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Uso de óxido de zinco e fibra dietética para leitões em fase de creche

Escrito por: Gabriel Augusto Martins e Costa - Universidade Federal de Lavras ASIH-NESUI , Izabel Cristina Tavares - Graduanda em Medicina Veterinária UFLA, ASIH/NESUI , Ludmilla Neves Franco Freire - Universidade Federal de Lavras ASIH-NESUI , Vinícius Cantarelli - Universidade Federal de Lavras ASIH-NESUI , Ygor Henrique de Paula - Universidade Federal de Lavras ASIH-NESUI

USO ATUAL DO ÓXIDO DE ZINCO
Em função de esforços globais para a redução no uso de antibióticos, novas estratégias têm sido avaliadas, como, por exemplo, ácidos orgânicos, óleos essenciais, probióticos, prebióticos e outros aditivos.
Mas queremos neste artigo dar um destaque especial ao uso de óxido de zinco (ZnO), que não é uma tecnologia nova, mas que apresenta mecanismos que impactam positivamente a manutenção da saúde intestinal de animais, principalmente em condições de desafios entéricos, sobretudo na fase de creche.
Por ter efeito bactericida, o ZnO impacta de forma benéfica à saúde intestinal, apresentando bons resultados na diminuição da diarreia, além  de outros mecanismos (ainda não elucidados completamente) que promovem a saúde integral, e contribuem para um bom desempenho produtivo.
Sabe-se que os benefícios deste aditivo são perceptíveis apenas com inclusão de altas doses (também conhecida como doses terapêuticas) na dieta, em torno de 2400 a 4000 ppm (Liu et al., 2018). No entanto, a dosagem utilizada atualmente pode contribuir para contaminação ambiental e, além disso, para a resistência bacteriana. Em função desses efeitos negativos, o uso de óxido de zinco vem sendo restringido.
MODO DE AÇÃO
Um dos mecanismos de ação do ZnO é exercer uma proteção aos enterócitos, inibindo a adesão e invasão por bactérias patogênicas (Roseli et al., 2003).
Além disso, esse aditivo age diretamente na inibição de canais basolaterais condutores de potássio, principalmente no cólon, alterando o transporte de íons na mucosa intestinal e reduzindo a secreção de fluidos. Como resultado, ocorrerá uma desidratação da digesta presente no lúmen, o que acaba por dificultar a proliferação de bactérias patogênicas (Fernandes et al.,2020).
No que se refere a modulação da microbiota, acredita-se que o óxido de zinco é capaz de estimular o desenvolvimento de bactérias benéficas que, por ação competitiva, acabam inibindo a proliferação de microrganismos indesejáveis.
Também é perceptível uma redução na permeabilidade intestinal e melhora da morfologia intestinal, com aumento do tamanho de vilosidades e da relação vilo/cripta (Liu et al.,2018).
CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E RESISTÊNCIA BACTERIANA
A utilização do óxido de zinco em altas dosagens tem como consequência o aumento da sua concentração deste mineral nos dejetos dos animais, podendo gerar uma contaminação ambiental quando não recebem um destino adequado, visto que o zinco é um metal pesado com alta capacidade de acúmulo no solo. Outro ponto a ser considerado é que o uso do óxido de zinco nas formulações com altas doses e em períodos prolongados, pode contribuir para a resistência bacteriana.
PERSPECTIVAS PARA USO DO ÓXIDO DE ZINCO
Com base na conclusão de que os benefícios do uso de óxido de zinco na prevenção da diarreia não superam os riscos para o meio ambiente, em 2017, a European Medicines Agency (EMEA) recomendou a restrição no uso de todos os produtos veterinários que tenham o metal como base em suas formulações. E no mesmo ano, a Comissão Europeia adotou esta recomendação, determinando que todos os países membros da União Europeia cessassem o uso, com prazo  máximo de cinco anos.

