Nutrição em macrominerais para peixes redondos
Os peixes redondos são um grupo de peixes nativos que agrupam:
O tambaqui tem se destacado na piscicultura nacional, pois é a segunda espécie de peixe mais cultivada desde 2009 em razão de suas características de produção (Figura 1).
Figura 1. Exemplar de tambaqui (Colossoma macropomum)
Assim como o tambaqui, a pirapitinga é nativa das bacias dos rios Orinoco e Amazonas, sendo popularmente conhecida como caranha vermelha. Apesar da pirapitinga ser uma espécie ainda pouco explorada nos sistemas piscícolas brasileiro, é uma espécie difundida em diversos países e em todo território nacional devido a seu bom desempenho e rendimento de filé (Figura 2).
Já o pacu é originário da bacia do Prata e conhecido popularmente como pacu-caranha, caranha ou pacu Guaçu. O pacu é um dos peixes neotropicais mais estudados e tem estratégias de cultivo bem estabelecidas (Figura 3).
Figura 3. Exemplar de Pacu (Piaractus mesopotamicus)
Apesar da importância dos peixes redondos na piscicultura nacional, pouco se sabe sobre a nutrição mineral dessas espécies. Grande parte dos estudos estão relacionados a utilização de alimentos alternativos e a determinação da exigência nutricional dos macronutrientes que mais impactam no custo das dietas (proteína, lipídeos e carboidratos).
Assim, a indústria tem utilizado os níveis dos demais nutrientes essenciais de espécies exóticas (como a tilápia) como base para as formulações das rações. Esta prática, no caso específico do tambaqui, tem gerado a suplementação desnecessária de pelo menos um mineral, o fósforo, aumentando o custo da dieta e a excreção de fósforo para o ecossistema aquático.
Os peixes são capazes de absorver grande parte dos minerais do meio aquático (Figura 4).
Assim, a exigência nutricional desses minerais pode ser suprida pela absorção direta na água e/ou através de fontes alimentares (veja as principais fontes de minerais na Tabela 1), principalmente em sistemas de produção extensivo e semi-intensivo.
Tabela 1. Principais fontes de macrominerais na dieta de peixes
Já nos sistemas intensivos, as necessidades nutricionais são supridas exclusivamente via dieta. Assim, é necessário o conhecimento das exigências nutricionais em minerais específicas para o melhor desempenho e sanidade dos peixes.
MINERAIS |
Os minerais são elementos inorgânicos essenciais para que o organismo complete seu ciclo de vida. Eles são classificados de acordo com suas necessidades orgânicas em macro e micro minerais.
Os macros são exigidos em altas quantidades (g kg-1 ou % da dieta), enquanto os micros em pequenas quantidades (mg ou μg por kg da dieta). Aqui, nós iremos abordar especificamente sobre a nutrição em macrominerais para peixes redondos.
Os macrominerais de importância nutricional para vertebrados são:
Fósforo
Entretanto, do ponto de vista prático, apenas P e Mg são suplementados com fontes específicas na formulação de rações para peixes. Enquanto Ca, P e Mg apresentam-se majoritariamente depositados no tecido ósseo, Na e K encontram-se nos fluídos corporais e tecidos moles.
Entretanto, diferente dos animais terrestres que tem nos ossos o principal órgão para manutenção da homeostase do Ca, P e Mg, os peixes utilizam outras estruturas além dos ossos para o aporte de minerais, como as brânquias e escamas. Porém, as escamas apresentam mobilização mineral mais acelerada que nos ossos.[registrados]
FÓSFORO |
O fósforo é o mineral mais importante para peixes. Apesar dos peixes conseguirem absorver boa parte dos minerais do meio aquático, eles possuem baixa eficiência de absorção do fósforo na água, em razão do P ser rapidamente e adsorvido pelo ecossistema aquático.
Assim, sua exigência deve ser suprida pela dieta. De modo geral, a absorção de fósforo ocorre por transporte passivo no intestino onde é distribuído para os órgão e tecidos via corrente sanguínea após absorção (Figura 5).
