O problema das micotoxinas em grãos e concentrados para ruminantes
Os fungos toxigênicos utilizam como substrato alimentos de uso animal e humano, e produzem micotoxinas, metabólitos secundários de baixo peso molecular e alta toxicidade (Zain, 2011). Particularmente, grãos e concentrados de origem vegetal são os substratos ideais para o seu crescimento (Yiannikouris e Jouany, 2002). A colonização dos grãos por fungos pode ocorrer antes da colheita ou posteriormente, durante o armazenamento.
EFEITOS NOS RUMINANTES
Os principais gêneros toxicogênicos que contaminam grãos destinados a ruminantes são Fusarium, Aspergillus e Penicillium (Bonifaz, 2012).
Os fungos do gênero Fusarium são amplamente difundidos e geralmente contaminam a cultura ao se desenvolverem antes do armazenamento. Principalmente as culturas de trigo, cevada e milho são contaminadas com estes fungos quando as condições de umidade e temperatura são favoráveis.
O problema das micotoxinas em grãos e concentrados para ruminantes
Além das perdas agrícolas, diversas espécies produzem micotoxinas que causam intoxicações tanto em ruminantes quanto em humanos e outros animais (Zinedine et al., 2007). As principais toxinas produzidas por este gênero de fungos são as fumonisinas, os tricotecenos e a zearalenona.
• As fumonisinas causam efeitos toxicológicos importantes, uma vez que interferem no metabolismo dos esfingolípidos (Marasas, 1995) e o mais importante, a fumonisina B1, tem sido associada ao aparecimento de cancro do esôfago em humanos (EFSA, 2005). A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) considera-o um possível carcinógeno humano (grupo 2B).
• Os tricotecenos, o desoxinivalenol (DON) e a toxina T-2, por outro lado, são metabolizados no rúmen em um metabólito muito menos tóxico, portanto dificilmente causam alterações em ruminantes (Eriksen e Pettersson, 2004), embora os autores anteriores destaquem a informação limitada que existe a este respeito.
• A zearalenona possui configuração molecular tridimensional semelhante ao estradiol, por isso pode ocupar seus receptores, estimulando-os e atuando então como desregulador endócrino em machos e fêmeas de diferentes espécies animais (D’Mello et al., 1999, Haschek et al., 2002).
Enquanto isso, fungos das espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium desenvolvem-se principalmente durante o armazenamento. Os Aspergillus são reconhecidos pela sua capacidade de produzir toxinas potentes, como aflatoxinas e ocratoxinas (Navale et al., 2021).
• As aflatoxinas são hepatotóxicas, imunossupressoras, mutagênicas, teratogênicas e carcinogênicas em todas as espécies, incluindo humanos (Zain, 2011), sendo uma delas, a aflatoxina B1, o agente carcinogênico natural mais potente conhecido (Coppock et al., 2018).
• Por sua vez, as ocratoxinas, nefrotóxicas e imunossupressoras, também são produzidas por diversas espécies de fungos do gênero Penicillium (Perrone e Susca, 2017). A ocratoxina A é extremamente potente, mas os efeitos negativos em ruminantes são raros, uma vez que é transformada no rúmen em compostos menos ativos por protozoários (Mobashar et al., 2010).
O problema das micotoxinas em grãos e concentrados para ruminantes
A Tabela 1 resume os principais efeitos observados pelo consumo de micotoxinas em ruminantes, relatados por Gallo et al. (2015) num trabalho de revisão, confirmando que a informação é relativamente escassa e pouco conclusiva, aspecto que os autores destacam.
Tabela 1. Principais efeitos das micotoxinas em ruminantes observados em trabalho experimental ou de campo (resumido de Gallo et al., 2015).
O problema das micotoxinas em grãos e concentrados para ruminantes
INÍCIO DA CONTAMINAÇÃO E CONDIÇÕES DE DESENVOLVIMENTO
Os fungos podem crescer nos alimentos sem necessariamente produzir micotoxinas, mas quando confrontados com certos fatores de estresse, sintetizam-nas. Assim, condições climáticas extremas de seca ou umidade, presença de grãos danificados, ou mau manejo da colheita ou armazenamento, são fatores que desencadeiam o estresse e com ele a produção de micotoxinas (Whitlow e Hagler, 2005).
Neste sentido, os fenômenos relacionados com as alterações climáticas parecem estar a modificar os padrões de apresentação dos surtos de micotoxicoses, que estão a surgir em regiões onde antes não ocorriam (Tolosa et al., 2021).
