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Qualidade da água na produção animal

Ofertar água em quantidade e com qualidade é garantia de que o animal irá expressar o seu máximo potencial produtivo e, ao mesmo tempo, manter condições ideais de sanidade e bem-estar e produzir produtos seguros.
Estudos relacionando a qualidade da água servida e os índices de desempenho dos animais apresentam como principal conclusão que água de boa qualidade irá ter efeitos positivos no desempenho e na saúde animal.
Conclusões relacionadas ao limite máximo que determinado elemento pode estar presente na água e seus efeitos no animal variam muito, pois esses efeitos são resultados de vários fatores do animal, do ambiente e do manejo.
A qualidade da água pode ser definida por uma ou mais das seguintes características:
odor,
sabor,
aparência,
propriedades físicas e químicas,
teor de macro e microminerais,
presença de substâncias tóxicas e de micro-organismos.

Qualquer situação incomum relacionada à água como: alterações no odor, na cor e no gosto, mudanças nos hábitos de alimentação e dessedentação dos animais, perda de desempenho e da condição de saúde dos animais, devem ser motivos para imediata análise da água.

Os animais possuem mecanismos naturais de proteção contra altas doses de substâncias prejudiciais à saúde, são eles: 
redução da ingestão e da taxa de absorção das substâncias, aumento da taxa de excreção das substâncias, adaptação à concentração das substâncias e armazenamento das substâncias em locais do organismo com baixa atividade metabólica, como nos ossos.
Estando os efeitos adversos do consumo de água de má qualidade diretamente relacionados com a quantidade consumida, o maior impacto desse consumo será, frequentemente, observado durante as estações quentes do ano, quando grandes volumes de água são consumidos e quando os animais são alimentados com dietas com baixa umidade.

Os animais sempre irão escolher uma fonte de água com qualidade adequada. O Brasil tem duas Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente que determinam os padrões (valor limite adotado como requisito normativo de um parâmetro de qualidade de água ou efluente) para água de consumo dos animais.
Portanto sugere-se a leitura e consulta rotineira da Resolução Conama 357, que classifica as águas doce a salobras e estabelece como padrão mínimo águas Classe 3 para dessedentação de animais, e da Resolução Conama 396, que classifica as águas subterrâneas.
Muitas vezes os padrões para dessedentação de animais são os mesmos estipulados para os humanos. Isso é observado na legislação brasileira e internacional. Dois fatos explicam essa situação:

Por exemplo, se um parâmetro tem padrão de qualidade para dessedentação de animais de 500 mg L-1, para irrigação de 200 mg L-1, recreação de 1.000 mg L-1 e para o consumo humano de 10 mg L-1, a legislação pode determinar que para aquele parâmetro naquela Classe o valor máximo permitido é de 10 mg L-1, pois essa concentração garante todos os usos ao mesmo tempo.
Por isso há diferenças entre as Resoluções 357 e 396 quando analisamos os padrões para dessedentação de animais. Na Conama 357 o limite máximo permitido para o nitrato é de 10 mg L-1 de nitrogênio-nitrato, enquanto na Conama 396 esse limite é de 90 mg L-1 de nitrogênio-nitrato. A explicação é que na Conama 357 o padrão é determinado pela Classe e na Conama 396 pelo uso.

Muitos elementos encontrados nas águas não apresentam risco aos animais porque eles não ocorrem em altas concentrações na forma solúvel ou porque são tóxicos somente em altas concentrações.
Elementos potencialmente tóxicos aos animais são: alumínio, arsênio, bário, boro, cádmio, cobalto, cobre, ferro, chumbo, mercúrio, níquel, selênio e zinco.
Fatores alimentares, fisiológicos e ambientais afetam o nível de toxidez dos elementos. Quando há a suspeita de elementos estarem presentes em altas concentrações deve-se coletar amostras de água para análise.
Análises da qualidade da água devem ser realizadas periodicamente. A análise somente no momento em que um problema for detectado significará maiores gastos financeiros para correção de algo que poderia ter sido evitado se houvesse a prática do monitoramento da qualidade e das perdas de rentabilidade devido à redução do desempenho dos animais.
A frequência mínima deve ser de uma análise para cada fonte de água por ano. Destacando que o tipo de fonte irá determinar frequências maiores, ou seja, quanto maior o risco de poluição ou contaminação a que a fonte estiver exposta, maior a periodicidade de análises durante o ano.
A qualidade da água de uma fonte é resultado da condição da bacia hidrográfica, do manejo da área do entorno e do uso que se faz dela. O acesso de humanos e animais a uma fonte de água é sempre um risco a sua qualidade. Por isso, as fontes devem estar sempre isoladas fisicamente, e a água deve ser ofertada aos animais por bebedouros.

A Figura 1 classifica algumas fontes de água utilizadas na dessedentação de animais quanto ao risco a sua qualidade.

