O mesmo acontece com aqueles que se dedicam a estudar os mecanismos necessários para a correta nutrição dos animais. Por isso, compreender profundamente as duas áreas (imunologia e nutrição) é tarefa para poucos… mas, afinal, por que o nutricionista precisa entender sobre resposta imune? O que há por trás dos “soldadinhos que nos defendem das doenças”? |
RECONHECENDO O INIMIGO
Vários mecanismos são utilizados pelo sistema imune para cumprir sua função primordial de defesa, com respostas iniciais da imunidade inata, seguidas pelas reações tardias da imunidade adquirida. Trabalhar com dois níveis diferentes de resposta imune é uma forma de contornar a diferença nas taxas de evolução entre os patógenos e seus hospedeiros (Klasing 2007).
Aves e suínos se reproduzem apenas algumas vezes ao ano, especialmente no ambiente natural, onde grande parte da evolução destas espécies ocorreu. Por outro lado, a evolução dos patógenos é muito mais rápida, uma vez que parasitas, bactérias e vírus podem se multiplicar em questão de dias, horas ou minutos.
A primeira linha de defesa é chamada de imunidade inata, natural ou nativa. Este componente do sistema imune é filogeneticamente muito antigo e está presente mesmo em plantas e insetos, inclusive nos indivíduos saudáveis. A imunidade inata é responsável por bloquear a entrada de microrganismos e eliminar rapidamente aqueles que conseguem chegar aos tecidos do hospedeiro. Seus mecanismos compreendem barreiras físicas, químicas e biológicas, além de componentes celulares e moléculas solúveis.
A resposta imune adquirida possui especificidade e diversidade de reconhecimento, memória, especialização de resposta, autolimitação e tolerância a componentes do próprio organismo. Por outro lado, a ação do sistema imunológico inato independe de estímulo prévio e normalmente sua resposta será a mesma em encontros repetidos com um patógeno (sem memória).
Além delas, moléculas expressas por células danificadas do hospedeiro (DAMP) também podem ser reconhecidas pelo sistema inato. Neste último caso, conteúdo mitocondrial ou fragmentos de DNA e RNA podem ser reconhecidos como indicativos de que houve danos às células do indivíduo.
No caso dos PAMP, os receptores de reconhecimento de padrões evoluíram para identificar estruturas que são geralmente essenciais para a sobrevivência e infectividade dos microrganismos, ou seja, que normalmente são conservadas evolutivamente. Dessa forma, os patógenos seguem sendo reconhecidos mesmo após mutações ou quando não expressam seus alvos de reconhecimento.
AMIGO OU INIMIGO?
A resposta imune inata é muito rápida, mas relativamente inespecífica. Na prática, uma ampla gama de substâncias (ácidos nucleicos, lipídios da parede celular, proteínas e carboidratos) pode atuar como PAMP. A regra geral é ser algo não encontrado no organismo do hospedeiro, mas que é componente comum em patógenos. Porém, isso não significa que os compostos que atuam como PAMP sejam encontrados exclusivamente em organismos patogênicos (Sato et al. 2009).
Exemplos de fontes não patogênicas de PAMP são as paredes celulares de diversas plantas e leveduras (Hsiao et al. 2006), que frequentemente são utilizadas para alimentação de humanos e animais. Além de desnecessária, esta ativação da resposta imune inata demanda o consumo de energia que poderia ser utilizada para outras
atividades metabólicas, como crescimento ou produção (Sato et al. 2009).
RESPOSTA IMUNE INDUZIDA PELO ALIMENTO
Os beta-mannanos podem ser encontrados na superfície de diversos microrganismo patogênicos e, por isso, sua presença no lúmen intestinal é identificada pelo sistema imune inato animal (PAMP).
Um exemplo está na Figura 2, onde a estrutura da parede celular da Candida albicans é apresentada.
A concentração de beta-mannanos em outros ingredientes é apresentada na Tabela 1. Quando os alimentos são ingeridos eles passam pelo processo de digestão e, nesse ponto, os beta-mannanos e outras substâncias que podem atuar como PAMP são liberadas (Hsiao et al. 2006). Esses elementos livres entram em contato com células do sistema imune presentes no trato digestório e provocam sua ativação.
O acionamento dos macrófagos se dá tanto pela fagocitose dos PAMP quanto por contato com receptores de superfície (Duncan et al. 2002), causando exacerbada sintomatologia inflamatória nos animais. Uma das hipóteses de atuação dos PAMP é através da estimulação do fator NF-kappa B.
Dentre os principais genes regulados pelo fator NF-kappa B estão:
- citocinas pró-inflamatórias,
- quimiocinas,
- enzimas inflamatórias,
- moléculas de adesão,
- receptores e
- inibidores de apoptose (Wang et al. 2009).
Para a completa sensibilização dos macrófagos são necessários no mínimo dois sinais, como por exemplo, a exposição a interferon-gama e a beta-mannanos ou LPS (Zhang & Tizard 1996; Duncan et al. 2002). No entanto, uma previa exposição dos macrófagos ao beta-mannanos pode torná-los mais reativos ao segundo sinal. Estudos apontam que o interferon-gama e beta-mannanos possuem sinergismo bilateral levando a uma ativação de macrófagos mais forte em comparação com outros mecanismos (Hibbs et al. 1988; Zhang & Tizard 1996).
