Para ler mais conteúdo de nutriNews Brasil 4 Trimestre 2021
As aves são animais homeotérmicos que mantêm a temperatura corporal ao longo do ano; no entanto, os mecanismos termorreguladores são eficientes apenas em zonas termoneutras (faixa de temperatura ambiental dentro da qual a ave é capaz de manter sua temperatura corporal sem aumentar sua taxa metabólica basal).
A zona termoneutra para aves pode variar aproximadamente de 21 a 37°C, a depender de fatores como:
O calor no corpo das aves pode ser gerado em função do próprio metabolismo (e.g. glicólise, ciclo do ácido tricaboxílico, via das pentoses fosfato) e de atividade muscular. As concentrações de enzimas, vitaminas e hormônios, atividades físicas, consumo de oxigênio, temperatura e umidade do ambiente e os ciclos circadianos também afetam a quantidade de produção de calor no corpo das aves.
Quando as aves se encontram acima da zona termoneutra, a depender da intensidade e duração da temperatura elevada, os animais buscam o aumento da dissipação de calor para manter a homeostase térmica.
Os mecanismos de perda de calor podem ser comportamentais como:
Deitar-se para manter o peito em contato com o chão, e assim aumentar a superfície de contato para perda de calor por condução,
Aumentar a frequência respiratória de forma ofegante com o bico aberto para perda de calor por evaporação
Pode aumentar a ingestão de água, e
Abrir as asas para perda de calor por convecção.
A depender da severidade do estresse calórico, a ave recorre a mecanismos fisiológicos específicos, que pode levar ao aumento do pH e cortisol séricos, até interrupção de expressão gênica e gerar a presença de proteína de choque térmico.
Estima-se que uma ave pode perder cerca de 540 kcal de energia para cada 1 ml de água evaporada.
A depender do mecanismo adotado, a energia corporal é despendida para realização de algumas dessas funções, e pode alterar a retenção de proteína e gordura corporal, e o crescimento, o desenvolvimento e o desempenho desses animais podem ser prejudicados nessas condições de desconforto térmico, podendo levar a perdas econômicas consideráveis na atividade de criação.
Além disso, a depender do nível de estresse calórico, também pode ocorrer o comprometimento do status imunológico do animal, facilitando o acometimento de infecções por agentes patogênicos, causar danos oxidativos e levar a imbalanço ácido-básico, tornando os animais mais susceptíveis a doenças.
Um estudo avaliando os efeitos do aumento de 5°C na temperatura ambiente (dos 30 para os 35°C) sobre o consumo de ração e ganho de peso de aves, constatou redução em ambos os parâmetros em mais de 16%. Em outro estudo, a exposição ao estresse por calor por 50 minutos foi capaz de desencadear mudanças de resposta termorregulatória em frangos, tais como hipertermia.
De forma a amenizar parte desses problemas, a avicultura moderna adota o uso de alguns equipamentos já bem explorados a campo, como por exemplo, os ventiladores, aspersores, nebulizadores, atomizadores e exaustores, buscando adequar o ambiente para máxima eficiência produtiva no decorrer das fases de criação.
Além desses equipamentos e de todo manejo para propiciar melhor ambiência aos animais, a suplementação de vitaminas, minerais, antioxidantes, betaína, e o emprego de outras tecnologias vem sendo explorada, como por exemplo, o uso de aditivos fitogênicos e suplementos herbais.
Os aditivos fitogênicos são comumente definidos como compostos vegetais secundários e seus metabólitos com efeitos benéficos sobre a saúde e a produção animal.
O uso de aditivos fitogênicos é considerado mais recente comparado a outros aditivos alternativos como os prebióticos, probióticos e os ácidos orgânicos e, por consequência, os exatos modos de ação ainda não são completamente compreendidos.
Entre os compostos fitogênicos, os óleos essenciais são os mais explorados, e determinados óleos possuem algumas propriedades de interesse para avicultura por serem bactericidas, antifúngicos, anti-inflamatórios e antioxidantes.
Apesar do desconhecimento dos exatos mecanismos de ação, alguns desses efeitos são atribuídos a determinadas substâncias presentes em suas composições químicas, que ajudam a minimizar os efeitos deletérios causados pelo estresse calórico.
Determinadas classificações dos compostos fitogênicos destacam como os principais grupos aqueles que possuem:
taninos,
saponinas e
polifenóis.
No que diz respeito aos polifenóis, esses são substâncias caracterizadas por possuírem uma ou mais hidroxilas ligadas a um ou mais anéis aromáticos, e constituem de forma geral as principais substâncias bioativas da maioria dos extratos vegetais.
