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Importância do processamento térmico do farelo de soja para a nutrição de aves

Escrito por: Alex Maiorka - Possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal de Santa Maria (1995), mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Atualmente é professor Titular de Nutrição Animal da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de produção animal, com ênfase nos seguintes temas: nutrição de aves, suínos e cães. , Isabella de Camargo Dias - Graduada em Medicina Veterinária na Universidade Tuiuti do Paraná (2014- 2019) e graduada em Zootecnia na Universidade Federal do Paraná (2015-2022). Atualmente é Doutoranda em Ciências Veterinárias na Universidade Federal do Paraná (2020-atual). Atuação em nutrição de não-ruminantes. , Marley Conceição dos Santos - Zootecnista pela Universidade Federal do Paraná (UFPR - 2018), é mestre em ciências veterinárias pela mesma instituição (2020). Atualmente é doutoranda em Zootecnia pela UFPR na área de nutrição de suínos. Possui experiência em nutrição de monogástricos. , Simone Gisele de Oliveira - Possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (UFLA - 1999), mestrado em Ciência Animal e Pastagens pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (2002) e doutorado em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Avaliação e Conservação de Alimentos para Animais. , Vivian Izabel Vieira - Bacharel em zootecnia pela Universidade Estadual de Maringá (2009-2013). Foi bolsista PIBIC e PIBITI/CNPq/Fundação Araucária entre os anos de 2010 e 2013. Possui mestrado em zootecnia pela Universidade Federal do Paraná (2014-2016), com pesquisa na área de nutrição e produção de frangos de corte. Durante o mestrado participou de diversos projetos de pesquisa na área de nutrição e avaliação de ingredientes para frangos de corte. Defendeu a dissertação sobre a inclusão de vitamina E na nutrição de frangos de cortes em fase final sob orientação da Prof. Dra. Simone G. de Oliveira (UFPR) e coorientação do Prof. Dr. Alexandre Oba (UEL). Atualmente, doutoranda em zootecnia na área de produção e nutrição de animais não-ruminantes (PPGZ/UFPR).
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Ter conhecimento do valor nutricional dos ingredientes é um ponto indispensável na formulação de dietas para monogástricos. O farelo de soja é o ingrediente proteico de maior entrada na dieta, Rostagno et al. (2017) recomendam até 35% de inclusão do ingrediente nas formulações para frangos de corte. Sendo assim, o controle de qualidade dessa matéria prima é importante para garantir um bom desempenho dos animais a campo. 

O grão de soja cru contém diversos fatores anti-nutricionais, como inibidores de proteases e lectinas, e fatores alergênicos, como glicinina e beta conglicinina, que são inativados por tratamento térmico durante o processamento. Por outro lado, existem também outros compostos resistentes à ação do calor, como oligossacarídeos, polissacarídeos não amiláceos e fitato. (Medic et al., 2014).

Metodologias de análise de qualidade do farelo de soja

Para aferir se o processamento térmico do grão foi adequado, existem duas técnicas que são empregadas na indústria por conta da facilidade de execução e do baixo custo laboratorial, sendo a solubilidade em KOH 0,02% e o teste de atividade ureática. 

Solubilidade em KOH

A solubilidade em KOH avalia a qualidade do processamento e inativação dos fatores anti-nutricionais. Valores acima de 75% de solubilidade proteica indicam maior qualidade biológica da proteína e aproveitamento de aminoácidos pelo trato gastrointestinal. [cadastrar]

Quando os valores estão abaixo do desejável isso indica que houve super processamento térmico e ocorreram reações de desnaturação proteica e complexação de aminoácidos e açúcares redutores (Reação de Maillard), consequentemente, esse produto perde qualidade nutricional por conta da menor disponibilidade de aminoácidos (Heidenreich, 2000).

Teste de atividade ureática

O teste de atividade ureática é uma medida indireta que indica, por meio da variação do pH, se houve sub processamento térmico

Quanto maior o valor na análise, maior é a atividade da urease presente na amostra. 

O grão de soja cru deve apresentar variação de pH entre 2,0 e 2,5 (Butolo, 2002), após o processamento térmico o farelo de soja tostado deve ter variação de pH na faixa de 0,05 e 0,25 de acordo com o MAPA (1993).

Fatores antinutricionais que impactam o desempenho e produtividade

Fator de Bowman-Birk e Fator de Kunitz

Os dois compostos, fator de Bowman-Birk (BBK) e fator de Kunitz (KTI), são inibidores da atividade de enzimas proteolíticas formados por aminoácidos (Liu, 1997)

O fator BBK tem peso molecular variável entre 6 e 10 KDa e possui uma estrutura formada por 71 resíduos de aminoácidos (Figura 1), enquanto o fator KTI tem peso molecular de 20 KDa e é formado por 181 resíduos de aminoácidos (Figura 2), ambos são desativados quando o farelo de soja passa por processamento térmico correto.

Aproximadamente 6% da proteína do grão de soja é representada pelos inibidores de protease (Liu, 1997), e quando presentes no farelo de soja, esses fatores anti-nutricionais podem impactar de forma negativa no desempenho das aves.

