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Microbiota intestinal e sua modulação através da dieta em cães

Escrito por: Ananda Portella Félix - Zootecnista, formada pela UNESP/Ilha Solteira (2008), Mestre (2009) e Doutora (2011) em Nutrição animal, pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-doutorado em nutrição de animais de companhia pela University of Illinois at Urbana-Champaign. Atualmente é professora associada de nutrição animal, do Departamento de Zootecnia, da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora de nutrição de animais de companhia. , Eduarda Lorena Fernandes - Zootecnista pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente Mestranda em Ciências Veterinárias pela mesma instituição. , Heloísa Lara Silva - Zootecnista pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente Mestranda em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Paraná , Laiane da Silva Lima - Zootecnista pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente Mestranda em Ciências Veterinárias pela mesma instituição. , Lorenna Nicole Araújo Santos - Zootecnista pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente mestranda em ciências veterinárias, com ênfase em nutrição de cães pela mesma instituição. , Renata Bacila Morais dos Santos de Souza - Médica Veterinária, formada pela Universidade Federal do Paraná (2011). Atualmente mestranda em Ciências Veterinárias pela mesma instituição, sob orientação da profa. Dr. Ananda Portella Félix. É membro do Laboratório de estudos em nutrição de cães (LENUCAN) e membro organizadora do Grupo de Estudos em Nutrição de Cães e Gatos (GENPET) da Universidade Federal do Paraná. Trabalhou como coordenadora de projetos na empresa Organnact Saúde Animal (2012-2018).
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Microbiota intestinal e sua modulação através da dieta em cães

A microbiota presente no trato gastrointestinal é composta por uma ampla diversidade de microrganismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e protozoários (Suchodolski, 2021). Essa comunidade microscópica desempenha um papel fundamental no funcionamento do organismo e na manutenção da homeostase do hospedeiro.

Os cinco principais filos de bactérias que constituem o microbioma de cães e gatos são FirmicutesFusobacteriotaBacteroidotaProteobacteria e Actinobacteria.

 

Cada filo possui preferência específica por substratos para a fermentação, resultando na produção de diversos metabólitos, os quais podem ter efeitos benéficos ou adversos.

Alguns dos efeitos benéficos atribuídos aos metabólitos produzidos pela fermentação bacteriana, como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e ácidos biliares secundários, são efeito trófico e anti-inflamatório à mucosa intestinal.

Por outro lado, alguns compostos podem ser tóxicos para a mucosa, como algumas aminas biogênicas, amônia e fenóis, prejudicando o ambiente intestinal e por sua vez, interferindo na qualidade fecal (Garrigues et al., 2022).

A microbiota intestinal também desempenha funções relacionadas ao sistema imune, por meio da defesa contra patógenos intestinais não residentes (Suchodolski, 2011).

Dessa forma, quando a microbiota está em eubiose (equilíbrio), exerce um impacto direto nas funções do organismo, proporcionando suporte ao sistema imunológico (Arpaia et al. 2013; Suchodolski, 2016). No entanto, esse equilíbrio pode ser perturbado por diversos fatores, como:

(Schmidt et al., 2018; Vilson et al., 2018; Pilla et al., 2020).

Com base nisso, será abordado a seguir as principais bactérias relacionadas à saúde intestinal de cães e como a dieta pode auxiliar na sua modulação.  

 

Bactérias sentinelas do trato gastrointestinal

[cadastrar] Ao contrário da eubiose, as alterações na microbiota que impactam negativamente o hospedeiro são classificadas como disbiose.

A disbiose é caracterizada pela modificação e redução da diversidade microbiana no intestino, além de alterações na proporção de alguns microrganismos (Barko et al., 2017).

Recentemente, pesquisadores da Universidade Texas A & M criaram um algoritmo matemático, a partir de análises de qPCR, para determinar um índice de disbiose para cães e gatos.

 

Os pesquisadores identificaram 7 bactérias sentinelas, ou seja, microrganismos sensíveis a mudanças na homeostase intestinal, capazes de indicar um microbioma em eubiose ou em disbiose (Tabela 1).

Sendo elas Faecalibacterium, Turicibacter, Escherichia coli, Streptococcus, Blautia, Fusobacterium e Clostridium hiranonis (AlShawaqfeh et al., 2017).

Dessa forma, bactérias do gênero Faecalibacterium, Turicibacter, Blautia, Fusobacterium e Clostridium hiranonis encontram-se aumentadas em cães saudáveis, enquanto Escherichia coli e Streptococcus encontram-se diminuídas.

Em contrapartida, em animais com alguma enteropatia crônica ocorre o inverso, sendo Escherichia coli e Streptococcus encontrados em maiores quantidades.

Tabela 1: Bactérias sentinelas do trato gastrointestinal e os principais metabólitos produzidos

As bactérias do gênero Faecalibacterium desempenham papel significativo na produção de butirato, um metabólito que interage com receptores específicos que bloqueiam a sinalização de células T pró-inflamatórias, reduzindo, assim, processos inflamatórios no intestino (Zhou et al., 2018; Chen e Vitetta, 2018).

As bactérias do gênero Turicibacter, apesar de produzirem lactato em quantidades mínimas (Bosshard, Zbinden e Altwegg, 2002), desempenham um papel importante na regulação da produção de serotonina no intestino, contribuindo para a motilidade intestinal, e evidenciando a importante ligação entre o eixo intestino-cérebro (Vedovato et al., 2015; Fung et al., 2019).

Quanto às bactérias do gênero Blautia, sua fermentação gera ácido propiônico (Louis e Flint, 2016) que, conforme demonstrado por um estudo in vitro, exibe propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, ao inibir a proteína acessória CD14 (Hoyles et al., 2018).

