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Ruminantes, metano e o aquecimento global

Ruminantes, metano e o aquecimento global

Os ruminantes, ao longo de milhões de anos de evolução, desenvolveram um dos melhores exemplos de simbiose da natureza: eles proveem abrigo, ambiente controlado e substrato para uma imensa gama de microrganismos ruminais que, em troca, digerem compostos para os quais os mamíferos não são equipados. 

Essa parceria permite ao ruminante acesso ao material mais abundante na natureza: a celulose. 

Mas os benefícios dessa parceria vão além: ela permite que várias formas de nitrogênio não proteico que entram no rúmen possam ser incorporadas na massa microbiana que, ao passar para o trato digestivo posterior, frequentemente é uma fonte de proteína mais relevante para o animal. 

É por esse motivo que podemos fornecer aos ruminantes a ureia como fonte de proteína.

O rúmen é um local de baixa concentração de oxigênio, com temperatura próxima aos 38oC e pH ligeiramente ácido. O conteúdo ruminal é constantemente renovado pela ingestão de alimentos, recebendo, continuamente, uma copiosa quantidade de saliva. 

[cadastrar]A saliva é rica em tamponantes, que ajudam a manter a estabilidade do pH ruminal. Esse conjunto de características o torna uma verdadeira dorna de fermentação, que é a forma como os microrganismos retiram energia do substrato que colonizam.

A população microbiana é composta por fungos, protozoários e bactérias, com destaque para esse último grupo em termos de quantidade e atividade. 

A biodiversidade é gigantesca e as quase infinitas interações entre eles estão longe de ser totalmente compreendidas, ainda que técnicas atuais de biologia molecular tenham permitido grandes avanços. O termo ecossistema ruminal, portanto, expressa bem do que estamos tratando. 

No processo de fermentação no ecossistema ruminal, enzimas dos microrganismos ruminais permitem o desdobramento de carboidratos estruturais, como a celulose e a hemicelulose, em carboidratos simples, como a glicose. É essa habilidade que nós, mamíferos, não temos. 

Os carboidratos simples são, então, fermentados para gerarem a energia necessária para os microrganismos.

Felizmente, a fermentação não é uma forma muito eficiente de extrair energia e seus produtos finais, portanto, ainda são ricas fontes de energia. Abaixo, uma simplificação do que ocorre na fermentação ruminal:

Glucose 🡪 

Ácidos Graxos de Cadeia Curta (AGCC) + Metano (CH4)

Os ácidos graxos de cadeia curta de relevância como fonte de energia são três: 

Com 2, 3 e 4 carbonos, respectivamente. Eles são absorvidos pelas paredes ruminais, entram na circulação e podem ser usados diretamente como fonte de energia pelos tecidos do animal ou serem aproveitados como matéria prima para produção de gordura ou glicose (neoglucogênese).

O produto final da fermentação é o metano que, em forma de gás, deixa o rúmen ao ser eructado pelo animal.

Apesar de ser uma perda energética, ele é parte fundamental do processo fermentativo ao ser o aceptor final na cadeia de elétrons. 

Mal ilustrando, seria como se ele fosse o último degrau da série de reações e, do mesmo jeito que a gravidade “puxa” o que estiver na parte de cima de uma escada para o último degrau, o metano se presta a esse papel de “puxador” da cadeia de elétrons. 

Assim, apesar dele ser um resíduo, tem papel fundamental para manter o processo fermentativo ruminal funcional. 

O metano é, também, um potente gás de efeito estufa (GEE) e, em que pese a contribuição dos ruminantes seja menor do que frequentemente se atribui, o fato trata-se do setor que mais rapidamente pode alterar sua trajetória e contribuir para a redução das concentrações de GEE, desde que métricas corretas sejam usadas (COSTA Jr. et al., 2021).

Uma das vantagens que o setor de ruminantes tem é que, ao contrário das atividades dependentes de C fóssilque precisam ser descarbonizadas, o que depende de mudanças custosas, no caso da pecuária boa parte da solução está em se colocar o C no lugar certo, ou seja, reduzir as perdas de metano e aumentar o sequestro de C no solo, por exemplo. 

A redução das perdas de metano entérico significam maior eficiência energética de produção. O aumento de C no solo, solos mais produtivos. 

Outra vantagem:  algumas estratégias que reduzem as emissões tem custo marginal negativo, ou seja, ao se investir para reduzir o metano, ao mesmo tempo, ganha-se mais dinheiro (DE OLIVEIRA et al., 2015). 

A manipulação do ambiente ruminal é uma das alternativas para a redução da emissão do metano entérico. Na Tabela 1, são mostradas as cinco rotas dominantes da fermentação ruminal. 