Observa-se que não existe fonte de risco nulo, pois a água está sempre interagindo com diversos fatores e pode ter sua qualidade alterada por qualquer atividade humana.
A qualidade também não é estática no tempo, alterando de acordo com eventos ambientais, como a chuva, e/ou eventos humanos, como o uso de fertilizantes.
Assim, mesmo no caso de fontes de água subterrâneas, como poços, a qualidade da água pode ser alterada o que reafirma a necessidade de que seja feito o monitoramento.
Rios são as fontes de maior risco, pois interagem com diversas atividades humanas ao longo de seu curso. Cidades, indústrias, agricultura, etc.; poderão promover impactos negativos na qualidade da água, podendo resultar em águas sem os padrões de qualidade necessários para o consumo dos animais. Se o rio é a única fonte de água disponível, recomenda-se frequência mensal de análise e sugere-se que essa fonte seja substituída por outra mais segura. Se a substituição não puder ser integral, que seja parcial, utilizando-se poços ou captação de água de chuva.
Lagos, tanques e canais apresentam risco médio, pois, geralmente, são estruturas de fácil acesso a humanos e animais. Para aumentar a segurança dessas fontes, o consumo nunca deve se dar de forma direta.
As fontes devem estar isoladas e bebedouros devem ser utilizados para oferta de água aos animais. Isso se justifica, pois quando um animal tem acesso a esse tipo de fonte o seu caminhar irá suspender uma série de elementos, bem como ele poderá urinar e defecar na água. Todos esses são fatores que depreciarão a qualidade da água.
A utilização de bebedouros apresenta as seguintes vantagens:
melhoram o desempenho dos animais, por ofertar água de melhor qualidade;
melhoram a distribuição dos nutrientes contidos nas fezes e na urina, pois esses serão depositados no solo, repondo as perdas decorrentes do pastejo;
propiciam a conservação da qualidade da água das fontes, bem como da vegetação em seu entorno e do solo.

Ressalta-se a importância da manutenção e da limpeza dos bebedouros para que sejam uma fonte de água de qualidade. Lagos e tanques, por serem ambientes de água parada, estão mais suscetíveis ao processo de eutrofização. O que caracteriza esse processo é a cor esverdeada da água que também pode apresentar tons de vermelho e azul, bem como a presença de manchas oleosas.
Dependendo do grau de eutrofização, os animais irão reduzir o consumo, podendo ocorrer casos de óbito pela toxidez decorrente da presença de certas algas.
Para essas fontes recomendam-se análises com frequência semestral e, caso necessário, com maior frequência na época do verão, pois é nesse momento que pode ser verificado o crescimento abrupto de algas que depreciarão a qualidade da água.
Nascentes, poços e cisternas apresentam baixo risco, pois são fontes localizadas na área da propriedade e, portanto, a qualidade que terão depende em grande parte do manejo que é feito da fonte, ou seja, a conservação da qualidade é de total responsabilidade do produtor.

Nascentes protegidas e isoladas do contato humano e animal;
poços construídos de acordo com as recomendações técnicas e bem conservados;
cisternas manejadas respeitando-se as normas técnicas;
uso do solo, de fertilizantes e de agroquímicos de forma conservacionista e correta, proporcionarão águas de boa qualidade.

Nesses casos, análises anuais são suficientes para avaliar se a qualidade da água servida está de acordo com os padrões.
Em poços superficiais localizados em regiões agrícolas com intenso manejo do solo, a frequência de análise deve ser maior, pois esses são mais suscetíveis à contaminação por infiltração e escorrimentos superficiais.
Suas estruturas devem ser checadas periodicamente, objetivando reparar possíveis danos que poderão comprometer a qualidade da água.


Se a coleta e o manuseio são feitos de forma errada a amostra irá se deteriorar, comprometendo toda a análise. Isso significa perda de tempo e de recursos financeiros.
No Quadro 1 há orientações de como proceder a coleta e o manuseio da amostra. Aconselha-se a contratação de um laboratório que tenha experiência em amostras oriundas de propriedades rurais.
Comparar os resultados da amostra com os padrões legais é fácil, mas saber orientar o que deve ser feito para manter ou melhorar a qualidade da água a fim dessa ter padrão adequado para o uso animal não é de domínio da maioria dos técnicos laboratoriais.

Uma questão comum no meio rural é: quais parâmetros de qualidade da água devem ser analisados?
As Resoluções Conama 357 e 396 trazem uma listagem com mais de trinta parâmetros que podem ser analisados. Quais são os mais relevantes para assegurar a tomada de decisão que permite oferecer água de qualidade ao rebanho? Também é preciso considerar na escolha dos parâmetros a capacitação técnica do laboratório que fará a análise, bem como o custo dessa análise.