No Brasil, restrições deste tipo ainda não estão sendo aplicadas, mas já estão em pautas de discussões e é de se esperar que em um futuro próximo elas sejam implantadas, principalmente para garantirmos uma agenda de exportação no mercado internacional. Por isso, alguns estudos já vêm sendo realizados a fim de contornar os efeitos negativos do uso do óxido de zinco em doses terapêuticas.
NOVAS ALTERNATIVAS[registrados]
Assim como ocorre com os antimicrobianos, não existe entre os pesquisadores expectativa de se encontrar um produto único que substitua a utilização do óxido de zinco em doses terapêuticas. Assim, o que se espera é uma ação conjunta de diferentes princípios. Com base nesta afirmativa, aditivos que apresentam bons resultados como alternativa ao uso dos promotores de crescimento vêm sendo cada vez mais estudados.
Portanto, com o intuito de se substituir o uso tradicional do ZnO no controle da diarreia pós desmame, existem atualmente duas opções:

Um ponto importante que explica o uso tradicional de ZnO é que no estômago ocorre o processo de ionização ao qual anula sua função e, portanto, é necessário a inclusão em altas doses na ração. Uma alternativa é o próprio zinco, porém encapsulado. Nessa forma, o zinco contém um revestimento lipídico que permite sua passagem pelo estômago sem ser alterado, chegando ao intestino intacto, onde a ação da lipase sobre a cápsula lipídica promove a liberação do zinco para atuar no trato digestório.
Com base nisso, mesmo em baixas concentrações, o zinco pode ter seu efeito farmacológico, podendo reduzir a diarreia por ações antimicrobianas, modulação da microbiota, proteção de barreira intestinal além de estimular o sistema imune.
Kim et al. (2015), verificaram que a inclusão de 100 ppm de óxido de zinco encapsulado tem efeito semelhante à inclusão de 2500 ppm do óxido de zinco convencional sobre o desempenho, diarreia e morfologia intestinal, quando fornecidos a leitões desmamados aos 25 dias e desafiados com E. coli K88+.
Entretanto, logo após o desmame ocorre uma redução na atividade da lipase, que por se tratar de uma enzima substrato-dependente é liberada em menor quantidade quando o animal deixa de receber o leite materno e sofre os estresses do desmame, e consequentemente, ingerem menor quantidade de lipídeos. Este fato deve ser levado em consideração para os animais recém desmamados que recebem o zinco encapsulado, pois a liberação do ZnO depende da ação enzimática sobre os lipídeos da cápsula.
Diferentes trabalhos demonstram a eficiência de uma mistura de ácidos orgânicos (AO) contra patógenos intestinais. Isso se dá principalmente ao fato dos AO conseguirem baixar o pH luminal, somado ao efeito antiinflamatório de algumas bactérias produtoras de butirato que proliferam com este aditivo. Importante salientar que devido à interação do ZnO tradicional com ácidos, ao utilizar uma baixa dose de AO combinada com a quantidade praticada atualmente de ZnO, se percebe uma
neutralização dos ácidos e ineficácia de seu fornecimento.
Por outro lado, o efeito bactericida e bacteriostático previsto para os AO é potencializado quando combinado com formas alternativas de ZnO, podendo então ser incluído em menores concentrações na dieta, representando uma potencial fonte de economia na ração.
Uma outra opção a ser considerada é a adição de fibras na dieta em função de desempenharem importante função de modulação de microbiota intestinal,  melhora na morfologia intestinal e também maior atividade enzimática, possibilitando o uso de baixas doses do óxido de zinco.
USO DE FIBRAS PARA LEITÕES EM FASE DE CRECHE

Por que fibras insolúveis e solúveis?

A fibra dietética é classificada de
acordo com sua solubilidade na água,
sendo dividida em: solúvel e insolúvel.
Cada um desses grupos age de
maneira destinta no trato digestório,
possuindo diferentes tempos de
passagem e taxas de fermentação.
Geralmente, os ingredientes fibrosos
possuem os dois tipos de fibra, porém
a proporção é variável nos diferentes
ingredientes.

