No Brasil, 49,8% da água captada de fontes hídricas é utilizada para a irrigação, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Entretanto, a frase “a irrigação consome 70% da água” foi amplamente divulgada há alguns anos e poderá voltar às manchetes. Mas esse número se refere a uma estimativa sobre o uso de água pela agricultura em escala mundial e, de forma equivocada, tem sido lembrado e utilizado.
A analogia com o olhar sobre o copo d’água “meio cheio” ou “meio vazio” pode ajudar a compreender o que representa a agricultura irrigada ou, simplesmente, a irrigação, num País onde o campo é fundamental para a atividade econômica, social e ambiental.
É fato que a agricultura é a maior usuária de água no mundo. Segundo as Contas Econômicas Ambientais da Água do Brasil (IBGE e ANA), em 2017, para cada R$ 1,00 de valor adicionado bruto gerado pelas atividades econômicas no Brasil foram utilizados 6,3 litros de água. Se somarmos agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, a relação atinge 96 litros para cada R$ 1,00.
O Atlas da Irrigação (ANA) mostra que temos 8,2 milhões de hectares irrigados; a participação da irrigação no valor da produção agrícola pode chegar a 100% em muitos municípios brasileiros e, em alguns deles, o valor total da produção agrícola é de centenas de milhões de reais. A produtividade de um cultivo irrigado supera em 2 a 3 vezes o cultivo sem irrigação. Há a possibilidade de aumento da área irrigada brasileira em 55,9 milhões de hectares e aí surge a questão, quanto deixaríamos de produzir sem irrigação, ou ainda, quanto deixaremos de produzir se não aumentarmos a área irrigada?
A disponibilidade de água em uma região pode variar ao longo dos anos, podendo atingir a escassez, a qual pode ser física (não há água disponível), econômica (há água disponível, mas não há infraestrutura para o seu uso) e institucional (existem água e infraestrutura, mas a água não pode ser utilizada). No entanto, a reservação de água feita com critérios pode minimizar a possibilidade de ocorrer a escassez física.
A FAO prevê um aumento de 47% na demanda mundial por alimentos até 2050. Assim, a irrigação no Brasil deve contribuir para aumentar a produção de alimentos, mas deve melhorar a sua eficácia (o que fazer) e sua eficiência (como fazer). E temos tecnologia para isso.
Em determinadas situações, pode-se aplicar água em quantidade menor que uma cultura agrícola necessita. É a irrigação com deficit, que ao ser utilizada com critérios técnicos pode ser uma estratégia interessante, em condições de restrição ou escassez de água.
Devem ser incentivados e aprimorados ainda o uso de águas residuárias e efluentes para suprir em algumas situações as necessidades hídricas das plantas, diminuindo a retirada de água de suas fontes, além da substituição da energia empregada na irrigação e proveniente de usinas hidroelétricas pela energia solar e energia eólica.
Porém, qualquer solução e tecnologia devem complementar o conhecimento agronômico, que é a base para o uso eficaz e eficiente da irrigação. Até o plantio de cultivares mais tolerantes à seca pode contribuir para reduzir o volume de água utilizado na produção agrícola.
A crise hídrica pode levar os agricultores a mudanças nas práticas de irrigação e, quando isso ocorrer, a sociedade precisa ser informada sobre tais atitudes. Dessa forma, a divulgação de informações em relação à agricultura irrigada poderá ser pautada a partir de dados e fatos e a percepção do copo d’água ocorrerá a partir de um olhar científico. Temos tecnologia e conhecimento para isso!
Fonte: Luís Henrique Bassoi | Pesquisador da Embrapa Instrumentação