As principais enzimas proteolíticas produzidas no pâncreas são: tripsina e quimiotripsina. Ambas são endopeptidases que atuam rompendo ligações não terminais e específicas. A tripsina atua na hidrólise entre lisina-arginina e a quimiotripsina na hidrólise entre fenilalanina-tirosina (Rutz, 2002).

Por conta da complexação entre as enzimas proteolíticas e os fatores BBK e KTI, o pâncreas é estimulado a aumentar a secreção enzimática para compensar a falta de tripsina e quimiotripsina ativas, e a presença de substrato livre que foi ingerido e chegou no duodeno para ser metabolizado.  

Como consequência desse desequilíbrio metabólico, a digestibilidade de nutrientes contidos na dieta diminui e se desencadeia uma resposta fisiológica de hiperplasia e hipertrofia pancreática (Cabrera-Orozco et al., 2013).

Rocha et al. (2014) demonstraram, por meio de exame histológico do tecido pancreático em frangos alimentados com farelo de soja cru, que houve um aumento no tamanho e no número de células exócrinas (Figura 3). 

A inclusão de 12% de farelo de soja crua pode levar a um aumento significativo de até 62% no peso do pâncreas (Rada et al., 2017).

Figura 3. Parênquima pancreático normal de frangos alimentados com dieta controle (A). Aumento do número e tamanho de células pancreáticas de frangos alimentados com 15% de soja crua (B). (Fonte: Rocha et al., 2014)

No estudo De Coca-Sinova, et al. (2008) eles analisaram a digestibilidade ileal aparente de nutrientes em frangos de corte que receberam diferentes farelos de soja, e constataram que a digestibilidade de nitrogênio, energia bruta e aminoácidos foi maior quando se ofertava o farelo de soja com menor quantidade de fatores anti nutricionais em sua composição. 

Isso demonstra a importância da qualidade do processamento térmico para desativação desses fatores que prejudicam o aproveitamento de nutrientes da dieta pelos animais. 

Outro fator anti-nutricional sensível ao calor é a lectina, ou hemaglutinina da soja. Seu principal efeito em frangos de corte é a ruptura do epitélio intestinal, diminuição da altura das vilosidades, alteração da atividade das enzimas da borda em escova e hipersecreção de proteínas endógenas induzindo à hiperplasia de células caliciformes, consequentemente, ocorre aumento da produção de muco e diminuição na absorção de nutrientes da dieta (Grant, 1989; Liener, 1994). 

A lectina da soja pode afetar negativamente o intestino e o sistema imune da mucosa a partir da:

Essas implicações podem reduzir de maneira expressiva a utilização de nutrientes da dieta e provocar efeitos deletérios no desempenho animal. 

Os principais oligossacarídeos presentes na composição do farelo de soja e que interferem no metabolismo de frangos de corte são a estaquiose e rafinose, que, ao serem consumidos, não são hidrolisados e sim fermentados no trato gastrointestinal. 

Um farelo de soja convencional apresenta em sua composição 4,61% de estaquiose e 0,93% de rafinose, por outro lado, o farelo de soja de uma cultivar modificada apresenta teores 1,38% e 0,18% de estaquiose e rafinose, respectivamente (Baker et al., 2011).

Em estudo comparando farelos de soja oriundos de cultivares modificadas e convencionais, Parsons et al. (2000) constataram que houve aumento de 7% nos valores de energia metabolizável da dieta de aves que receberam farelo convencional (2,739 Kcal/Kg de MS) em relação às que receberam farelo modificado com baixo teor de oligossacarídeos (2,931 Kcal/Kg de MS). 

Além disso, o perfil e a concentração de aminoácidos essenciais (lisina, metionina e triptofano) em farelos de soja de cultivares modificadas para baixo teor de oligossacarídeos também é alterado (Baker et al., 2011). Os mesmos autores afirmam que é possível reduzir a quantidade de farelo de soja modificado (32,60%) na dieta em comparação ao farelo convencional (38,21%) justamente pela composição de aminoácidos.

Perspectivas futuras

O valor nutritivo do farelo de soja está diretamente relacionado com a qualidade do processamento que o grão foi submetido. Quando o processamento é realizado de forma adequada, o farelo apresenta um alto teor de proteína bruta (46% a 50%), boa composição de aminoácidos e os fatores anti nutricionais são desativados de forma correta (Swick, 2009). 

O farelo de soja ideal deve apresentar solubilidade proteica alta (acima de 80%) e urease baixa (abaixo de 0,15), esses são indicativos de um bom processamento térmico e de um produto de boa qualidade nutricional. 

O controle de qualidade de matérias primas que chegam às fabricas de ração é uma etapa importante que irá impactar de modo direto a produtividade de animais monogástricos. Portanto, ter conhecimento de metodologias laboratoriais e saber quais os impactos negativos quando se usa um ingrediente com fatores anti nutricionais que não foram inativados de maneira correta é um diferencial.

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