Apesar de o gênero Fusobacterium, pertencente ao filo Fusobacteriota, estar associado a câncer colorretal em humanos (Goradel et al., 2018), esse gênero foi encontrado em maiores quantidades em cães saudáveis (Suchodolski et al., 2008; AlShawaqfeh et al., 2017).

Ainda, o Fusobacterium, beneficiando-se da fermentação proteolítica, produz butirato, que, além de ser fonte de energia para as células intestinais, exibe efeitos anti-inflamatórios (Louis e Flint, 2016).

Embora algumas espécies do gênero Clostridium possam causar problemas no hospedeiro, como Clostridium difficile (Martin, Monaghan e Wilcox, 2016), a espécie Clostridium hiranonis proporciona benefícios.

Responsável por converter ácidos biliares primários em ácidos biliares secundários (Blake et al., 2019), essa espécie parece auxiliar no controle de Clostridium difficile (Buffie et al., 2014). Além disso, os ácidos biliares secundários produzidos pelo C. hiranonis apresentam efeito anti-inflamatório no intestino.

Assim, a composição e diversidade da microbiota pode ser considerada um indicador de disbiose, sendo considerada um biomarcador importante da funcionalidade intestinal (Félix, et al., 2022).

Além disso, os metabólitos por elas produzidos, como as concentrações fecais de alguns AGCC, ácidos biliares primários e secundários e calprotectina, também podem ser utilizados como biomarcadores de saúde intestinal canina.

 

Efeito da dieta sobre a modulação da microbiota

Os ingredientes da dieta podem ser utilizados como substrato para o microbioma intestinal dos cães, desempenhando papel significativo na definição da composição e do metabolismo desse ecossistema microbiano.

Os alimentos para cães são formulados para fornecer os componentes nutricionais tradicionais como carboidratos, proteínas e gorduras, que dependendo da sua fonte e composição química podem exercer impactos distintos na composição e/ou função do microbioma canino (Wernimont et al., 2020).

Além disso, observa-se crescente inclusão de ingredientes direcionados a modulação do microbioma intestinal, como prebióticos e probióticos.

Pesquisadores do Laboratório de Estudos em Nutrição Canina da Universidade Federal do Paraná (LENUCAN – UFPR) conduziram estudos avaliando a influência de ingredientes e aditivos na microbiota de cães saudáveis da raça Beagle.

Ingredientes fundamentais, como fontes de proteínas e fibras, exibem notável capacidade de modular a microbiota intestinal dos cães.

 

No estudo conduzido por Kaelle et al. (2023), a utilização de grãos secos de destilaria com alto teor proteico (HPDDG) resultou em efeitos benéficos na modulação da microbiota, incluindo a redução do gênero Streptococcus.

Da mesma forma, a pesquisa realizada por Souza et al. (2021) destacou que a modulação da microbiota intestinal de cães pode variar conforme o tipo de fonte fibrosa empregada

Fontes de fibras solúveis, como a polpa de beterraba e a fibra da mandioca, resultaram em aumento de gêneros relacionados à eubiose, como Faecalibacterium e Blautia.

Enquanto fibras insolúveis, como a celulose, resultaram em menor capacidade de modulação da microbiota dos cães.

 

Além disso, o grupo investigou a inclusão de aditivos, como óleos funcionais, prebióticos e probióticos sobre a microbiota canina. Os óleos funcionais, derivados de plantas, possuem diversos benefícios à saúde animal (Windisch et al., 2008).

Em um estudo conduzido por Souza et al. (2023), a avaliação de um blend de óleos funcionais, contendo óleo de copaíba, castanha de caju e espécies de pimenteiras, revelou efeitos positivos sobre a microbiota fecal, resposta inflamatória e oxidativa em cães submetidos a estresse cirúrgico.

Tais efeitos incluem menor abundância relativa de Streptococcus e menor concentração sérica de NF-kB (fator nuclear relacionado a inflamação).

Ainda, o uso do óleo essencial de orégano associado à parede celular de levedura, conforme avaliado por Soares et al. (2023), melhorou a diversidade da microbiota e reduziu compostos putrefativos, como fenóis, resultando na diminuição do odor fecal.

Em relação aos probióticos, a suplementação com Saccharomyces cerevisiae também se mostrou benéfica para a microbiota fecal de cães submetidos a mudanças abruptas na dieta. A inclusão da levedura viva na dieta reduziu a presença de E. coli, especialmente quando associada a uma dieta com maior teor de fibra e proteína digestível (Bastos et al., 2023).

Ainda em relação aos probióticos, a inclusão da espécie Bacillus subtilis na dieta mostrou aumentar a diversidade de gêneros benéficos, como Faecalibacterium, conforme demonstrado por Lima et al. (2020).

Além disso, a suplementação com este microrganismo resultou em aumento do ácido propiônico e redução do odor fecal e de compostos nitrogenados, como as aminas biogênicas em cães (Bastos et al., 2020).

 

Considerações finais

A saúde dos cães é fortemente correlacionada com a microbiota intestinal, cuja composição e diversidade são diretamente impactadas pela dieta.

Dietas contendo proteínas de alta digestibilidade e fibras solúveis parecem melhorar o perfil do microbioma intestinal e seus metabólitos, aumentando bactérias relacionadas à eubiose e AGCC e reduzindo bactérias com potencial patogênico e compostos putrefativos.

Além disso, uma dieta enriquecida com aditivos como probióticos e óleos funcionais, pode ser interessante para melhorar a eubiose e a saúde e o bem-estar dos cães.

Referências bibliográficas sob consulta junto ao autor. [/cadastrar]

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