Os benefícios das fibras para a cinética do parto de fêmeas suínas
Na produção comercial de suínos, os carboidratos vegetais representam a principal fração da dieta.
No entanto, parte desses carboidratos não é digerido pelas enzimas digestivas do intestino delgado e fica disponível como substrato para fermentação bacteriana, principalmente no intestino grosso.
Essa fração não digestível pelas enzimas endógenas é denominada fibra dietética e está presente em altas concentrações em coprodutos e resíduos das indústrias sucroalcooleira e alimentícia.
Apesar de diminuir a digestibilidade de nutrientes e a energia da dieta, a fibra alimentar tem funções nutricionais e metabólicas importantes para melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo de fêmeas suínas adultas.
Como resultado de um intenso processo de seleção genética visando a prolificidade, as fêmeas suínas modernas tiveram um incremento significativo no número de leitões nascidos nas últimas décadas (DA SILVA et al., 2016).
O aumento do número de leitões nascidos, por sua vez, está associado a alguns efeitos indesejáveis como o aumento na duração do parto. Partos excessivamente prolongados são deletérios para a saúde da matriz, podendo resultar em prejuízos nos parâmetros produtivos e reprodutivos (BJÖRKMAN et al., 2018).[cadastrar]
Adicionalmente, há prejuízos na:
- Vitalidade,
- Sobrevivência e
- Desempenho dos leitões (LANGENDIJK; PLUSH, 2019).
No parto, a fêmea suína passa por diversas alterações hormonais e metabólicas durante um período de tempo muito curto (ALGERS; UVNÄS-MOBERG, 2007).
Consequentemente, a cinética do parto pode ser facilmente afetada por fatores relacionados a fêmea, manejo, ambiente e/ou nutrição (PELTONIEMI et al., 2016). A dieta e o manejo nutricional no periparto são um dos fatores mais comumente relacionados a distúrbios no parto.
Sendo assim, uma composição corporal adequada e um plano alimentar específico para atender as exigências nutricionais do periparto (dieta de transição) são cruciais para atingir todo o potencial produtivo das fêmeas hiperprolíficas modernas.
Algumas características inerentes a produção suinícola brasileira como;
- Dietas pobre em fibras,
- Alimentação fornecida apenas uma ou duas vezes ao dia e
- O sedentarismo excessivo ao qual as fêmeas suínas são submetidas em sistemas intensivos de produção
Fazem com que esses animais sejam especialmente susceptíveis a constipação e a problemas metabólicos no periparto (VAN KEMPEN, 2007; FEYERA et al., 2017; FEYERA et al., 2018; CARNEVALE et al., 2020).
A fibra alimentar tem recebido considerável atenção nos últimos anos devido à sua associação com efeitos benéficos sobre o metabolismo, saúde intestinal, composição da microbiota, saciedade, manutenção de níveis glicêmicos e na cinética do parto (THEIL et al., 2011; FEYERA et al., 2018).
Nesse contexto, estudos demonstraram que a inclusão de fibra alimentar nas dietas de transição de fêmeas suínas pode melhorar as características de parto, resultando em benefícios para a saúde, desempenho e bem estar da fêmea e dos leitões. Sendo assim, a seguinte revisão foi elaborada para apresentar e discutir os benefícios da inclusão de fibras na dieta de fêmeas suínas parturientes.
FIBRA ALIMENTAR
UTILIZAÇÃO
A fibra alimentar é o principal substrato para a fermentação bacteriana no intestino grosso de suínos, interagindo com a microbiota e exercendo efeitos benéficos sobre a mucosa intestinal
(AGYEKUM; NYACHOTI, 2017).
A microbiota hidrolisa os carboidratos não digestíveis em oligossacarídeos e monossacarídeos, que são então fermentados no ambiente anaeróbico do intestino. As principais vias metabólicas utilizadas pelas bactérias convertem os monossacarídeos em fosfoenolpiruvato que, por sua vez, é convertido nos produtos da fermentação, principalmente os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) – acetato, butirato e propionato (DEN BESTEN et al., 2013).
Os AGCC são absorvidos no lúmen intestinal especialmente quando o pH luminal é baixo ou quando a concentração destes é elevada (SAKATA; INAGAKI, 2001). Os AGCC são transportados através das membranas apical e basolateral dos colonócitos tanto pela difusão passiva dos AGCC não dissociados quanto pelo transporte ativo mediado por diferentes transportadores de membrana para transportar os AGCC dissociados (DEN BESTEN et al., 2013).