As fibras dietéticas são amplamente usadas em outras fases da suinocultura, porém sua inclusão em dietas para leitões em fase de creche ainda é baixa. Este aditivo é historicamente considerado como antinutritional, principalmente em função de reduzir a digestibilidade de certos nutrientes e de atuar como limitador de consumo em alguns casos.
Porém, pesquisas atuais vêm demonstrando os benefícios das fibras para a saúde intestinal, microbiota e sistema imune, contribuindo para a melhora no desempenho e garantia de saúde no momento pós desmame.
Podemos definir fibras como carboidratos que são indigestíveis por enzimas endógenas, composta basicamente por polissacarídeos não amiláceos e lignina. Generalizando, a fibra dietética inclui componentes da parede celular vegetal, como a celulose e hemicelulose, e outros estruturais e não estruturais de amidos resistentes a digestão, como inulina, ß-glucanos, pectina e oligossacarídeos (Jha et al., 2019).
Tendo em vista a diversidade de componentes que podem ser classificados como fibra, e que cada fonte de fibra possui uma composição diferente, se torna fundamental no momento da formulação, o conhecimento acerca da quantidade de fibra solúvel e insolúvel presente na fonte utilizada. Visto que esses dois grupos possuem ações diferentes no trato digestório.
É importante ressaltar que os resultados atuais do uso de fibra na fase de creche ainda são relativamente escassos, sendo que a principal justificativa para este fato está relacionada com as variações nas características das fibras, a determinação dos níveis de inclusões e a severidade de desafios encontrados pelos leitões (Qingyun et al., 2020). De qualquer forma, destaca-se que as perspectivas para a inclusão de fibras na dieta de leitões recém desmamados são promissoras, principalmente em função do atual cenário de redução do uso de antibióticos.
MODO DE AÇÃO DAS FIBRAS
As fibras insolúveis possuem a capacidade de estimular o peristaltismo e reduzir o tempo de passagem da digesta pelo trato digestório, o que dificulta a proliferação de bactérias patogênicas e diminui a sensação de saciedade, estimulando o consumo. Outro benefício desse tipo de fibra é sua capacidade de absorver água do lúmen
intestinal, o que também diminui a proliferação de bactérias patogênicas, além de aumentar a consistência fecal. As fibras insolúveis sofrem fermentação lenta e, portanto, estão pouco relacionadas com a produção de ácidos graxos de cadeia curta (Chen et al., 2020).
Por outro lado, as fibras solúveis são facilmente fermentáveis no intestino grosso, gerando a produção de ácidos graxos voláteis (AGVs), como acetato, butirato e propionato. Esses compostos servem como substrato para as células intestinais, e assim promovem melhora no crescimento e na função de barreira intestinal que, consequentemente, melhoram a defesa do organismo contra patógenos. A produção dos AGVs também contribui para redução do pH intestinal, o que dificulta a proliferação bacteriana (Qyngun et al., 2020).
As fibras solúveis tornam a digesta mais densa, dificultando a digestão e aumentando o tempo de passagem. Como possíveis consequências destas características, estão à proliferação de bactérias patogênicas e a redução do consumo, devido ao prolongamento da sensação de saciedade (Zhao et al., 2018). Por outro lado, um tempo de passagem muito curto pode prejudicar a digestão e absorção de certos nutrientes.

Reitera-se que efeitos benéficos e maléficos de cada tipo de fibra dependem muito da fonte utilizada e da quantidade de cada tipo de fibra presente.

FONTES DE FIBRAS

Um aspecto interessante sobre as fontes de fibras é que podem ser provenientes de diferentes indústrias, como por exemplo, da produção de açúcar, etanol, ou até mesmo de derivados da madeira. Em função de serem subprodutos, geralmente possuem menores preços, contribuindo para a redução do custo total da ração.
Existem também ingredientes que já são conhecidos por possuírem uma maior proporção fibrosa, tais como o trigo e a aveia.

Existe também a possibilidade do uso de fibras funcionais que substituem em até 100% ingredientes que são fontes de fibras. Estes permitem um controle ainda maior da quantidade de fibra solúvel e insolúvel presente na dieta, além de terem benefícios no que se refere a gestão logística de grãos e melhor segurança, principalmente quanto as micotoxinas.
RESULTADOS COM USO DE FIBRA
Na Tabela 2 estão demonstrado alguns efeitos da adição de diferentes fontes de fibras na dieta. É importante mencionar que em boa parte desses trabalhos não foram utilizados antibióticos como promotores de crescimento.

POSSÍVEIS EFEITOS SINÉRGICOS
Tendo em vista que certas fontes de fibras podem causar prejuízos ao processo de digestão, em função de serem de difícil degradação, a adição de enzimas exógenas na ração pode facilitar a digestão e potencializar os efeitos benéficos das fibras.
Por outro lado, devido a modulação positiva da microbiota causada pelas fibras dietéticas, estas podem contribuir para uma melhor digestão de outros ingredientes. Por exemplo, Fernandes et al (2020) observaram um efeito sinérgico da adição de fibras funcionais a uma dieta contendo óxido de zinco encapsulado.

