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Fortificação Nutricional de Ovos com Profa. Michele Mendonça


Você sabe o que é Fortificação Nutricional de Ovos? E como fortificar os ovos com ômega 3, sabe?
Essas e outras dúvidas foram sanadas na Live realizada no instagram da nutriNews Brasil e gravada no Youtube e Facebook.
A convidada da Live e especialista no assunto foi a Dra. Michele Mendonça, que atualmente é professora do IF Sudeste de Minas. A Dra. Michele é formada em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Mestre pela UNESP e doutora pela UFV, além disso, recentemente finalizou seu pós-doutorado pela UFLA.
A Professora iniciou a Live destacando a importância do ovo como alimento na nutrição humana, e que independente das estratégias nutricionais para sua fortificação ele já é um elemento riquíssimo, que inclusive só perde para o leite materno em termos de aminoácidos essenciais, por exemplo.
A seguir, algumas das perguntas e respostas feitas durante a Live – Fortificação Nutricional de Ovos
O que é a fortificação/enriquecimento nutricional dos ovos?
Têm-se os dois termos, enriquecimento e fortificação, o mais apropriado seria fortificação pois o ovo já é um alimento naturalmente rico em nutrientes. Então a fortificação seria mais fortalecer, incrementar.
A fortificação é o emprego de estratégias nutricionais adotadas para incrementar os ovos. É possível alterar/manipular a dieta das aves poedeiras, codornas e galinhas, e fazer com que essa alteração nutricional leve ao incremento dos ovos. Então a fortificação é basicamente fazer com que essa alteração nutricional de baixo custo leve a modificação do conteúdo nutricional do ovo.

O que pode ser incrementado no ovo?
Existem diversos nutrientes que podem ser utilizados. Porém, fala-se muito do ômega 3 pois a composição dos lipídios da gema é facilmente manipulada com a alimentação das aves, vários autores falam que os ovos são o modelo perfeito de transferência de nutrientes. Entretanto, essa transferência não é igual para todos os nutrientes. Para o ômega 3 é relativamente “fácil” incrementar a dieta da ave com ingredientes que elevem os seus níveis no ovo.
Além do ômega 3, podem ser incrementados vitaminas, especialmente a vitamina E, selênio e outros minerais, como zinco e manganês. O selênio e a vitamina E são os mais usados, além do ômega 3. Também é possível fazer a associação desses nutrientes, por exemplo, ômega 3 + vitamina E, ômega 3 + selênio.

Qual o período necessário para fazer a alteração na nutrição das aves para que os ovos sejam fortificados?
Depende do nutriente, a primeira coisa para entender é a questão da hierarquia folicular. No ovário da ave tem vários óvulos de diferentes tamanhos e existe uma hierarquia folicular em que os óvulos vão se desenvolver ao longo do tempo, sendo que, o tempo de desenvolvimento dos folículos é de 5 a 7 dias, aproximadamente. Porém para ocorrer a estabilização dos nutrientes adicionados na ração, de acordo com os trabalhos conduzidos, são em média 21 dias. Então, em média em 21 dias ocorre um ciclo completo de maturação dos folículos e incorporação dos nutrientes da gema.

O produtor pode incluir o elemento de fortificação na ração pré-postura. Inclusive o ômega 3 incluído pode também ser benéfico para a própria ave, melhorando a qualidade óssea, que é muito importante na fase pré-postura e no decorrer da vida das poedeiras. Outra questão relacionada ao ômega 3 é a imunidade, o ômega 3 é um nutriente importante associado ao incremento imunológico das aves.
Mas os produtores devem se atentar para não haver um excesso de calorias, especialmente dependendo da fonte de ômega 3 utilizada, pois o excesso pode propiciar a ave ganhar peso em um momento que isso não pode ocorrer. Para garantir um período de postura eficiente a ave não pode estar acima do peso. Geralmente, na ração pré-postura o ômega 3 é incluído em uma quantidade menor do que seria incluído durante o período de postura.
Na inclusão do ômega 3 na fase pré-postura, as aves já iniciariam a postura botando ovos fortificados.

Quais seriam as fontes de ômega 3 que podem ser inseridos na ração?
Existem alguns produtos comerciais que já são comercializados prontos para inclusão na ração. Algumas das fontes para fortificação de ovos com ômega 3 podem ser óleo de soja, óleo de canola, óleo de linhaça, óleo de peixe e algas.
Alguns pontos merecem atenção, a inclusão do óleo de peixe deve ser feita com cuidado, observando-se a fonte e qualidade do óleo a ser adicionado pois pode ocorrer do ovo ficar com cheiro residual de peixe, o que sensorialmente não é interessante para o consumidor. A inclusão de algas, que fez parte do meu trabalho de pós-doutorado tem a vantagem de ser em pó, o que facilita a mistura e inclusão na dieta.