Quando absorvida, uma grande parte é usada como fonte de energia; aproximadamente 30% da energia líquida de mantença pode se originar dos AGCC em porcas alimentadas com altos níveis de fibra (SERENA et al., 2009).
Figura 1. Relação entre fibras adaptado de Choct (2015)
PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS
Os polissacarídeos que compõem a parede celular dos vegetais variam muito em sua composição química, associações intermoleculares, comprimentos de cadeia linear e efeitos sobre o metabolismo (MCRORIE et al., 2017).
Devido à sua heterogeneidade, as fibras alimentares podem ser classificadas de acordo com diferentes propriedades físico-químicas, como:
- Solubilidade em água,
- Viscosidade,
- Formação de gel,
- Capacidade de ligação à água e
- Fermentabilidade (BLACKWOOD et al., 2000).
As propriedades físico-químicas das fibras resultam a diferentes mecanismos pelos quais a fibra pode interferir na fisiologia digestiva, no metabolismo e na composição da microbiota (MOLIST et al., 2014).
A solubilidade é uma das características mais importantes a se considerar ao incluir fibras na dieta de suínos (BACH KNUDSEN; HANSEN, 1991). As fibras insolúveis (celulose, lignina e algumas hemiceluloses) são estruturalmente lineares, o que lhes permite uma maior adesão intramolecular (CHO et al., 1999).
Apesar da sua insolubilidade, a exposição de grupos hidroxilas ao longo das cadeias principais, fornece a capacidade de adsorver moléculas de água, levando a um aumento de volume das fibras que compõem.
Esta capacidade de retenção de moléculas de água permite também um amaciamento do bolo fecal e um aumento de volume, facilitando e reduzindo o tempo de trânsito intestinal (SPILLER, 2001).
Por outro lado, as fibras solúveis apresentam um elevado grau de hidratação, com capacidade de formar géis e soluções viscosas (SPILLER, 2001). Esta capacidade é dependente da forma como os monómeros estão ligados entre si, da presença de determinados grupos funcionais e do peso molecular do polímero; polissacáridos de menor peso molecular são mais solúveis em meio aquoso e a presença de grupos funcionais polares (ex. COO- e SO3-) também favorece fortemente a solubilidade (CHO et al., 1999).
A fibra solúvel geralmente tem taxa de fermentação mais completa e mais rápida quando comparada com a fibra insolúvel, com consequente maior produção de AGCC (BACH KNUDSEN; HANSEN, 1991).
Portanto, dietas contendo uma quantidade elevada de fibra insolúvel podem prejudicar a fermentação da fibra dietética em suínos (AGYEKUM; NYACHOTI, 2017).
Adicionalmente, as fibras solúveis aumentam o número e atividade dos microrganismos no intestino grosso e até mesmo no íleo (WENK, 2001), atrasam o esvaziamento gástrico, mantêm a glicemia alta por um período mais prolongado e aumentam a quantidade de secreções pancreáticas (PLUSKE et al., 2001).
Polímeros altamente ramificados têm um efeito negativo sobre a viscosidade e são, portanto, chamados de não-viscosos. Em contraste, os polímeros lineares têm grande efeito sobre a viscosidade.
De modo geral, quanto mais longa e não ramificada é sua cadeia, maior seu efeito sobre a viscosidade. Um polímero linear, no qual as cadeias adjacentes formam ligações cruzadas, pode formar gel (Beta-glucano e gomas) (MCRORIE; MCKEOWN, 2016).
O aumento da viscosidade retarda as interações de enzimas digestivas e nutrientes, o que atrasa a degradação de nutrientes complexos, a absorção de glicose e de outros nutrientes nas microvilosidades intestinais (MCRORIE, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As necessidades nutricionais da fêmea suína mudam rapidamente durante o período de transição, portanto, dietas específicas podem trazer resultados melhores para esse período. As fibras podem ser uma ferramenta muito importante nessas dietas. No entanto, as fibras pertencem a um grupo de nutrientes com características bastante heterogêneas e com funções distintas de acordo com suas propriedades físico-químicas.
Portanto, para se obter máxima eficiência do uso de fibras nas dietas de transição, com especial atenção para a cinética do parto, é interessante combinar fibras com diferentes propriedades e funções no metabolismo.
REFERÊNCIAS
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