Insetos na alimentação pet: benefícios nutricionais e ambientais
Introdução |
As fontes proteicas convencionais utilizadas nas formulações de dietas apresentam elevado custo, tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico, e podem se tornar escassas em virtude do aumento expressivo da população, visto que grande parte das fontes de proteínas utilizadas em alimentos comerciais para cães e gatos se assemelham àquelas consumidas por humanos (Swanson et al., 2013).
Sendo assim, em resposta à preocupação global em relação aos recursos ambientais limitados, associado ao aumento da consciência dos tutores em relação às questões de sustentabilidade, há maior demanda por pesquisa e desenvolvimento de ingredientes seguros, sustentáveis, naturais ou orgânicos.
Neste sentido, cada vez mais atenção está sendo direcionada aos insetos como uma fonte alimentar alternativa e sustentável. Os insetos são considerados excelente fonte de proteína, tendo um perfil adequado de aminoácidos, que pode variar conforme a espécie, estágio de desenvolvimento e dieta que recebem. Além disso, podem substituir parcialmente as fontes convencionais de proteína que já fazem parte da matriz de alimentação, necessitam de poucos recursos ambientais para se produzir ao mesmo tempo que fornecem significativa bio-conversão de resíduos orgânicos (FAO, 2013).
Apesar das suas qualidades nutricionais, a desinformação sobre o uso de insetos como ingredientes alternativos na alimentação de cães e gatos leva à uma percepção errada desta matéria-prima pelos tutores, principalmente quanto a segurança alimentar.
Com o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico, esta revisão visa fornecer informações sobre o estado atual dos benefícios nutricionais e ambientais do uso de insetos como ingrediente na formulação de dietas para cães e gatos.
Proteína de alto valor biológico |
Com o alto valor agregado e a disponibilidade limitada no futuro de fontes proteicas, a utilização de insetos é considerada uma alternativa. Além disso, o emprego desse ingrediente se torna uma tendência, muito relacionada com a ideia de consumo sustentável de um mercado que reflete um comportamento que vem crescendo entre os tutores.
As farinhas de insetos apresentam considerável teor de proteína (de 37 a 63% na matéria seca) e lipídeos (4 a 39% na matéria seca). Como referência, a farinha de vísceras de aves pode atingir uma variação de 55% a 65% de PB, enquanto o farelo de soja de 40 a 50% de PB.
Isso demonstra que os insetos podem suprir as necessidades proteicas de cães e gatos, assim como outras fontes proteicas convencionais (Bosch et al., 2014; Makkar et al., 2014; McCusker et al., 2014), como ilustrado na Figura 1.
Em adição, as fontes de insetos estudas recentemente apresentam alto valor biológico, com perfil de aminoácidos essenciais similar ao da farinha de vísceras de aves, atendendo as necessidades de cães e gatos (Figura 2).
Ainda, é possível que o uso em conjunto de duas ou mais fontes proteicas na formulação contribuam com maior equilíbrio dos aminoácidos da dieta, uma vez que seus perfis aminoacídicos conseguem ser complementares.
Vale ressaltar que para a aplicação dos insetos em alimentos para animais de companhia como fonte proteica é importante monitorar e controlar a alteração na composição de aminoácidos e sua digestibilidade.
Considerando que a digestibilidade da PB dos diferentes insetos avaliados em alimentos para cães e gatos se encontra entre 87 a 93,3%, é sugerido que as farinhas de insetos apresentam biodisponibilidade das proteínas semelhante ou até mesmo superior que fontes convencionais, levando em consideração uma digestibilidade de farinha de vísceras de aves e farelo de soja de 87,9 e 80,3% respectivamente (Carciofi, 2008; Bosch et al., 2014, 2016).
Não há dúvidas de que a qualidade dos ingredientes e a inclusão de fontes de proteína de origem animal em alimentos para animais de companhia são fatores muito importantes que os tutores consideram na escolha do produto. No entanto, cães e gatos, assim como seres humanos, precisam de nutrientes e não de ingredientes. Suas necessidades de nutrientes podem ser atendidas por meio de uma variedade, ou geralmente uma combinação, de fontes de proteína de origem animal ou vegetal e por que não de insetos?
Fonte de lipídios e minerais |
Os insetos, dependendo do tipo, fornecem gorduras (Figura 1) importantes, como ácidos graxos monoinsaturados e polinsaturados, que podem atuar no fortalecimento do sistema imunológico, como também ácidos graxos que geram energia ao organismo.[registrados]
Como exemplo, a gordura da larva da mosca do soldado negra (Black soldier fly) é rica em ácido láurico, considerado um ácido graxo saturado encontrado em várias gorduras e óleos vegetais e animais, incluindo óleo de coco e óleo de palmiste, e acredita-se que tenha propriedades antimicrobianas.
Em adição, as fontes de insetos também possuem alta proporção de micronutrientes valiosos, como zinco e ferro. Portanto, eles complementam naturalmente o alimento dos animais de companhia com muitos nutrientes importantes.
