Impactos ambientais associados à utilização de fitase na alimentação de aves e suínos
Introdução
A produção de aves e suínos passou por importantes transformações ao longo das últimas décadas, com o aumento da escala, da especialização e do nível tecnológico.
No entanto, a crescente preocupação com a sustentabilidade de tais cadeias produtivas tem impulsionado o desenvolvimento de diferentes estratégias de mitigação de impacto ambiental (ANDRETTA et al., 2021).
Do ponto de vista da nutrição animal, um dos principais desafios enfrentados é o manejo eficiente do fósforo em animais não ruminantes, nutriente essencial para o crescimento, metabolismo energético e desenvolvimento ósseo de aves e suínos (LAUTROU et al., 2021; MACARI, LIZANA, SAKOMURA, 2024).
Uma proporção considerável do fósforo presente nos ingredientes vegetais está na forma de ácido fítico, que não é biodisponível a animais não ruminantes. Como consequência, uma quantidade considerável de fósforo é excretada nos dejetos (DERSJANT-LI et al., 2015).
A excreção excessiva de fósforo pode causar sérios danos ao meio ambiente, especialmente devido à eutrofização de corpos d’água, além de representar uma forma importante de desperdício de recursos (SCHOLZ et al., 2013).
Além disso, a produção de fosfatos inorgânicos, comumente utilizados na alimentação de aves e suínos, depende de recursos naturais finitos, como o fosfato de rocha.
• Essa extração intensiva tem impactos significativos no meio ambiente, incluindo a degradação de ecossistemas naturais e a emissão de gases de efeito estufa (HUMER, SCHWARZ, SCHEDLE, 2015; DANESHGAR et al., 2018).
A inclusão de fitase na alimentação de aves e suínos permite uma redução significativa na suplementação de fosfatos inorgânicos, sem comprometer o desempenho zootécnico dos animais (LAUTROU et al., 2021).
A fitase, enzima que catalisa a quebra do ácido fítico, melhora a biodisponibilidade do fósforo e otimiza a digestão de outros nutrientes, como cálcio e zinco. Essa capacidade a destaca como uma estratégia alimentar sustentável, reduzindo a excreção de fósforo nos dejetos e a dependência de fósforo inorgânico (DERSJANT-LI et al., 2015).
Fitase e seus impactos ambientais
A produção de aves e suínos está associada a diversos impactos ambientais: a nível global (mudanças climáticas, utilização de energia não renovável) ou a nível local (eutrofização da água, acidificação do solo, entre outros).
A análise de ciclo de vida (ACV) é considerada o método de referência para avaliar os impactos ambientais de produtos agropecuários. Sua adoção representa uma mudança importante na análise dos impactos ambientais, pois permite examinar um determinado sistema e os impactos ambientais associados a cada etapa de seu ciclo de vida (GUINÉE, 2002; HOSPIDO et al., 2010).
A maioria dos trabalhos científicos que abordam a utilização de fitase na alimentação de aves e suínos concentra-se no seu efeito sobre a digestibilidade dos nutrientes, no impacto no desempenho animal e na substituição de fosfatos inorgânicos (DERSJANT-LI et al., 2015; ZHAI, ADEOLA, LIU, 2022).
Muitas vezes, o impacto ambiental associado à utilização de fitase é tangenciado à redução na excreção de fósforo exclusivamente.
• Poucos trabalhos avaliam os impactos ambientais da suplementação da fitase sob uma perspectiva de ACV.
Para avaliar o impacto da utilização da fitase sob uma perspectiva de ACV, uma revisão sistemática da literatura foi realizada seguindo os seguintes critérios de seleção:
Apenas 4 artigos atenderam a tais critérios, sendo 3 deles com suínos (NIELSEN, WENZEL, 2007; SHURSON et al., 2022; ARAUJO et al., 2023) e um deles tanto com aves como suínos (KEBREAB et al., 2016) (Tabela 1).
Apesar das semelhanças gerais em termos de temática e abordagem, os quatro artigos apresentam diferenças importantes relacionadas a seus objetivos específicos, metodologias e resultados.
Tabela 1. Artigos científicos que avaliaram os impactos ambientais da suplementação de fitase na produção de aves e suínos através da metodologia de análise de ciclo de vida.
Enquanto alguns trabalhos têm um enfoque mais amplo e global, outros são mais específicos, explorando cenários regionais ou experimentais. Essas distinções enriquecem a compreensão dos impactos ambientais e das possibilidades de aplicação da fitase em diferentes sistemas produtivos. Aqui estão as principais distinções:
NIELSEN & WENZEL (2007) foram os únicos a focarem exclusivamente no impacto ambiental da substituição de fosfatos inorgânicos pela fitase. Os autores realizaram uma comparação direta entre dois sistemas (com ou sem fitase), baseado exclusivamente no cenário dinamarquês de produção intensiva de suínos.
