Impactos do clima na piscicultura
Tal como a agricultura brasileira, a maior parte da pecuária nacional também é conduzida a céu aberto. Essas atividades ficam sujeitas às condições climáticas e, embora muitas vezes se assuma o clima tropical/subtropical como altamente favorável, ele é o principal responsável por perdas no processo de produção, trazendo grande risco a essas atividades.
Em algumas explorações pecuárias nem sempre visualizamos de imediato como essa atividade poderia ser vulnerável ao clima. É o caso da piscicultura.
As chuvas, por exemplo, podem influenciar diretamente no nível de tanques e reservatórios, de modo a alterar a concentração de partículas e nutrientes e afetar significativamente os parâmetros de qualidade da água. Chuvas escassas podem prejudicar o abastecimento dos tanques, ao passo que chuvas muito intensas podem causar danos pelo rompimento de diques ou extravasamento do corpo hídrico.
A temperatura também pode atuar sobre os parâmetros de qualidade da água, principalmente no que se refere ao oxigênio dissolvido, que se reduz sob altas temperaturas e pode levar à mortandade de peixes.
Todavia, o maior efeito da temperatura se dá sobre o metabolismo dos peixes, já que a temperatura corporal desses organismos é diretamente dependente da temperatura do meio.
Temperaturas fora da zona de conforto são extremamente prejudiciais. A exposição prolongada dos peixes às temperaturas baixas os torna mais susceptíveis aos parasitas e doenças e podem até causar morte súbita, especialmente quando consideradas espécies de clima quente.
A amplitude térmica é um ponto de especial preocupação, uma vez que os peixes são pouco tolerantes às variações abruptas, podendo se estressar facilmente e ficar mais vulneráveis e desenvolver problemas sanitários. Os animais, em geral, têm um nível considerável de tolerância às mudanças ambientais. Entretanto, há complicações quando essas mudanças tendem a ser abruptas e inesperadas.
Com a chegada do outono ocorrem mudanças significativas nas condições ambientais. Contudo, o agravante é o comportamento irregular do clima registrado nos últimos anos.
Ações de manejo e mitigação
A previsão para o ano em curso é de perpetuação do fenômeno La Niña até o início da primavera (setembro/outubro). Embora as previsões possam mudar no transcorrer dos meses, devemos mencionar que as previsões climáticas (longo prazo) têm tido um elevado nível de acerto. O mesmo já não ocorre com as previsões do tempo (curto prazo) que têm sido bastante afetadas pela condição de La Niña.
Assim, os cuidados com a produção, que já deveriam ser tomados com a chegada do outono (20 de março), deverão ser redobrados, especialmente pela indicação de um período com frio mais intenso. Ainda teremos períodos relativamente amenos, mas intercalados com ondas de frio. As baixas temperaturas chegarão mais cedo e serão mais intensas e duradouras. A expectativa é de que esses eventos passem a ocorrer já no final de abril e início de maio e perdurem pelos meses seguintes, abrindo possibilidade de geadas tardias, lá pelos meses de agosto e setembro.
Embora já existam iniciativas para o cultivo protegido de peixes, a realidade brasileira ainda é a criação em ambiente externo (outdoor). Portanto, uma estratégia para reduzir as perdas na piscicultura seria garantir a chegada dos peixes ao período mais crítico de temperatura em boa condição sanitária e adotar densidades populacionais menores. O monitoramento e controle da qualidade da água é um ponto chave nessa estratégia.
Sabe-se que por uma questão religiosa há um grande consumo de peixes na época de Páscoa. Então, pode-se considerar a possibilidade de um abate intensificado nesse período para reduzir a população dos tanques, mesmo que os peixes estejam em tamanho inferior ao desejado.
Reduzindo o número de animais, também se diminui a demanda por água, que é mais escassa nesse período. A despeito da menor oferta, é fundamental manter a renovação e controle dos parâmetros físico-químicos da água. Contudo, deve-se atentar para essa operação não reduzir ainda mais a temperatura da água nos períodos frios.
- Caso o pH estiver abaixo de 6,5, a alcalinidade e a dureza abaixo de 20 mg/L fazer uma calagem (seguindo acompanhamento e recomendações de um técnico), preferencialmente com calcário agrícola, para favorecer o efeito tampão, ou seja, os peixes não suportam grandes oscilações diárias de pH. Assim, bons níveis de alcalinidade e dureza ajudam nesse processo. Mas é preciso ter cautela, pois o aumento de pH está relacionado com a toxicidade da amônia. Além do efeito tampão, os bons níveis permitem tratamentos da água do viveiro, para controlar patógenos, caso necessário.
- Cuidados com a alimentação: fornecimento de ração completa e balanceada, com cuidados redobrados para não haver sobras. Se possível, fazer uso de rações com aditivos que aumentem a imunidade, tais como probióticos, suplementação em vitamina C, entre outros.
- Aumento do volume de água do tanque para evitar as variações bruscas na qualidade de água, principalmente, a temperatura. Assim, em caso da construção de novos viveiros e na reforma dos atuais, é recomendado considerar a possibilidade de priorizar tanques mais profundos (2 m a 2,5 m) para permitir um volume de água que mantenha os peixes mais confortáveis;
- Uso de aeradores para manter os níveis de oxigênio dissolvido e auxiliar na desestratificação da água. Em períodos muito quentes pode haver a separação em camadas térmicas da água e a proliferação de fitoplâncton. Já no inverno, deve ser verificada a pertinência do uso dos aeradores à noite, já que favorece a diminuição da temperatura da água. Assim, a decisão deve ser tomada para não ter efeitos indesejáveis.
Uma vez instaladas as doenças no lote como um todo, os tratamentos são complexos e sem garantia de eficiência total, além de algumas vezes serem caros e com dependência de medicamentos importados. Assim, dependendo do nível, os danos podem ser irreversíveis.
Tarcila Silva, Éder Comunello, Luis Inoue, Laurindo Rodrigues, Carlos Ricardo Fietz (Pesquisadores)
Embrapa Agropecuária Oeste