Para aves criadas em sistemas naturais, como seria a fortificação dos ovos?
Na alimentação natural pode-se fortificar os ovos, especialmente vitamina D e A, com o fornecimento de feno de cenoura, a parte folhosa da cenoura que é uma fonte interessante de pigmentação e de vitamina A também. Então tem como fortificar os ovos naturalmente.
Porém, não tem na literatura a descrição da porcentagem desses ingredientes que devem ser inseridos na dieta para se atingir os níveis desejados de fortificação.

A qualidade da casca é afetada pela fortificação do ovo?
Depende da fonte, existem algumas algas, chamadas de algas calcárias, que vão alterar a qualidade da casca. Já em relação ao ômega 3 ou de vitamina A, o que se tem de informação hoje é não há uma alteração de qualidade na casca, apenas alteração de qualidade interna. Especialmente falando de ômega 3 se tem alteração/modulação no conteúdo de lipídios da gema.

A durabilidade e estocagem é afetada pela fortificação dos ovos?
É importante chamar atenção que quando se inclui ômega 3 na ração o ovo terá maior conteúdo de ômega 3, e a conservação dele deverá ser necessariamente sob refrigeração. No meu trabalho de doutorado trabalhamos com ovos armazenados refrigerados e em temperatura ambiente para ovos de codorna que foram alimentadas com óleo de canola, soja, linhaça e peixe, e observamos que a estocagem desses ovos necessariamente tem que ser sob refrigeração.
Na verdade, o ovo mesmo não sendo fortificado já deve ser armazenado refrigerado para se minimizar a perda de qualidade que ocorre naturalmente a partir do momento que as aves botam os ovos.
É importante destacar que o ovo fortificado com ômega 3 fica mais vulnerável, susceptível a oxidação. Ou seja, a não ter a quantidade de ômega 3 disponível no ovo se a estocagem não for realizada de forma adequada e exposto a condições adversas. Então o ideal é a estocagem dentro da geladeira. No experimento realizado no doutorado, foi observado que os ovos fortificados com ômega 3 e estocados em refrigeração até 30 dias ainda apresentavam as quantidades mínimas para serem considerados fortificados. Também no trabalho de doutorado foi observado que o ômega 3 ainda estava presente nos ovos mesmo após o cozimento.
Inclusive a Anvisa tem uma regulamentação para as quantidades de nutrientes que devem estar presentes nos ovos e eles serem considerados e comercializados como fortificados.

Qual seria a recomendação de consumo e as quantidades de ômega 3 que devem estar presentes nos ovos fortificados?
A recomendação de consumo para adultos e não lactantes é de 250mg de ômega 3.
A Anvisa de acordo com a RDC recomenda que o ovo contenha 40mg de ácido eicosapentaenóico (EPA), e o ácido docosaexaenóico (DHA) por porção (a porção do ovo de codorna corresponde a cinco unidades e a do ovo de galinha uma unidade). Então, na hora de fazer a análise do conteúdo, o ovo precisa de possuir no mínimo 40mg.
No experimento realizado, quando usou o óleo de peixe na dieta das codornas os valores encontrados nos ovos foram de 35-36mg de ômega 3. Quando utilizamos o óleo de linhaça, foi possível fortificar os ovos com 5x a quantidade do conteúdo de ômega 3. Com o óleo de linhaça foi possível chegar a ~300mg de ômega 3 no ovo cozido por porção. Inclusive atingindo a recomendação de consumo preconizada pela Anvisa.
Ao utilizarmos o óleo de peixe, a ave fez o uso de parte do ômega 3 e não conseguiu depositá-lo de forma satisfatória no ovo. É importante se atentar para a fonte de óleo de peixe a ser utilizada, pois, nem sempre se consegue uma fonte de óleo de peixe com perfil de ácidos graxos interessante.
Dentre todos os fortificantes testados, óleo de soja, canola, peixe e linhaça, o melhor desempenho foi observado no uso do óleo de linhaça. Isso ocorre pelo fato de a linhaça ter 54% do ácido graxo constituído por ácido graxo linolênico que é de cadeia menor e tem melhor deposição nos ovos.
As melhores fontes atuais são o óleo/semente de linhaça e também as algas, que tem a questão da facilidade de homogeneidade de mistura na ração e tem mostrado uma boa opção para a fortificação dos ovos.

