorvidos e metabolizados pelos colonócitos, eles também são usados como fonte de energia por outros tecidos.
Os AGV absorvidos são basicamente metabolizados em três locais principais:
células hepáticas que metabolizam butirato residual e propionato para gliconeogênese, além de 50,0% a 70,0% de acetato;
e células musculares, principalmente de músculos esqueléticos e cardíacos que oxidam o acetato residual (Roberfroid, 2007).
A energia produzida a partir de AGV pode contribuir com até 15,0% das necessidades de energia de manutenção de suínos em crescimento em até 30,0% em matrizes suínas em gestação.
De igual maneira, a manutenção da saúde intestinal é um fenômeno complexo e depende de um delicado equilíbrio entre a dieta, microflora comensal e da mucosa, característica do epitélio digestivo e a produção de muco que recobre o epitélio.
De igual maneira, efeitos negativos podem ser observados caso a utilização da fibra ocorra em sítios não compatíveis com a produção de AGV, como a fração superior do TGI. Dritz et al., (1995) relataram uma elevada suscetibilidade à infecção por Streptococcus suis em animais que consumiram fontes solúveis de FD com elevada produção de viscosidade intestinal superior.
Desta forma, quanto a fração solúvel da FD, o desafio está em fazê-la chegar até a porção final do trato para que exerça a sua função prebiótica.
Desta forma, impedir que esta fração não se solubilize com água na parte superior do TGI é imprescindível. Esta tarefa pode ser realizada com uso de ferramentas enzimáticas especialmente desenvolvidas para esta finalidade, reduzindo seu grau de polimerização gerando um maior efeito do intestino grosso dos animais (Maesschalck et al., 2015).
Existem frações estruturais importantes da FD que são insolúveis em água, mas podem ser fermentadas em níveis variáveis por bactérias intestinais.
Em uma revisão sobre trabalhos científicos publicados pelo seu grupo, Mateos et al., (2013) descrevem que o uso moderado de fibra insolúvel como casca de aveia (OH) ou casca de girassol (SFH) parecem desempenhar um papel mais profundo na atividade de moela de aves do que fontes de fibras solúveis, como poupa de beterraba (SBP)
Com a atividade aprimorada de partes do TGI, juntamente com o aumento do anti-peristaltismo reverso, a mescla dos sucos digestivos com a digesta se incrementa, o que pode explicar os efeitos positivos da FD insolúvel na digestibilidade da dieta e da performance animal (Figura 1).
Porém, o nível de fibra necessário para o desempenho ideal depende da fonte de fibra considerada, da idade, da saúde dos animais e a característica estudada.
Para aves (frangos de corte e poedeiras comerciais) os efeitos benéficos da inclusão de fibras parece igualmente importante para as frações insolúveis como as solúveis, sendo ainda mais importante em aves jovens do que em animais adultos e quando o estado de saúde dos lotes não é o ideal.
Por isso, este tema toma grande força neste momento, pois estamos caminhando para um futuro com uso restrito a antibióticos na produção de aves e suínos, e utilizarmos estratégias que mitiguem estes desafios se torna uma busca essencial!