La Niña pode causar seca intensa e prejudicar agro no Brasil no 2º semestre
O fenômeno La Niña está chegando ao Brasil nesta segunda quinzena de julho e deve provocar mudanças nos padrões de chuva, afetando as etapas da safra até dezembro. O frio e a estiagem tardios causados pelo evento climático podem provocar geadas no Sul, seca intensa no Centro-Oeste e atrasos pluviométricos importantes durante o plantio no Sudeste.
Segundo especialistas, as culturas mais atingidas devem ser as de soja e milho, que sofrem com a falta de água no plantio, e a de trigo, sujeita a geadas durante a florada. A demora das chuvas pode afetar ainda o cultivo de café, citrus e cana-de-açúcar.
O que é o La Niña
La Niña é um fenômeno climático caracterizado pelo resfriamento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, de acordo com o engenheiro agrônomo Lucas Ávila, professor no MBA de Agronegócios da Fundace da USP (Universidade de São Paulo).
- Essa queda da temperatura oceânica traz impactos significativos para os padrões climáticos globais, pois o resfriamento do Pacífico é transferido de forma gradual para a atmosfera e muda a circulação e a temperatura, aumentando o risco de ondas de frio mais intensas e tardias.
Nadiara Pereira, meteorologista do setor de agronegócio da Climatempo, diz que o La Niña este ano deve começar como um fenômeno de fraca a moderada intensidade, mas deve ganhar força entre a primavera e o verão. O principal alerta é para o período de plantio da soja no interior do Brasil.
“Os produtores precisam ter cautela para iniciar a semeadura e devem acompanhar as previsões para iniciar o plantio quando houver um indicativo de chuvas suficientes”, afirma Pereira.
O último relatório da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) aponta que há 69% de chance de ocorrência do La Niña com temperaturas bastante frias entre agosto e outubro de 2024, ficando mais forte até dezembro.
Efeitos na agricultura
Jônatas Pulquério, diretor de gestão de risco agropecuário do Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa), lembra que “a precipitação pluviométrica é um fator determinante para o resultado da safra“, sendo primordial que ocorra nos períodos certos e em intensidade satisfatória para o desenvolvimento das plantas.
O diretor reforça que as perdas nesses casos afetam a economia em cadeia, com impacto no comércio dos municípios de perfil agrícola, na venda de máquinas e equipamentos, na arrecadação de impostos e no investimento em tecnologia, construção civil e infraestrutura.
A previsão é de que o La Niña este ano não cause falta de chuva no Sudeste durante a safra, mas as precipitações podem demorar até outubro para começar, criando risco de doenças nas lavouras.
- “No Sul do Brasil, pode haver falta de água. A seca pode prejudicar [também] plantações de milho e soja, e há risco de secas severas em 2025“, diz Ávila.
Já as regiões Norte e Nordeste podem sair ganhando, desde que o Oceano Atlântico esteja aquecido e garanta chuvas mais regulares. A meteorologista do Climatempo reforça que o La Niña tem como tendência favorecer chuvas nessas áreas, beneficiando a safra na fronteira agrícola do Matopiba (cinturão de cerrado localizado predominantemente nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
“No Sul do país ocorre o oposto e, normalmente, o La Niña aumenta o risco para estiagem, especialmente no Rio Grande do Sul, que apresenta redução de produtividade em cultivos como soja e milho devido à falta de umidade”, afirma Pereira.
No Sudeste e no Centro-Oeste, os efeitos não são tão marcados, mas afetam a distribuição das precipitações e prolongam o período seco, causando demora na regularização das chuvas no início da primavera e atraso no plantio da soja.
Há ainda possibilidade de geadas, sobretudo nos campos de trigo do Sul do Brasil, mas que podem atingir áreas do Sudeste e do Centro-Oeste, como São Paulo e Mato Grosso do Sul, e os cultivos de cana de açúcar, café e citros.
Como proteger a produção
O La Niña esteve ativo de 2020 a 2023 e causou secas históricas no Sul com grandes perdas de soja e milho na Safra 2021/2022. Pulquério, que é especialista em agronegócio e seguro rural, enfatiza que os produtores precisam pensar em mecanismos de transferência de riscos e proteção da renda.
A proteção, obtida ou não com auxílio do PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), cumpre a função de amenizar perdas e possibilitar a recuperação.
O PSR é oferecido pelo governo federal desde 2005 e assume parte do prêmio do seguro rural nas modalidades agrícola, pecuário, florestal e aquícola, reduzindo o custo de sua aquisição.
Manejo
Durante fenômenos como La Niña, os produtores devem também adotar melhores formas de manejo.
“Além das práticas já bastante difundidas como plantio direto e rotação de culturas, o planejamento para realizar o plantio dentro da janela de risco indicada no Zarc (Zoneamento Agrícola de Risco Climático) é fundamental”, afirma Pulquério.
O Zarc é uma ferramenta de gestão de risco alimentada pela Embrapa e coordenada pelo Mapa. O modelo estabelece a melhor janela de semeadura e indica a probabilidade de perdas na produção por cultura e município, sinalizando períodos de plantio com menor risco climático.
Fonte: Danielle Castro | Colaboração para o UOL (adaptado)