Ao longo da vida das poedeiras ocorrem algumas alterações nos ovos produzidos, em relação a fortificação, as quantidades inseridas dos nutrientes também devem ser modificadas de acordo com a idade das aves?
Sim, possivelmente ajustes são necessários de acordo com a idade das aves. Mas deve-se ter cuidado com o nível calórico oferecido as aves, especialmente quando elas estão mais velhas. Então tem que ficar atento para não exceder o nível de calorias da ração e as aves ganharem muito peso.
Mas não é uma relação direta, não é pelo fato de a ave mais velha ter um aumento no tamanho dos que se deve aumentar proporcionalmente a inclusão das fontes de ômega 3, por exemplo, se o ovo aumentar 0,5% deve-se aumentar o fornecimento de 0,5%, não é assim, a relação não é direta.
Existe também um limite máximo de inclusão na ração e que as aves são capazes de absorver e depositar nos ovos.
O ajuste no incremento para fortificação do ovo ao longo da vida das aves também deve ser de acordo com o nível de consumo de ração.

Fazendo um paralelismo, seria semelhante ao consumo de cálcio, não adianta colocar uma quantidade muito grande de cálcio na ração se a ave tem um limite de sua deposição na casca?
Exatamente.
E em relação ao fornecimento de cálcio para melhorar a qualidade da casca, o mais interessante inclusive seria alterar a granulometria do calcário fornecido. Aumentando-se a granulometria de calcário e mantendo a mesma quantidade pode ser possível melhorar a qualidade da casca dos ovos.

O que define a inclusão do óleo de linhaça? Nível mínimo, aumento do nível de energia ou nível de ácido linoleico?
Na verdade, tem um nível mínimo para o incremento, ou seja, se você quer fortificar com o ômega 3 tem o nível mínimo para codornas de 2% e para galinhas 5%. Então tem que ajustar o nível mínimo para a inclusão da fonte de enriquecimento em associação ao nível máximo de energia, considerando a contribuição do nível de energia dos demais ingredientes.
O nível de ácido linolênico, que tem em maior quantidade no óleo de linhaça, já é suficiente. O óleo de linhaça possui 54% de ácido linolênico. Então ao incluir 2% de óleo de linhaça você já contribui nutricionalmente em termos de calorias e contribui para a fortificação.
Em relação a diferença entre em linoleico e linolênico, o linoleico é da série ômega 6, e não se fortifica ovos com ele, pois é um ácido graxo pró-inflamatório. E na alimentação já se consome ômega 6 suficiente, e as vezes até mais do que necessário. Inclusive o milho e a soja são fontes de ácido linoleico. A fortificação dos ovos com o ácido linolênico vem para fazer o equilíbrio entre ômega 3 e ômega 6.
Então, o que define a inclusão é, para fortificar os ovos utiliza-se no mínimo os 2% ou 5% (dependendo se é codorna ou galinha) e aí observa-se o nível de energia.
Em termos de contribuição calórica, o óleo de soja e o óleo de linhaça normalmente fornecem em torno de 8700 calorias, eles são bem semelhantes. Desta forma, o óleo de linhaça pode ser um substituto do óleo de soja. Em experimento realizado, a substituição completa do óleo de soja por óleo de linhaça foi mais eficiente para a fortificação dos ovos, em comparação ao uso de parte de óleo de soja e parte de óleo de linhaça.

Como saber se o nível de fortificação foi atingido?
Tem que fazer análise do ovo. As empresas que comercializam os produtos já têm descrito no rótulo a quantidade de fortificação nos ovos.
No caso da pesquisa para saber qual era o nível de ômega 3 presente no ovo foram feitas análises laboratoriais de perfil de ácidos graxos. Um exemplo de analise que pode ser realizada é a cromatografia, que possibilita não apenas saber quanto de ácido graxo está presente, mas também o perfil desse ácido graxo, quais são as gorduras presentes em um determinado produto, como ovo, óleo ou até mesmo alga.
Infelizmente, as análises são de alto custo.

