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Insetos na nutrição animal: fantasia ou realidade?
Ultimamente os insetos alimentícios assumiram um papel relevante entre os pesquisadores e empresários da nutrição animal em todo o mundo. Mas será essa mais uma efêmera especulação do mercado ou uma real solução para a crescente demanda global por alimentos sustentáveis?
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a população mundial chegará a cerca de 9,5 bilhões em 2050. Como o mercado consumidor tem sido cada vez mais exigente quanto aos alimentos que consome, principalmente quanto à origem e forma de produção dos animais, cabem às indústrias de produção e nutrição animal fornecer soluções sustentáveis para o abastecimento de alimentos no mundo.
Portanto, a disponibilidade de insumos alimentares provavelmente se tornará um dos principais obstáculos para a expansão sustentável da produção animal no mundo. Por décadas, pesquisadores e empresas têm buscado alimentos alternativos para substituir total ou parcialmente os ingredientes convencionais usados na nutrição animal.
Existem vários motivos, tais como:
Alto custo ou flutuações de preços
Oferta sazonal
Qualidade inconsistente
Origem com algum impacto, seja ambiental ou até social
Surge então a pergunta: quais características um alimento deve conter
para ser considerado ideal para nutrição animal?
Para atender a estas demandas e com base em estudos recentes, a FAO indica que o uso de insetos pode ser a resposta.
Importância dos insetos como alimento |
Ao se considerar um alimento ideal para nutrição animal, o mesmo deveria cumprir, resumidamente, algumas premissas mercadológicas, nutricionais e socioambientais. Desse modo, a matéria-prima ideal deve possuir:
Baixo custo
Constância de oferta
Padrão de qualidade
Alto valor nutricional
Não ser disputado no mercado para outros fins
Ao se levar em consideração todos esses aspectos, as opções de ingredientes para nutrição animal ficam totalmente escassas E é justamente nessa lacuna que os insetos surgem como potencial alimento para animais (e até humanos).
Este cenário vai de encontro a pauta mundial da sustentabilidade, sendo que a produção de insetos alimentícios cumpre com ao menos 10 das 17 Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Na figura abaixo, pode-se verificar a quantidade de gases de efeito estufa emitidos na produção de diferentes culturas animais.
Vale ressaltar também que é possível produzir insetos com pouca tecnologia, de maneira doméstica, o que permite a produção de proteína em lugares remotos, com limitados recursos naturais e/ou socioeconômicos.
O inseto pode até mesmo ser fornecido vivo aos animais, sem custos de processamento, possibilitando a oferta de um ingrediente de alta qualidade nutricional na atividade rural de subsistência.
Por fim, relembro que os insetos servem como alimento para animais desde que surgiram evolutivamente no planeta Terra, há mais de 450 milhões de anos.
Peixes, répteis, anfíbios, aves e mamíferos (incluindo o homem) sempre
comeram insetos.
Além disso, muito dos animais de produção que temos hoje, como aves de corte e poedeiras, suínos, peixes (várias espécies, tais como tilápia, tambaqui, truta, carpa, pirarucu, matrinxã, etc), e também animais de companhia, como cães, gatos, pássaros e alguns PETs não convencionais, são todos naturalmente insetívoros.
Portanto não há nada de muito inovador em tratar os insetos como ingrediente para nutrição animal. Inovadoras são as tecnologias que estão sendo desenvolvidas para sua produção massal, bem como o desenvolvimento de produtos, como prebióticos e outros aditivos a base de insetos, como veremos a seguir.
Espécies de insetos alimentícios |
É muito importante ressaltar que não é toda espécie de inseto que tem aptidão para ser fonte de alimento. Muitas inclusive podem ser venenosas. No mundo, há mais de 2000 espécies de insetos alimentícios catalogadas, sendo que grande parte se encontra no Brasil e nas regiões tropicais do planeta.
Ainda que exista uma ampla gama de espécies de insetos alimentícios, a indústria e os pesquisadores têm focado em algumas poucas espécies, como:
Besouros (ex: tenébrio comum e gigante)
Moscas (ex: mosca-soldado negra)
Baratas (ex: cinérea e de Madagascar)
Grilos (ex: preto e doméstico)
Composição nutricional dos insetos |
Insetos são ricas fontes de aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais. A composição nutricional dos insetos varia de acordo com:
Condições em que foi cultivado
Espécie e estágio de vida, ainda que dentro de uma mesma classificação taxonômica
De modo geral, os insetos mais utilizados como alimento para animais apresentam:
Os perfis de aminoácidos da maioria das espécies de insetos avaliadas como alimento para peixes mostram uma boa correlação com as exigências nutricionais das espécies piscícolas cultivadas. A larva de mosca-soldado negra possui um perfil de aminoácidos considerado próximo ao da farinha de peixe e globalmente melhor quando comparado ao farelo de soja.