Figura 5. Utilização de fósforo em peixes redondo. O fluxo de fósforo está caracterizado pelas setas entre os compartimentos. Este processo inicia-se com a ingestão do alimento e absorção do fósforo no trato digestivo. O P então entra na corrente sanguínea e é distribuído para os tecidos moles e estruturas mineralizadas. A fração do P que não é digerida é excreta pelas fezes na forma insolúvel, enquanto o P que não é utilizado metabolicamente é excretado na urina de forma solúvel. Nos ossos e escamas podem ocorrer a mobilização de minerais para serem utilizados em processos fisiológicos. Esse processo é continuo, e nos ossos é conhecido como Turnover ósseo.
O fósforo é elemento essencial para uma variedade de processos biológicos. Sua principal função no organismo é a formação da estrutura óssea e demais estruturas mineralizadas. Além disso, encontra-se distribuído em todas as células do organismo participando da estrutura celular e de processos metabólicos essenciais como a geração de energia (molécula de ATP) e modulação do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas.
Em casos de deficiência de P, este elemento é utilizado para manutenção das atividades biológicas vitais. Assim, ossos e escamas são utilizados prioritariamente como principal fonte de P, Ca e Mg uma vez que as preferências metabólicas são para o crescimento e reprodução.
Ou seja, dependendo da densidade óssea da espécie e da fase de vida, os peixes podem ser mais ou menos susceptíveis aos efeitos da deficiência desses macrominerais (principalmente do P). Estes fatores afetam diretamente a determinação da exigência em peixes, em especial os peixes redondos.
A exigência dietética em fósforo para diversas espécies de peixes costuma ser maior para mineralização dos ossos quando comparada ao crescimento. No entanto, estudos do nosso grupo indicam que em peixes redondos, como o tambaqui, que possuem número maior de estruturas mineralizadas no corpo (Figura 6), a exigência dietética em fósforo para mineralização óssea é menor do que a quantidade para manter o crescimento normal.
Figura 6. Imagem tomográfica da estrutura óssea do tambaqui (Colossoma macropomum). A setas indicam as estruturas mineralizadas
A principal consequência da deficiência de P para peixes redondos é a redução no crescimento (Figura 7)
- Acúmulo de gordura nas vísceras
- Em casos mais severos pode causar doenças e morte.
Figura 7. Exemplares de peixes alimentados com dietas suficientes (A) ou deficientes (B) em fósforo dietético durante 90 dias.
Entretanto, estudos do nosso grupo demonstram que o tambaqui e a pirapitinga podem ser capazes de utilizar o P de alimentos vegetais (P-fítico ou fitato) com eficiência. Enquanto o aproveitamento do P dos alimentos de origem animal e do fosfato bicálcico é bem mais baixa (Figura 8) quando comparado a outras espécies de peixes, como a tilápia.
Figura 8. Digestibilidade aparente do fósforo em diversas fontes inorgânicas e orgânicas
Assim, dietas formuladas exclusivamente com ingredientes vegetais sem a suplementação de P são capazes de manter o crescimento em peixes redondos, implicando apenas na maior deposição de gordura na carcaça. Entretanto, ainda não sabemos dos efeitos a longo prazo desta prática.
Por outro lado, o excesso do mineral também pode ser prejudicial uma vez que ele pode causar prejuízos econômicos ao sistema de produção e é o principal elemento responsável pela eutrofização do meio aquático.
Em geral, os níveis de P nas dietas comerciais para peixes redondos estão em excesso. Isso ocorre devido a maioria das empresas que produzem rações para peixes redondos utilizar valores de P total na formulação e não considerar quanto o P está disponível nos alimentos, muitas vezes pela falta de dados na literatura.
Nesse sentindo, a utilização de rações baseadas em nutrientes digestíveis pode reduzir os custos de produção e mitigar possíveis impactos ambientais causados pela excreção de P nos efluentes, por mais que o custo possa ser um pouco maior.
A principal função do cálcio, associado ao P, está relacionada ao processo de formação óssea e manutenção do esqueleto. Assim como nos vertebrados terrestres, os peixes mantêm uma proporção constante de Ca: P no osso, que varia entre 2:1 e 1,5:1.
Nos peixes redondos, o Ca e P estão intimamente relacionados. Em juvenis de tambaqui e pirapitinga deficientes em fósforo dietético, ocorre diminuição da quantidade de Ca nas vertebras e escamas, além da redução na deposição de minerais nos ossos e no corpo (Tabela 2).