Entre os principais resultados, os autores destacam a substituição de fosfato inorgânico e a redução das emissões, com um pequeno aumento no uso de terra agrícola para a produção de fitase.
Por sua vez, KEBREAB et al. (2016) abordaram o impacto ambiental de diferentes ingredientes na ração (controle, dietas com aminoácidos industriais e dietas com aminoácidos industriais e fitase), com dados integrados de diferentes regiões geográficas (Europa, América do Norte e América do Sul).
Os autores puderam observar reduções expressivas nos impactos de eutrofização e acidificação, especialmente na América do Sul, com benefícios dependendo da substituição de ingredientes de alto impacto, como o farelo de soja.
Em contrapartida, SHURSON et al. (2022) avaliaram diferentes estratégias alimentares para suínos, incluindo fitase, DDGS e dietas com baixo teor de proteína bruta. Os autores incorporaram a variabilidade geográfica para avaliar o impacto ambiental em diferentes regiões dos Estados Unidos.
A fitase foi a estratégia alimentar mais eficaz para reduzir a excreção de fósforo, enquanto a utilização de DDGS apresentou as menores emissões de gases de efeito estufa, com variações regionais importantes nos impactos do uso da água e da terra.
Mais recentemente, ARAUJO et al. (2023) realizaram um estudo experimental no Brasil, focado em dietas com níveis reduzidos de fósforo disponível e diferentes doses de fitase. Dados esses utilizados para uma ACV detalhada para a fase pós-desmame.
Os resultados do trabalho indicam a manutenção do desempenho animal com níveis reduzidos de fósforo, com impactos ambientais globais similares entre as dietas.
• Por outro lado, os quatro artigos compartilham diversas semelhanças, especialmente no contexto da aplicação da fitase como ferramenta para a redução de impactos ambientais na produção animal.
Esses trabalhos convergem ao demonstrar que a suplementação de fitase é uma prática viável para reduzir impactos ambientais, especialmente a excreção de fósforo, mantendo o desempenho zootécnico e promovendo uma produção animal mais sustentável.
Aqui estão os principais pontos em comum:
Redução de impactos ambientais
1- Eutrofização de corpos d’água
A excreção excessiva de fósforo é um dos principais fatores que levam à eutrofização, um processo caracterizado pelo crescimento descontrolado de algas em corpos d’água, que compromete a biodiversidade aquática e a qualidade da água.
A utilização de fitase em dietas reduz a quantidade de fósforo não digerido nos dejetos, mitigando o risco de contaminação ambiental. Ao melhorar a digestibilidade de outros nutrientes, também reduz a necessidade de suplementação dietética e os custos associados.
2- Menor dependência de fosfatos inorgânicos
A inclusão de fitase reduz significativamente a dependência de fosfatos inorgânicos, recursos finitos cuja extração impacta o meio ambiente. Essa substituição preserva recursos naturais e diminui a pegada ecológica da produção de aves e suínos.
3- Mitigação de gases de efeito estufa
A produção e o transporte de fosfatos inorgânicos estão associados à emissão de gases de efeito estufa. Além disso, a decomposição de dejetos ricos em fósforo pode liberar metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O).
• Portanto, a utilização de fitase está associada à promoção de uma agricultura mais resiliente e sustentável no longo prazo.
No entanto, para maximizar tais benefícios, é essencial considerar alguns fatores práticos na hora de utilizar a fitase:
Neste contexto, a avaliação regular do desempenho animal e a análise de nutrientes nos dejetos permitem ajustes constantes nas dietas, otimizando a utilização da fitase e reduzindo perdas.
Apesar dos benefícios comprovados, questões permanecem em aberto, como as interações da fitase com outros nutrientes (cálcio, zinco, aminoácidos, etc.) e os efeitos de longo prazo em diferentes sistemas de produção.
Essas investigações são essenciais para o desenvolvimento de dietas mais eficientes e sustentáveis.
Da mesma forma, o desenvolvimento de fitases é algo constante. Fitases mais estáveis e eficazes para diferentes condições digestivas e de processamento continuam sendo uma prioridade.
Conclusão
A utilização de fitase na alimentação de aves e suínos representa uma estratégia alimentar importante na busca por uma produção animal mais sustentável.
Ao melhorar a eficiência da utilização do fósforo e reduzir sua excreção no ambiente, a fitase não apenas minimiza os impactos ambientais, mas também contribui para a conservação de recursos naturais.
Portanto, a fitase consolida-se como uma ferramenta indispensável para uma produção de aves e suínos mais sustentável.
Referências bibliográficas sob consulta junto aos autores.