Nesse contexto, o óleo essencial oriundo do eucalipto é rico em compostos bioativos como 1,8 cineol, que possui atividade antimicrobiana, e outros compostos como o alfa-felandreno, para-cimeno, gama-terpineno e espatulenol, que de modo sinérgico, propiciam benefícios ao organismo de animais submetidos a estresse térmico.
Em um estudo em que foi avaliado um blend de óleos essenciais tendo como base o óleo essencial de Eucalyptus globulus, fornecido via água de bebida para frangos de corte submetidos a dois diferentes ambientes com temperaturas de 22 ou 36°C, maior ganho de peso e consumo de ração foi constatado para os animais em condição de estresse térmico recebendo o blend fitogênico, em comparação aos animais que foram alojados em ambiente com temperatura amena.
Além disso o blend proporcionou redução na concentração de substâncias reativas ao ácido tiobarbutírico (Tbars) nos animais tratados.
Em outro estudo, em que óleo de eucalipto foi fornecido na água de bebida e aplicado via spray para frangos de corte submetidos a estresse térmico em temperatura de 32°C, foi constatada a diminuição de hematócrito, sendo esse um indicativo de adaptação das aves ao estresse térmico.
Tendo em vista que a principal forma de termólise endógena da ave é evaporação que ocorre via respiração ofegante, que por sua vez ocasiona aumento da frequência respiratória, as taxas de trocas gasosas podem ser afetadas negativamente, resultando em distúrbios metabólicos, como por exemplo a alcalose.
Quando a ave é submetida a um ambiente em que há o aumento da respiração ofegante, um mecanismo fisiológico adotado pelo organismo da ave é o aumento de hematócrito na tentativa de compensar a baixa taxa de troca gasosa.
Sendo assim, essa pode ser uma alternativa viável aqueles animais que permanecem mais tempo no ciclo produtivo, como matrizes e poedeiras comerciais, que podem adquirir adaptabilidade a temperaturas mais elevadas quando o óleo de eucalipto é administrado.
Além dos benefícios relacionados ao estresse calórico, estudos avaliando a inclusão de aditivos fitogênicos a base de eucalipto mostram a capacidade antimicrobiana contra agentes infecciosos como Mycoplasma gallisepticum, influenza aviária H9N2, Escherichia coli, Candida albicans, Streptococcus pyogenes, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter baumannii.
Outro óleo de interesse zootécnico com benefícios para utilização no verão é o óleo hortelã, que por sua vez é rico em substâncias bioativas como o eugenol, alfa-tocoferol, mentol, carvanona, limoneno e mentona, além de conter outros flavonoides. O alfa-tocoferol, conhecido como vitamina E, é um potente antioxidante natural, e tem mostrado benefícios na avicultura em diversos aspectos, inclusive aqueles relacionados ao estresse térmico.
Os flavonoides são substâncias metabólicas secundárias da classe de polifenóis que também apresentam efeitos benéficos as aves susceptíveis a estresse calórico.
A inclusão de um aditivo fitogênico rico em flavonoides na dieta de frangos de corte, submetidos a um ambiente com aumento de temperatura de 6°C e redução de umidade ambiental em 21,5% por cinco dias, resultou em redução de comportamentos característicos de estresse térmico, como bico e asas abertas, nas aves suplementadas com o aditivo fitogênico.
Além disso, alguns desses compostos fenólicos podem agir como antioxidantes, aumentando a atividade de enzimas que desempenham esse papel e inibe processos oxidativos. O mentol por sua vez, que se encontra em abundância na hortelã, possui a capacidade de ativar receptores específicos nos neurônios sensitivos chamados canais potenciais de receptores transitórios.
Esses receptores são localizados no trato digestivo e na cavidade oral das aves, desempenhando funções que vão desde o controle da motilidade, dor e hiperalgesia, funções da mucosa, homeostase, paladar, até a funções de quimio e mecanossensação e termorregulação. Quando os canais potenciais de receptores transitórios são estimulados pelo mentol, além de ser gerada a sensação de resfriamento, a entrada de ar é facilitada, o que confere alívio na respiração dos animais.
Com o tempo e os apelos a respeito das mudanças climáticas para o futuro, o estresse calórico será um desafio cada vez maior na avicultura industrial. De forma a mitigar essa realidade, além da adoção de estratégias de criação, gerenciais e ambientais modernas que podem minimizar os efeitos deletérios do calor na produção e qualidade da carne na avicultura, existe também o universo de possibilidades no uso de substâncias fitogênicas, que vêm apresentando resultados interessantes, sendo essa uma alternativa a ser considerada para implementação nas estratégias da agroindústria.
As referências podem ser disponibilizadas mediante solicitação ao autor em sac@biochem.net
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