Tabela 1 – As cinco  rotas dominantes da fermentação ruminal 

Fonte: Capper (2021) baseado em dados de Johnson, 2010

A proporção em que cada uma contribui para a produção de energia depende do pH ruminal: Quanto mais o pH fica próximo da neutralidade, mas o balanço pende para as equações que produzem mais acetato e metano (4 e 5) e, do contrário, as rotas 1 e 2 tornam-se preferenciais, resultando em mais propionato e menos metano.

Em dietas ricas em volumosos, a concentração de hidrogênio no rúmen pode ser tão baixa quanto 0,001 μM, ou seja observa-se o pH mais próximo da neutralidade (pouco ácido), favorecendo o metabolismo pelas vias 4 e 5, ou seja, a mais metano por quilograma de matéria orgânica fermentada. 

Explica, também, a menor produção de metano quando os bovinos são alimentados com dietas ricas em concentrado, pois o pH ruminal nessa situação é mais baixo, devido à produção mais intensa de AGCC.

Nesse ponto, parece que a solução seria substituir nossa produção baseada em fibras por animais recebendo dietas de alto concentrado, o que tem sido a tendência nos confinamentos brasileiros. 

Nada mais longe da verdade, pois estaríamos abrindo mão dos nossos sistemas de produção baseados em pastagem que, na verdade, são a razão de termos nos tornados um dos maiores produtores e o maior exportador de carne do mundo. 

Vale ressaltar que não se trata de escolher entre uma opção ou outra, mesmo porque a inclusão do confinamento para terminação dos animais provenientes da pastagem é um sistema de produção interessante, entre outras tantas opções que caracterizam nossa variada pecuária.

Entender melhor a fermentação ruminal, de maneira a poder manipulá-la para rotas que sejam menos metanogênicas, reduzindo a produção de CH4 e, ao mesmo tempo, gerando mais eficientemente energia gerada no rúmen tem grande potencial. 

Um trabalho da Embrapa Pecuária Sudeste (ANDRADE et al, 2022) conseguiu interessantes relações entre a composição da dieta e o microbioma ruminal. Nele, as populações de microbioma foram identificadas em sua diversidade e abundância por técnicas de biologia molecular em duas dietas: uma com ingredientes convencionais e, outra, predominantemente de subprodutos. 

Foram identificadas diferenças significativas entre os microbiomas das dietas. 

Os resultados revelaram grupos de microrganismos que podem ser indicadores de emissão de CH4 e eficiência nutricional. 

Maiores esforços nessa linha continuam sendo feitos por esse grupo de pesquisa que podem ajudar muito na luta para reduzir as emissões de metano entérico, ao desvendar a complexidade do ecossistema ruminal.

Com reduções na emissão entérica teremos animais individualmente menos poluentes. Eles precisam ser criados em sistemas de produção que, também, ajudem na redução de metano, especialmente usando a métrica de quilogramas de CH4 por quilograma de carne produzida. 

Esses sistemas podem, ainda, sequestrar carbono, seja nos solos sobre as pastagens, seja nos troncos das árvores dos sistemas integrados. Dessa forma o Brasil tem a chance de continuar produzindo proteína animal de alta qualidade de maneira sustentável.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, B. G. N.; BRESSANI, F. A.; CUADRAT; R. R. C. et alli. 2022. Stool and Ruminal Microbiome Components Associated with Methane Emission and Feed Efficiency in Nelore Beef Cattle. Front. Genet. 13:812828.doi: 10.3389/fgene.2022.812828 (no prelo).

CAPPER, J. L. Opportunities and Challenges in Animal Protein Industry Sustainability: The Battle Between Science and Consumer Perception. October. 2020, An. Frontiers 10:4 7–13.
https://doi.org/10.1093/af/vfaa034

COSTA JR. C, WIRONEN M, RACETTE K, WOLLENBERG, E. 2021. Global Warming Potential* (GWP*): Understanding the implications for mitigating methane emissions in agriculture. CCAFS Info Note. Wageningen, The Netherlands: CGIAR Research Program on Climate Change, Agriculture and Food Security (CCAFS).

DE OLIVEIRA SILVA, R.; BARIONI, L. G.; ALBERTINI, T. Z.; EORY, V.; TOPP, C. F. E.; FERNANDES, F. A.; MORAN, D. 2015. Developing a nationally appropriate mitigation measure from the greenhouse gas GHG abatement potential from livestock production in the Brazilian Cerrado. Agric. Syst. 140:48–55. doi:10.1016/j.agsy.2015.08.011

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