EFEITO DO ÓXIDO DE ZINCO ENCAPSULADO E DA FIBRA DIETÉTICA SOBRE DESEMPENHO E SAÚDE INTESTINAL DE LEITÕES NA FASE DE CRECHE

Tendo em vista as demandas e oportunidades relacionadas com uso de óxido de zinco e fibra dietética citadas anteriormente, este trabalho realizado por Fernandes et al. (2020) buscou avaliar o efeito do óxido de zinco e baixas doses do óxido de zinco encapsulado, com ou sem a adição de fibra dietética, em leitões desmamados desafiados com Escherichia coli K88+.
MATERIAL E MÉTODOS
Um total de 112 leitões desmamados com 21 dias de idade foram divididos em 4 grupos: dieta basal com óxido de zinco (ZnO), dieta basal com óxido de zinco e fibra dietética (ZnO + FD), dieta basal com óxido de zinco encapsulado (LZnO), e dieta basal com óxido de zinco encapsulado e fibra dietética (LZnO + FD). As dosagens utilizadas de cada aditivo estão exemplificadas na Tabela 3. No 6° e 7° dia do experimento, os animais foram inoculados com cepas de Escherichia Coli K88+.

As variáveis analisadas foram: desempenho, incidência de diarreia, morfologia de jejuno, microbiologia fecal, digestibilidade e concentração de ácidos graxos voláteis nas fezes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No presente estudo não foram observadas diferenças nas contagens microbiológicas para as espécies analisadas (Escherichia coli, coliformes totais, coliformes não E. coli, e Lactobacillus spp.) entre os tratamentos. Também não houve diferença estatística em relação aos coeficientes de digestibilidade e morfologia de jejuno.
No que se refere a concentração de ácidos graxos nas fezes, os animais que receberam fibra tiveram uma tendência a apresentar maiores concentrações de propionato.
Em relação ao desempenho na primeira semana, foi observado que os animais que receberam fibra tiveram um melhor consumo de ração (118g x 93g) e melhor ganho de peso (101g x 74g) do que os animais que não receberam, comprovando um efeito benéfico da fibra em estimular o consumo.
A Figura 1 demonstra a incidência de diarreia no período. É perceptível que os animais que receberam o zinco encapsulado apresentaram maior incidência de diarreia. A principal justificativa para este fato é a falta de enzimas, principalmente a lipase, capazes de degradar a cápsula deste aditivo, dificultando sua ação no trato digestório posterior.


Como mencionado anteriormente, é natural uma diminuição da lipase no primeiro momento pós desmame, o que pode dificultar o uso do óxido de zinco encapsulado neste período. Por outro lado, a fibra foi capaz de aumentar a atividade enzimática (por proporcionar um efeito de aproximação da enzima e do substrato, também chamado de efeito esponja) e, consequentemente, melhorar a quebra da cápsula, resultando em menor incidência de diarreia pelo grupo LZnO + FD, quando comparado ao LZnO. Em relação ao peso final, Figura 2, percebe-se que não houve diferença estatística, apenas numérica, entre os grupos ZnO e LZnO + FD.

CONCLUSÕES
Com isso, podemos concluir que o LZnO sozinho não conseguiu exercer efeitos benéficos para leitões na fase de creche e, a principal justificativa para o pior desempenho do grupo LZnO é a incapacidade de degradação da cápsula do óxido de zinco. Os efeitos benéficos da fibra sobre a atividade enzimática e melhora de consumo na primeira semana foram capazes de melhorar o desempenho, mesmo com uma maior incidência de diarreia. Por fim, o fornecimento de baixos níveis de óxido de zinco encapsulado associado à inclusão de fibras dietéticas garantiu o mesmo peso final que o fornecimento de altas doses de ZnO, e também, reduziu a diarreia quando comparado ao LZnO.

Autores:

Gabriel Augusto Martins e Costa

Izabel Cristina Tavares

Ludmilla Neves Franco Freire

Ygor Henrique de Paula

Vinícius Cantarelli

Universidade Federal de Lavras – UFLA

(ASIH-NESUI)

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