Como avaliar o impacto ambiental?
Para ler mais conteúdo de nutriNews Brasil 2 Trimestre 2022
Impacto ambiental da suinocultura:
mais um exemplo de que só melhoramos o que medimos!
A suinocultura no contexto das demandas mundiais por alimento
Atender a crescente demanda mundial por alimentos é certamente um dos maiores desafios que enfrentaremos nas próximas décadas. O setor produtivo (incluindo agricultura e pecuária) precisará alimentar uma população cada vez maior, porém, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de também atenderem às suas necessidades.
Em outras palavras, a construção de sistemas agroalimentares sustentáveis é um requisito
obrigatório. A suinocultura já apresenta níveis muito altos de desempenho e certamente tem
um papel social importantíssimo para a segurança alimentar do planeta.
No entanto, ainda há espaço para melhorias quando se trata de sua sustentabilidade ambiental. Porém, aqui também vale aquela velha frase: “só melhoramos o que medimos”!
Como avaliar o impacto ambiental?
Os impactos ambientais da suinocultura têm sido geralmente analisados de forma isolada (exemplo: com foco no animal) ou restrita às suas associações diretas (exemplo: emissões no ambiente onde o animal é criado).[cadastrar]
Estes indicadores são úteis quando as emissões poluentes da cadeia têm um efeito apenas no ambiente local e são frequentemente utilizados para avaliar a emissão de substâncias como:
Porém, a suinocultura é uma cadeia complexa e, por isso, os impactos ambientais podem ser mais bem compreendidos em abordagens multidisciplinares que considerem todo seu ciclo de produção.
As técnicas de avaliação global geram indicadores ambientais mais representativos, pois consideram além dos impactos diretos da atividade, também as emissões associadas às matérias-primas utilizadas ao longo da cadeia produtiva.
Todo produto causa um impacto ao meio ambiente, seja em função de seu processo produtivo, das matérias-primas que consome, ou devido ao seu uso ou disposição final.
No caso da suinocultura, um animal terminado para o abate só é produzido após uma longa cadeia (produção dos leitões; cultivo, colheita e transporte dos grãos; etc.) e em cada etapa desta cadeia produtiva, energia é gasta e elementos poluentes são gerados.
A avaliação do ciclo de vida (do inglês, Life Cycle Assessment – LCA) é uma ferramenta amplamente reconhecida no contexto de análises globais de impacto ambiental. A técnica permite examinar um determinado sistema (serviço ou produto) e analisar sistematicamente os fluxos e os impactos ambientais que podem ser associados à totalidade do seu ciclo de vida (“do berço até ao túmulo” ou da extração das matérias primas até sua disposição final), pressupondo que há um impacto ambiental associado a cada recurso ou a cada unidade de energia consumida no sistema.
Durante a análise, todas as emissões ou usos de energia importantes do ciclo de vida são agregados e expressos em relação à unidade funcional escolhida (exemplo: 1 tonelada de ração ou 1
tonelada de carne suína; Figura 1).
Análise do ciclo de vida aplicada na suinocultura
A análise do ciclo de vida pode ser utilizada para identificar pontos da cadeia que possam ser melhorados em termos de sustentabilidade ambiental e, em uma abordagem preventiva, como facilitadores de decisão e de planejamento estratégico para reduzir o impacto gerado na produção de artigos de interesse para a sociedade, como na produção de carne.
Uma revisão sistemática de literatura foi realizada recentemente (Andretta et al., 2021; DOI: 10.3389/fvets.2021.750733) e identificou 55 estudos de análise do ciclo de vida aplicados na suinocultura (Figura 2). Além do potencial de mudança climática, os estudos de LCA também utilizaram outras categorias de impacto ambiental, como:
Mudanças nas práticas alimentares (composição da dieta ou programas de alimentação) foram estudadas em 25% dos artigos. Isso porque a participação relativa da produção de ração (que inclui o ciclo de vida, fabricação e transporte de cada ingrediente) é bastante alta, representando até 76% do potencial total de impacto de mudança climática associado à produção de suínos (Figura 3, consultar PDF anexado).
Em um contexto em que a maioria dos ingredientes utilizados para a produção de rações tem mercados globais, é importante destacar que os impactos associados a um determinado produto são praticamente compartilhados entre vários países envolvidos no comércio internacional.