Em última análise, a ativação do sistema imune induz repartição de recursos, onde parte da energia que seria utilizada para crescimento do animal é desviada para proliferação de células de defesa (Simoes Nunes et al.1991).
O processo interfere, portanto no potencial de desempenho dos animais.
OS CUSTOS NUTRICIONAIS DA RESPOSTA IMUNE
Os custos nutricionais da ativação e manutenção da resposta imune são difíceis de serem estimados uma vez que variam com inúmeros fatores, tanto do animal (ex: espécie e genética), como do patógeno (ex: virulência e período de exposição). Em geral, o sistema imune adaptativo é caro para ser desenvolvido, mas barato para ser utilizado.
Por outro lado,
o custo para o desenvolvimento da imunidade inata é bastante baixo, porém, os custos para sua ativação são altos e repetidos a cada encontro com o “patógeno empotencial” (Klasing 2007).
Além dos custos diretos da ativação da resposta imune, existem outras demandas que podem ser consideradas a longo prazo. Por exemplo, quando os processos pró-inflamatórios são mantidos, as consequências de comprometimento de tecidos e uso de nutrientes podem se prolongar por mais tempo. O estresse oxidativo é outra forma de indução de custos a longo prazo, embora os estudos nessa área ainda sejam bastante empíricos e a quantificação deste impacto seja complexa (Hasselquist & Nilsson 2012).
A proteção do organismo por um sistema imune eficiente é certamente necessária e positiva. Porém, os investimentos na imuno-competência podem afetar negativamente outras funções biológicas, como o crescimento dos animais, por conta dos custos nutricionais envolvidos.
Essa relação é especialmente válida quando a resposta imune é gerada por alimentos (FIIR), ou seja, por PAMP sem consequência fisiológica grave ou patogenia associada. Nestes casos, o custo da ativação virá sem benefícios. Nesses casos, as consequências nutricionais e econômicas de gerar uma resposta inflamatória são relacionadas inversamente com o desempenho dos animais (Lauridsen 2019). |
OS OUTROS “CUSTOS” DA FIIR E DOS BETAMANANOS
As consequências positivas da ativação do sistema imune são indiscutíveis e incluem a defesa do organismo e a promoção de respostas vacinais. Porém, também existem consequências negativas, especialmente nos casos em que a resposta imune é gerada sem a presença efetiva de um patógeno (como na FIIR).
Muitas dessas consequências são compartilhadas com doenças entéricas ou outras reações inflamatórias exageradas, como a redução na absorção de nutrientes, perda de fluídos e disbiose. Algumas dessas consequências negativas são listadas na Figura 4 e detalhadas a seguir.
O prejuízo no aproveitamento dos nutrientes pode ser agravado ainda mais no caso específico da ativação de resposta imune por beta-mannanos, pois estas substancias atuam diretamente sobre a absorção de nutrientes (Kipper et al. 2020). Os beta-mannanos são considerados fatores antinutricionais importantes, frequentemente relacionados com piora na viscosidade e aproveitamento nos nutrientes.
O consumo de dietas com alta viscosidade pode levar ao aumentar do trato digestório dos animais, provavelmente para compensar a alteração na taxa de passagem da digesta (Shastak et al. 2015). Como o trato digestório representa um custo metabólico relevante para o animal, essa alteração de tamanho pode impactar nas exigências nutricionais para mantença.
Por outro lado, o prejuízo absortivo associado aos beta-mannanos ocorre provavelmente devido sua interação com a glicocálix que leva ao espessamento da camada de muco e impede fisicamente a absorção. Alterações na liberação de hormônios e modificação no tempo de trânsito intestinal também foram observadas em decorrência da ação dos beta-mannanos (Simoes Nunes et al. 1991).
Com baixa glicemia, a insulina tende a ser secretada em menor quantidade podendo levar a menor absorção de amino ácidos estimulada pela insulina (Simoes Nunes et al. 1991). Aumento no consumo de água em frangos de corte também foi associado a dietas com alta concentração de beta-mannanos, assim como existem relatos de aumento na umidade de cama (Shastak et al. 2015).
As partículas de alimento não digeridas no lúmen intestinal também servem de substrato para o crescimento bacteriano indesejável.
Os processos inflamatórios colaboram para a disbiose, pois também alteram o ambiente oxidativo e metabolômico do intestino.
Em casos assim, a microbiota comensal benéfica e diversa pode ser alterada para uma população com diversidade reduzida e desenvolvimento de populações ruins para a saúde intestinal (Thoo et al. 2019).
A perturbação da integridade intestinal também é frequentemente acompanhada de aumento na permeabilidade, que pode colaborar para a perda de digestibilidade e absorção dos nutrientes, além de favorecer a passagem de toxinas e ou patógenos (Lauridsen 2019).
São reações negativas em cascata, cuja gravidade depende da extensão na ativação do sistema imune e também da coparticipação de outros desafios (sanitários, por exemplo). Entretanto, é importante que o nutricionista conheça e considere estes pontos na escolha dos ingredientes que irão compor as dietas dos animais, tanto aqueles que colaboram como fontes de beta-mannanos, como no uso da beta-mananase como ferramenta para contornar este desafio.
CONCLUINDO