Considerando esses fatores, recomenda-se que no mínimo sejam analisados os seguintes parâmetros:

concentrações de nitrato e
sólidos totais dissolvidos e presença de coliformes termotolerantes e de Escherichia coli.

A análise de sólidos totais dissolvidos indica a concentração de minerais como cálcio, magnésio, enxofre, sódio e cloro.
Os animais podem consumir água com alta concentração de sólidos por poucos dias, sem afetar o desempenho.
A tolerância dos animais varia com a espécie, a idade, a necessidade de água, a estação do ano e a condição fisiológica. O principal efeito clínico do excesso de minerais na água é a diarréia.
O nitrato pode estar presente nas águas advindo de fertilizações minerais e orgânicas e de resíduos agrícolas, humanos e industriais. O nitrato é palatável e o envenenamento pela alimentação pode ser causado quando os animais ingerem plantas ricas no elemento e também quando os animais ingerem muita uréia ou algum fertilizante nitrogenado aplicado na lavoura.
O elemento em si não é tóxico para os animais, mas sua forma reduzida, o nitrito, sim. O nitrito é cerca de dez vezes mais tóxico para os ruminantes do que o nitrato.
Água, alimento e outras fontes têm efeito cumulativo no organismo dos animais, portanto todas as fontes devem ser consideradas na toxidez ao elemento.
Tanto para ruminantes como para monogástricos os sinais clínicos de toxidez por esses dois elementos são de difícil detecção. Sangue de cor castanha é uma característica do envenenamento por nitrato.
Águas contaminadas com nitrato causarão maior frequência intoxicações crônicas do que agudas. Como a morte é causada pela deficiência de oxigênio, o animal não deve ser submetido a grandes movimentos e deslocamentos a fim de minimizar o uso de oxigênio.
A administração de uma solução de 2% de azul de metileno auxilia na reconversão de meta-hemoglobina em hemoglobina, aumentando o transporte de oxigênio e a capacidade do sangue em reverter o processo.
Esse tratamento pode ser repetido, pois a absorção de nitrato continuará se o rúmen estiver cheio. Óleo mineral ou substâncias oleosas podem ser administradas por via oral para proteger as mucosas irritadas, auxiliar a reduzir a absorção de nitratos e favorecer sua eliminação.
As análises microbiológicas têm a função de determinar a qualidade sanitária da água. A presença desses microrganismos oferece maior risco para animais jovens do que para adultos.
Fezes humanas e estercos animais são contaminantes comuns em águas, principalmente quando as fontes são rios, lagoas ou tanques. As águas contaminadas podem contribuir para surtos de doenças, podendo ocasionar mastites, infecções do trato urinário, diarréia, etc. Bebedouros devem ser colocados sempre acima do nível do solo. Isso reduzirá o risco de contaminação microbiológica da água.
Os raios ultravioletas do sol são um mecanismo natural e eficiente de controle. A prática da cloração da água, simples e de baixo custo, pode ser utilizada em casos de contaminação por coliformes termotolerantes e Escherichia coli.
Considerações Finais
O Brasil possui riqueza hídrica, mas quando se objetiva a produção de proteína animal com qualidade, não basta ter oferta de água, pois o volume não é único parâmetro a ser considerado.
É preciso que o recurso também esteja disponível com qualidade. É fato que a água é o principal alimento de um animal, por isso servi-la com qualidade deve ser um objetivo cotidiano na unidade de produção.
Nossas águas estão expostas a várias ameaças qualitativas como:
falta de saneamento urbano e rural,
urbanização e industrialização,
intensificação dos sistemas agropecuários,
fragilidade dos órgãos de fiscalização e
desconhecimento dos princípios de manejo hídrico na produção animal por parte dos produtores e profissionais agropecuários.

Se mantivermos essa realidade de não entender que qualidade da água é um manejo intrínseco à produção animal, o impacto negativo das ameaças será cada vez maior, tendo como consequência perdas econômicas e de reputação frente aos consumidores.

Para que as ameaças e os riscos sejam minimizados a conservação da qualidade da água deve fazer parte da cultura produtiva. Quanto mais internalizada e exercitada essa cultura hídrica, maior potencial da unidade de produção gerar produtos seguros e manter bons índices zootécnicos, além de garantir a saúde dos trabalhadores, a qualidade ambiental e a viabilidade econômica.

Entender a água não como um recurso abundante, mas como um recurso e um insumo a serem preservados, conservados e manejados garantirá sua oferta com qualidade.

 

HIGGINS, S. F.; AGOURIDIS, C. T.; GUMBERT, A. A. Drinking Water Quality Guidelines for Cattle. Lexington: University of Kentucky, 2012. Disponível em: http://www2.ca.uky.edu/agc/pubs/id/id170/id170.pdf. Acesso em: 22 de ago. de 2013.
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Julio Cesar P. Palhares, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos, SP

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