Os insetos podem ter baixo teor de cálcio por não possuírem ossos em sua estrutura. Ao mesmo tempo, muitas fontes tradicionais de proteína, como aves e farinhas de carne, contêm mais cálcio do que os cães e gatos precisam. Uma solução poderia ser misturar farinha de inseto com baixo teor de cálcio com outras fontes de proteína contendo alto teor de cálcio para otimizar os níveis na dieta.
Benefícios das fontes de insetos para saúde dos cães e gatos |
No entanto, em cães foi observado uma adaptação potencial da microbiota intestinal em sua capacidade de fermentação da quitina, atuando similar ao efeito de fibras vegetais (Bosch et al., 2016). Em função disso, estudos mais longos se fazem necessários para explorar o impacto de produtos à base de insetos na saúde de cães e gatos.
Os alimentos com proteína de insetos são sugeridos para animais que apresentam reações adversas ao alimento, seja dermatológico e/ou gastrointestinal, visto que são fontes de
proteína que não são familiares ao sistema imunológico dos animais. No entanto, não há informações totalmente elucidadas sobre esse possível potencial dos insetos em alimentos
Em relação a palatabilidade, cães e gatos podem ter um paladar diferente quando se trata de insetos, tanto quanto as espécies utilizadas e o nível de inclusão.
- Os cães, por exemplo, não alteraram seu consumo quando insetos foram inclusos como ingredientes.
- Já os gatos, por apresentarem um apetite mais exigente, há relatos de maior variação na preferência alimentar (Paβlack e Zentek, 2018).
Benefícios ambientais |
Quanto à sustentabilidade ambiental, apresentam:
Comparado com os sistemas de produção animal convencionais.
Estudo realizado por Oonincx e De Boer (2012) observou que a emissão de equivalente de dióxido de carbono (CO2eq) e o uso de terra por 100 g de proteína de larva-da-farinha (Tenebrio molitor) pode chegar em até 14 vezes menos comparados à produção de frangos, suínos e bovinos, por exemplo, que são sistemas que requerem maior quantidade de insumos e recursos naturais.
Em adição, de modo geral os insetos são muito mais eficientes na conversão de alimentos ingeridos em peso corporal. Para ganhar 1 kg de peso, a larva da mosca-preta precisa comer 1,5 kg de alimento. Por outro lado, um bovino precisa de 7 kg de alimento para o mesmo ganho de peso. Além disso, os insetos utilizados na nutrição pet geralmente não transmitem doenças aos humanos e são muito resistentes às influências do ambiente. Por último, o processamento de insetos é relativamente simples. A maioria dos insetos e larvas são desidratados e triturados.
Em síntese, o uso sustentável de insetos preserva os recursos naturais, desempenhando papel fundamental na conservação da biodiversidade. Entretanto, a disseminação de informações e o emprego de novas tecnologias se fazem necessários, a fim de torná-los um alimento aceitável (FAO, 2013).
Entraves no uso dos insetos na alimentação de cães e gatos |
Apesar dos insetos serem uma parte natural da dieta dos ancestrais dos cães e gatos domesticados e esses animais terem contato com insetos fora ou em suas casas, existe uma baixa aceitação e uma visão adversa da maioria dos consumidores à adição de insetos na alimentação dos seus animais de companhia. Muitos tutores desconhecem os benefícios nutricionais e a possibilidade de aplicação de insetos na alimentação dessas espécies.
Essa opinião negativa, principalmente da população ocidental, é associada a fobia de insetos e preocupações quanto a segurança alimentar, levando em consideração a expressiva tendência à humanização do setor.
O quadro legislativo brasileiro especificamente relacionado com os insetos utilizados como alimento para consumo humano e animal ainda não está desenvolvido. Ao que tudo indica, tanto o processamento e armazenamento dos insetos deverão seguir os mesmos regulamentos de saúde e saneamento que para qualquer outro alimento tradicional ou alimentos para animais, a fim de garantir a segurança alimentar.
Por fim, outro entrave seria a disponibilidade desse ingrediente para as fábricas, levando em consideração o número de toneladas de alimentos destinados a cães e gatos que são produzidas anualmente pelos sistemas, o que pode aumentar o custo de produção e consequentemente dos produtos.
O uso de insetos é uma realidade? |
Considerações finais |
Os insetos demostram ter um potencial de uso, devido à sua composição nutricional e os benefícios ambientais gerados pela sua utilização. Apesar disso, há necessidade de maiores pesquisas na área, bem como divulgação dos resultados, para que a população possa entender melhor este produto e seus benefícios.
Insetos na alimentação pet: benefícios nutricionais e ambientais
Autoras: Camilla Mariane Menezes Souza1
Ananda Portella Félix2
1 Zootecnista, doutoranda em nutrição de animais de companhia, Universidade Federal do Paraná (UFPR)
2 Professora do Departamento de Zootecnia, Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Frangos de corte alimentados com larvas de mosca tem redução nos problemas locomotores
Referências
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