É importante levar em consideração essas variações na amostragem de grãos para detecção de micotoxinas: durante a amostragem deve-se seguir um protocolo específico para o tipo de material e armazenamento, extraindo material de diversas áreas, levando em consideração as diferentes profundidades e alturas.
Segundo este trabalho, 180 dias de armazenamento em sacos seriam ideais para melhorar a fermentação ruminal de grãos de difícil digestão e reduzir a contaminação. Segundo García e Santos et al. (2022), em silos de grãos de sorgo a abundância relativa de Fusarium diminuiu após 30 dias de armazenamento, e em grãos com alto teor de tanino Aspergillus spp diminuiu.
• Essas descobertas abrem uma nova perspectiva sobre possíveis vantagens da utilização de grãos com alto teor de taninos para a confecção de silagens, pelo menos em ambientes com alto risco de contaminação por fungos.
Uma característica das micotoxinas é a sua resistência aos tratamentos de processamento de alimentos. Resistem à secagem, à trituração e são muito estáveis termicamente, pelo que a cozedura dificilmente os elimina (Kabak, 2009). Tudo isso dificulta muito o seu controle, e os nutricionistas sabem que quando se trata de controlar as micotoxinas, “tudo é pouco” em termos de prevenção.
IDENTIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO
Para a identificação e quantificação de fungos toxicogênicos contaminantes de alimentos, o isolamento e a identificação morfológica são historicamente realizados de acordo com suas características fenotípicas. Nestes métodos, as colônias desenvolvidas a partir de culturas alimentares isoladas são contadas e transferidas para meios específicos para identificação ao microscópio óptico pelas suas características micro e macromorfológicas de acordo com as chaves de identificação convencionais correspondentes para os principais gêneros de fungos.
Esses métodos são muito trabalhosos, exigem muita experiência e treinamento e também consomem muito tempo. Atualmente, existem métodos moleculares baseados em PCR para identificação e quantificação, que evitam os problemas levantados acima.
Esses métodos permitem a identificação de isolados em nível de espécie através de amplificação e sequenciamento de diferentes genes (Ward et al., 2002; O’Donnell et al., 2004) ou por amplificação com primers específicos (Nicolaisen et al., 2009; Scauflaire et al., 2012).
Para determinar e quantificar as concentrações de micotoxinas nos alimentos, diferentes métodos imunoensaios e cromatográficos podem ser realizados (Díaz e Smith, 2005). Técnicas cromatográficas como cromatografia em camada delgada (TLC), cromatografia líquida (HPLC), cromatografia líquida de ultra-desempenho (UHPLC) e cromatografia líquida – espectrometria de massa (LC-MS).
Este último método LC-MS está sendo amplamente desenvolvido, devido ao seu grande potencial para avaliar grandes quantidades de amostras e diferentes micotoxinas simultaneamente (Krska et al., 2008). Outra metodologia utilizada atualmente é uma técnica imunocromatográfica rápida combinada e integrada.
Este método combina anticorpos numa única tira de membrana, permitindo assim a detecção de vários analitos em apenas alguns minutos. Requer equipamento portátil de cromatografia de fluxo lateral, que permite determinar concentrações de uma ampla gama de micotoxinas nos próprios estabelecimentos.
CONTROLE + PREVENÇÃO
Durante a colheita devem ser evitados danos ao grão, pois o predispõe à contaminação por fungos e micotoxinas. Já no armazenamento, pode ser possível controlar a umidade e a temperatura para que o risco de contaminação possa ser reduzido (Shapira & Paster, 2004). Ambiente ácido e baixa atividade de água são formas eficazes de controlar e inibir o crescimento bacteriano. No entanto, os fungos podem crescer sob uma gama mais ampla de condições físico-químicas do que a maioria das bactérias.
Nos produtos alimentícios, os fungos proliferam em faixas de pH entre 2 e 9, com atividades de água de 0,61 a 0,99 (Snyder et al., 2019). Também no armazenamento podem ser utilizadas substâncias que inibem o crescimento de fungos, mas estas não atuam no conteúdo de micotoxinas caso estas já existam.
Quando os alimentos são contaminados por micotoxinas, uma das estratégias utilizadas para controlá-los é a aplicação de agentes sequestrantes. Estas substâncias são polímeros inorgânicos ou orgânicos de alto peso molecular que reduzem a absorção de micotoxinas no trato digestivo, diminuindo sua toxicidade no organismo animal.
Para isso, os sequestrantes formam complexos irreversíveis com essas toxinas na luz intestinal e são posteriormente eliminados nas fezes (Devegowda e Murthy, 2005). A maioria são compostos orgânicos, inorgânicos ou multimodulares (Díaz e Smith, 2005).