O exemplo mais frequente desse compartilhamento intercontinental citado nos estudos disponíveis foi o uso da soja importada da América do Sul, principalmente do Brasil (49% dos estudos). Nestes casos, é possível inferir que parte do impacto da produção de suínos na China ou na Europa acontece ainda no Brasil, quando essa importante matéria prima é produzida.
Práticas de alimentação como ferramentas de mitigação
A sustentabilidade ambiental da suinocultura está intimamente ligada a otimização das práticas de alimentação.
Por isso, diversas práticas podem ser propostas para minimizar esse impacto. Algumas dessas práticas estão associadas ao transporte de ingredientes e rações. A distância entre o local de produção das matérias-primas da ração e seu local de uso pode ser considerada um importante argumento a favor da escolha (ou substituição) de ingredientes.
Esta discussão é comum quando se trata de impactos econômicos, mas é extremamente válida também para as questões ambientais. Reduzir a distância dos produtores aos consumidores significa menos necessidade de transporte e, consequentemente, menos custos e emissões.
No entanto, o uso de ingredientes locais não deve prejudicar a conversão alimentar. Caso contrário, as vantagens podem ser perdidas devido ao aumento da demanda por ração para atingir o mesmo peso final.
A composição da ração em termos de ingredientes também é uma forma de reduzir a excreção de nutrientes e, consequentemente, a composição dos dejetos. Por isso, a escolha dos ingredientes precisa ser feita sempre com cautela, focando na procedência, mas também na qualidade nutricional do produto. Estratégias que reduzam a excreção de nutrientes são muito importantes para mitigar o impacto ambiental.
Diversos exemplos poderiam ser citados aqui, como uso de:
A modificação dos métodos de formulação das rações e a adoção de técnicas de alimentação de precisão também são ferramentas muito importantes neste contexto. Usando uma descrição bastante simples, é possível afirmar que alimentação de precisão consiste no fornecimento da quantidade certa de ração, com a composição certa para atender a exigência de cada animal do rebanho.
Cada animal tem características únicas de crescimento e consumo, portanto, é único também em suas exigências nutricionais. Além disso, essas exigências mudam de maneira dinâmica e (em um conceito completo de nutrição de precisão) deveriam ser conhecidas e atendidas em ‘tempo real’.
O avanço da tecnologia e do conhecimento científico na área já permitem que o fornecimento dos nutrientes seja ajustado ‘sob medida’ para atender em tempo real as exigências nutricionais dos animais. Embora esses modelos de produção ainda estejam limitados aos centros de pesquisa, os resultados mais recentes são bastante promissores.
Na prática, o aumento no número de fases já pode ser considerado um passo no caminho para a
alimentação de precisão, assim como a criação de animais em grupos mais homogêneos. No cenário brasileiro, um estudo desenvolvido por Andretta et al. (2018; DOI: 10.1017/S1751731117003159) mostrou que a substituição da alimentação convencional (onde uma mesma ração é fornecida por vários dias) pela alimentação diária (onde o fornecimento de nutrientes nas dietas é ajustado diariamente) pode diminuir o impacto potencial de eutrofização em 4% e de acidificação em 3%.
A mitigação foi ainda maior (até 6% para mudanças climáticas e 5% para eutrofização e acidificação) quando o programa de nutrição era ajustado para cada animal (diariamente e individualmente). Em ambos os cenários, a principal vantagem dos programas de alimentação de precisão está na maior eficiência no uso de nutrientes. Em outras palavras, a mesma quantidade de produto (ex: suíno) é produzida usando menos recursos (ex: lisina).
Apesar de toda a variabilidade encontrada nos estudos disponíveis na literatura, a participação dos alimentos no impacto total da produção animal é relevante e merece ainda mais atenção dentro das estratégias de mitigação de impacto ambiental.
Referências mediante solicitação
A suinocultura já evoluiu muito e diversas práticas relatadas neste texto já são utilizadas pelos nutricionistas e produtores. Identificar essas vantagens ambientais (inclusive as que já estão presentes nos sistemas de produção) pode ser uma alternativa para valorizarmos ainda mais a cadeia produtiva e seus esforços em busca da sustentabilidade.
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