Insetos geralmente possuem altos níveis de lipídeos, principalmente na fase larval. O perfil de ácidos graxos do óleo dos insetos pode ser fácil e rapidamente modulado pela alimentação do inseto, permitindo a incorporação de ômegas 3 e 6, como diversos estudos já demonstraram.
O óleo de inseto, por sua vez, tem se tornado um produto importante para as indústrias produtoras de insetos, como será mostrado mais adiante neste texto. De modo geral, insetos possuem baixa quantidade de matéria mineral, mas podem ser fonte de:
Os perfis vitamínico e mineral dos insetos dependem, em grande parte, da composição da dieta dos insetos. Por exemplo, a produção de larvas de tenébrio comum com diferentes dietas resulta em diferentes composições de vitaminas e minerais das larvas.
Insetos na nutrição animal |
Já não restam mais dúvidas do ponto de vista técnico sobre a eficiência em se utilizar insetos como alimento para animais monogástricos. Muitas foram as pesquisas realizadas ao redor do mundo sobre o uso de insetos na alimentação animal. Não tenho a intenção de fazer deste artigo uma revisão bibliográfica sobre os estudos já publicados nessa temática.
Trago aqui apenas algumas breves informações para que o leitor da nutriNews tenha conhecimento sobre os aspectos nutricionais e a eficiência deste alimento para aves, suínos, peixes e PETs.
Insetos na nutrição de aves |
Os insetos alimentícios podem ser fornecidos em forma de farinha, inteiros, desidratados ou até mesmo vivos, sendo esse último relativamente comum em produção de aves caipiras ou semiconfinadas por exemplo, para diminuir a bicagem de penas, melhorar o bem-estar animal ou diminuir o estresse ambiental nesse setor (Oddon et al., 2019; Veldkamp & Van Niekerk, 2019).
Schiavone et al., (2019) encontraram melhora no peso final de carcaça de frangos de corte alimentados com 10% de substituição de soja por farinha de larva de mosca-soldado negra. As pré-pupas de mosca-soldado negra também foram consideradas altamente palatáveis para codornas, que apresentaram maior preferência pela farinha de inseto quando comparada a ração a base de trigo e soja fornecida ad libitum (Ruhnke et al., 2017).
Em um estudo realizado por pesquisadores da USP e UFMG, os frangos de corte apresentaram preferência por farinha de larva de tenébrio comparado aos ingredientes convencionais (milho e soja) e melhoraram também a eficiência alimentar (Nascimento Filho et al. 2020).
Com relação a aves de postura, uma melhora significativa foi observada na aparência, textura e sabor dos ovos de codornas com a inclusão de mosca-soldado negra na dieta das aves (Al-Qazzaz et al., 2016).
Insetos na nutrição de suínos |
De acordo com Biasato et al. (2019), leitões aceitaram prontamente as dietas com 5 e 10% de farinha de larva de mosca-soldado negra em substituição a 30 e 60% do farelo de soja, não sendo observada diferença na digestibilidade dos nutrientes da dieta e ganho de peso dos animais. Os autores indicam a inclusão de 10% de farinha de larva de mosca-soldado negra para leitões pós desmama.
[registrados]
Altmann et al. (2019) avaliaram a substituição do farelo de soja das dietas de suínos em crescimento e terminação por 50, 75 e 100% de farinha de larva de mosca-soldado negra parcialmente desengordurada e não observaram efeito negativo na qualidade da carne dos animais.
Para os parâmetros sensoriais da carne, foi observado aumento na suculência da carne de animais alimentados com farinha de inseto, o que pode ter efeito positivo na preferência do consumidor por esses produtos.
Insetos na nutrição PET |
Lei et al. (2019) estudaram a inclusão de 0%, 1% e 2% de farinha de larva de mosca-soldado negra na dieta de Beagles (19% PB) e observaram aumento da digestibilidade da MS (71,9, 74,5 e 75,2%, respectivamente) e do N (73,1, 77,1 e 78,5%, respectivamente), sem alterar a digestibilidade do EE (média 78,8%).