Tabela 2. Composição mineral do corpo inteiro, vertebras e escamas de juvenis tambaquis.
Este processo pode estar relacionado a proporção de Ca:P na dieta já que uma dieta deficiente em P aumenta a mobilização de fosfato de cálcio dos ossos e escamas, sendo o P utilizado para manutenção das funções metabólicas e crescimento de tecidos, enquanto o Ca é excretado.
Assim, a manutenção da relação Ca:P entre 1:1 e 1,5:1 é fundamental para que o peixe possa expressar todo o potencial de crescimento. Os peixes têm grande capacidade de obter cálcio do meio aquático. Esta rota é particularmente utilizada em águas naturalmente mais duras, ou seja, com alta quantidade de cálcio no meio. Nesses casos, a preocupação com a suplementação de Ca na dieta é mínima.
Entretanto, quando os níveis de cálcio na água são baixos a absorção no trato gastrintestinal é a principal rota de obtenção desse elemento. É importante destacar que, em sistemas de produção semi-intensivo a calagem é uma prática de manejo bastante utilizada, incorporando Ca ao ambiente aquático e suprindo as exigências em Ca para os peixes.
MAGNÉSIO |
O magnésio é encontrado principalmente nos ossos, onde compõe o tecido esquelético (Tabela 2) e atua em processos relacionados à mineralização do osso e na prevenção de anormalidades esqueléticas. Esse mineral é cofator essencial em reações enzimáticas no metabolismo intermediário, participa da osmorregulação e atua na transmissão neuromuscular.
Os peixes redondos obtêm magnésio por absorção do meio aquático ou através de fontes alimentares. Entretanto, elevadas concentrações de magnésio na dieta podem diminuir sua eficiência de absorção intestinal. Além de interferir negativamente na absorção de cálcio e fósforo.
No meio aquático as concentrações de magnésio estão ligadas ao cálcio, ou seja, depende da dureza da água. A recomendação para o cultivo de peixes nativos é que a água seja moderadamente dura. Nesses casos, a quantidade de magnésio presente é capaz de estimular a produção primaria do viveiro e ainda suprir as necessidades dos peixes.
Na prática, as dietas convencionais utilizadas pela indústria de rações apresentam níveis mais que suficientes de Mg para atender à exigência dos peixes. Apesar de não haver estudos específicos em exigência deste mineral para peixes redondos na literatura, acreditamos que sua suplementação pode não ser necessária em dietas práticas, mas maiores estudos seriam necessários para confirmar esta recomendação.
SÓDIO, POTÁSSIO E CLORO |
Sódio, potássio e cloro são os eletrólitos mais importantes para os seres vivos. Sódio e cloreto são os principais cátions e ânions dos fluidos extracelulares, enquanto o potássio e magnésio são os principais cátions intracelulares. Assim, esses minerais têm ação fundamental no:
Vale mencionar que, o balanço eletrolítico das dietas de peixes de água doce é importante para a osmorregulação.
O equilíbrio eletrolítico da dieta é moderado pela presença de cátions (Na, K, Ca e Mg) e ânions (Cl e P).
A dEB das dietas para peixes está em torno de 200-400 mEq/kg da dieta, sendo a dEB mais adequada para tilápia ao redor de 200 mEq/kg.
Assim, devido à ausência de estudos, recomendamos a utilização dos valores para tilápia até que novos estudos indiquem o contrário.
Referencias
Fracalossi DM, Cyrino JEP. Nutriaqua: nutrição e alimentação de espécies de interesse para a aquicultura brasileira. 2013
Guimarães, I.G., Martins, G.P., 2015. Nutritional requirement of two Amazonian aquacultured fish species, Colossoma macropomum ( Cuvier, 1816) and Piaractus brachypomus ( Cuvier, 1818): a mini review. Journal of Applied Ichthyology. 31, 57-66.
Menezes, L.L.C., Santos, J.G.A., Guimarães, I.G., Padua, D.M.C., Machado, V.M.V., Souto, C.N., 2021. A new approach for quantifying phosphorus requirement in Colossoma macropomum using CT scanning. Aquaculture Nutrition. n/a.
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