Qual a diferença entre ácido linoleico e ácido linolênico?
Os dois são ácidos graxos, que constituem a menor porção do lipídio.
O ácido graxo linoleico é o precursor dos ácidos graxos de cadeia longa da série ômega 6. O ômega 6 tem funções no nosso organismo e no organismo das aves que são pró-inflamatórios, quando a ave está em condições de estresse ela vai inflamar e ficar mais susceptível a adoecer.
No caso do linolênico ele dá origem aos ácidos graxos de cadeia longa da série 3, que são anti-inflamatórios, ele induz a produção de algumas substâncias na tentativa de combater a inflamação. Por isso, é tão interessante a suplementação com o ômega 3, especialmente na atualidade, em que somos diariamente estressados. Então a ideia da adição do ômega 3 na nossa alimentação é favorecer a disponibilidade de fatores anti-inflamatórios para o nosso organismo.

Uma ambiência inadequada das granjas pode afetar uma boa fortificação dos ovos?
Sim, na verdade o que a ambiência irá afetar é o consumo de alimento, a qualidade da produção e o desempenho zootécnico da ave, como consequência, não será obtida a fortificação esperada. Então a falta de um ambiente adequado, com temperatura inadequada impactará de forma indireta na fortificação dos ovos

Os ovos fortificados são mais caros de se produzir?
A questão do valor é importante e esse assunto sempre precisa de ser discutido. De fato, para os ovos fortificados, têm-se um incremento no custo da alimentação, porém, isso será repassado para o valor agregado do ovo. Não dá pra dizer que o ovo que é produzido com alimentação tradicional, básica, terá os mesmos custos de um ovo que recebe um incremento nutricional.
Quando realizei a pesquisa com fortificação nutricional de ovos usando óleo de soja, canola, linhaça e peixe, houve um incremento no custo de R$0,15/ovo de codorna para se produzir ovos fortificados com ômega 3. Esses custos devem ser contabilizados e levados em consideração no momento da comercialização, assim, os ovos devem possuir um valor agregador maior, do contrário não justifica incluir a fortificação.
É interessante que se tenha até uma estratégia de comercialização diferenciada, o que muitas granjas já fazem. Inclusive os produtores de ovos orgânicos, caipiras, fortificados dão até uma roupagem diferenciada na apresentação do produto.
No momento atual, em que o ovo deixou de ser um vilão e que houve um aumento do consumo por conta da pandemia, é um momento interessante para os produtos fortificados entrarem no mercado, e até usar isso como marketing e criarem uma marca diferenciada.
Outro aspecto importante é observar qual é o perfil do consumidor que será atingido, o que esse consumidor espera? Ele deseja um ovo fortificado com ômega 3, selênio ou vitamina E, por exemplo.

Os níveis de nutrientes para fortificação nutricional mudam de linhagem para linhagem?
Os níveis normalmente não mudam, a variação está na espécie, por exemplo de galinhas para codornas. Em relação a capacidade de conversão de ômega 3 para o ovo, ela é bem semelhante entre as espécies citadas. O nível de inclusão será diferente pela diferença na quantidade de ração que é consumida por cada espécie de ave.

A fortificação nutricional de ovos pode melhorar a condição das aves também?
Sim, a fortificação nutricional pode sim melhorar a condição das aves. Inclusive tem trabalhos demonstrando que o ômega 3 melhora a qualidade óssea de poedeiras e imunidade das aves. Então do ponto de vista de saúde e bem-estar a fortificação também é interessante para as aves.

Se usarmos o óleo de peixe, as criações vão violar as leis de bem-estar animal?
Quando se pensa em ovos caipiras, se tem as normas próprias para criação dessas aves. As normas da ABNT de 2016 (Norma Técnica ABNT NBR 16437:2016), que regulamenta a criação de aves caipiras, determina que não se pode usar ingredientes de origem animal.
Sendo assim, para a fortificação de ovos com ômega 3 para galinhas caipiras deve-se usar fontes vegetais, o óleo de peixe, nesse caso, está excluído; então usa-se óleo de canola, linhaça e soja, por exemplo. É interessante para galinhas caipiras o uso de semente de linhaça pois é um ingrediente mais fácil de se adquirir, até 20% de semente de linhaça pode ser incluída na alimentação das aves.
Vale pontuar, que recentemente, a Embrapa lançou um manual de boas-praticas para aves criadas fora de gaiolas.
Essa restrição também vale para os ovos orgânicos, porém, para aves orgânicas deve-se atentar que 80% da alimentação das aves deve ser de origem orgânica certificada.


Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 54/2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
Tese de doutorado da Profa. Michele Mendonça
Embrapa: Manual de boas práticas para o bem-estar de galinhas poedeiras criadas livres de gaiola  

Por: Márcia Cândido

Editora do Grupo AgriNews

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