O perfil lipídico no sangue dos beagles também não foi influenciado pela inclusão de farinha de larva de mosca-soldado negra. Além disso, foi constatado um aumento na concentração da enzima glutationa peroxidase, sugerindo que a inclusão de insetos melhorou a capacidade antioxidante dos animais.
Lemos et al. (2020) avaliaram os parâmetros hematológicos e bioquímicos de cães sem raça definida após a inclusão de farinha da larva de T. molitor em diferentes níveis (0%, 2,5%, 5% e 7,5%) e não observaram diferenças significativas entre os tratamentos nos parâmetros avaliados.
Em um estudo realizado por Beynen et al. (2018), foi relatado que os cães tendem a preferir alimentos secos contendo farinha de larva de mosca-soldado negra em vez de farinha de larva de tenébrio comum (proporção de ingestão de 60:40; n = 10), enquanto os gatos preferiram a comida à base de larva de tenébrio (40:60; n = 10).
Para PETs não convencionais, como répteis, anfíbios e pequenos mamíferos, podemos citar a utilização de insetos vivos, desidratados ou farinha de insetos na alimentação, não só como fonte de nutrientes, mas também de modo a aumentar a atratividade nas dietas comerciais, questões relacionadas ao bem estar- animal e também como fator de enriquecimento ambiental (Kierończyk et al., 2018).
Insetos na nutrição aqua |
Pesquisadores da UFLA e da UFMG avaliaram a inclusão de tenébrio comum, tenébrio gigante, barata cinérea, barata de Madagascar e grilo preto na dieta de alevinos de tilápia do Nilo. O estudo relatou que a digestibilidade aparente dos nutrientes da dieta varia significativamente de acordo com a espécie de inseto utilizada.
O tenébrio comum apresentou os melhores coeficientes de digestibilidade para os peixes. Os valores de digestibilidade da matéria seca, proteína e lipídeos foram de 95%, 85% e 90% respectivamente (Fontes et al. 2019).
Em sistemas de bioflocos, Tubin et al. (2020) verificaram que é possível incluir 10% de farinha de T. molitor em dietas para juvenis de tilápia sem prejuízo no desempenho zootécnico, composição da carcaça, índices somáticos e hematológicos.
Mastoraki et al. (2020), utilizaram farinha de larva de tenébrio, mosca-soldado negra e mosca doméstica (7,8%) na alimentação de camarões (Palaemon adspersus). A inclusão de farinha de larva de mosca-soldado negra nas dietas, em substituição à farinha de peixe, resultou em um maior desempenho e maior taxa de sobrevivência dos camarões.
Para contribuir para organização e propulsão da cadeia produtiva de insetos alimentícios, bem como seus usos e tecnologias para a nutrição animal na América Latina, iremos realizar nos dias 1, 2 e 3 de dezembro, o CLIA 2021 – Congresso Latino-americano de Insetos Alimentícios.
O evento será online e bilingue (português/espanhol) e abordará os principais aspectos da produção e uso de insetos alimentícios. Além de trazer os principais expoentes da área como palestrantes, o evento contará com uma Feira Virtual 3D, proporcionando uma experiência inovadora e única aos participantes. Deixo aqui o convite para todos os leitores da nutriNews participarem. Para mais informações, siga o perfil @clia.2021 no Instagram. Maiores informações e inscrições pelo site www.clia2021.com
Insetos na nutrição animal: fantasia ou realidade?
Diego Vicente da Costa
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), campus Montes Claros
AL-QAZZAZ, M. F. A. et al. Effect of using insect larvae meal as a complete protein source on quality and productivity characteristics of laying hens. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 45, n. 9, p. 518- 523, 2016.
ALTMANN, B. A. et al. Do dietary soy alternatives lead to pork quality improvements or drawbacks? A look into micro-alga and insect protein in swine diets. Meat Science, v. 153, p. 26–34, 2019.
ALVES, A. P. do C. et al. Nile tilapia fed insect meal: Growth and innate immune response in different times under lipopolysaccharide challenge. Aquaculture Research, 52(2), 529–540, 2021.
BIASATO, I. et.al. Partially defatted black soldier fly larva meal inclusion in piglet diets: effects on the growth performance, nutrient digestibility, blood profile, gut morphology and histological features. Journal of Animal Science and Biotechnology, v. 10, n. 12, 2019.
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