Em termos nutricionais, conforme descrito nas Tabelas Brasileiras (2017), é recomendado que a níveis práticos se use 30% de sorgo em dietas para frangos de corte em fase inicial e poedeiras e 35% em dietas de suínos em fase de terminação.
CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS E COMPOSIÇÃO DO GRÃO
[cadastrar] Existem diversas variedades de sorgo, incluindo o sorgo forrageiro, o sacarino, vassoura, biomassa e o granífero, utilizados na alimentação dos animais monogástricos.
O sorgo granífero é um tipo de sorgo de porte baixo que produz uma panícula na extremidade superior onde se localizam os grãos. As cultivares graníferas se diferem quanto ao rendimento dos grãos, na tolerância às doenças, ao ciclo vegetativo e outras características agronômicas (Melo et al., 2023).
O grão de sorgo tem uma ampla gama de tonalidades, sendo o branco, o bronze e o cinza as mais prevalentes. Embora os grãos sejam geralmente esféricos, suas dimensões e formas podem variar (Nunes, 2000).
Ele é constituído por três partes principais: o pericarpo, o endosperma e o gérmen (Figura 1). A proporção relativa desses componentes no grão é variável, mas na maioria dos casos é de 6%, 84% e 10%, respectivamente (Pereira Filho e Rodrigues., 2015).
Figura 1. Estrutura do grão de sorgo. Fonte: Adaptado de Nunes (2000).
O pericarpo é formado por três camadas: epicarpo, mesocarpo e endocarpo e, logo abaixo, há a testa, estrutura onde se localizam os taninos.
O gérmen é formado por dois tecidos, caulículo e escutelo, contendo lipídeos, proteínas, enzimas e minerais.
Na região do endosperma, farináceo e vítreo, são encontrados cerca de 88% dos grânulos de amido e 80% das proteínas (Scramin, 2013; Pereira Filho e Rodrigues., 2015).
Além do mais, os grânulos de amido também são depositados no mesocarpo, sendo essa uma explicação pelo alto conteúdo de amido encontrado neste cereal (Nunes, 2000).
O sorgo é um cereal que se assemelha com o milho, apesar de existirem diferenças em seus perfis nutricionais (Gomes, 2020), este cereal apresenta uma grande variabilidade genética e em sua composição bromatológica, como pode ser observado na Tabela 1.
Tabela 1. Teores de proteína bruta e amido de diferentes grãos de sorgo.
Fontes: ¹ Rostagno et al., (2017); ² Martino et al., (2012); ³ Antunes et al., (2007); 4 López e Stumpf Junior, (2000).
Por ser um cereal energético, o amido contido no sorgo corresponde a maior parcela do grão, onde 70-80% é formado por cadeias de amilopectina e 20-30% por cadeias de amilose.
O sorgo apresenta, em média, 3% de extrato etéreo, 12% de fibras e 78% de nutrientes digestíveis totais (Martino et al., 2012; Pereira Filho e Rodrigues., 2015).
Em termos de valores de aproveitamento de energia, o grão de sorgo apresenta 3204 kcal/kg de energia metabolizável para aves e 3358 kcal/ kg para suínos, em comparação com o milho, que apresenta 3364 kcal/kg e 3360 kcal/kg, conforme relatado por Rostagno et al. (2017).
Isso evidencia que o sorgo é, de fato, um ingrediente com potencial energético para substituição do milho.
- A porção do endosperma vítreo do sorgo é mais espesso quando comparado ao endosperma farináceo que é composto, em sua maioria, por proteínas e polissacarídeos não amiláceos, caracterizando-se por ser denso, duro e resistente a penetração da água e a atividade enzimática (Sapaterro et al., 2011).
Como as zeínas do milho, o sorgo possui as kafirinas que são prolaminas, um grupo de proteínas de reserva.
Do teor proteico do grão, essas proteínas estão em maior quantidade e são armazenadas dentro de corpos proteicos que contribuem para a sua estabilidade e proteção.
Contudo, essa proteção ofertada pode dificultar a ação de enzimas digestivas, reduzindo a digestibilidade da proteína (Belton et al., 2006). Além disso, as kafirinas formam ligações de dissulfeto intra e intermoleculares que dificultam o seu rompimento (Abdelbost et al., 2023).
A Figura 2 nos traz uma caracterização do endosperma do grão de sorgo, de modo que é possível identificar a disposição dos grânulos de amido circundados por prolaminas, mais especificamente, kafirinas.
Figura 2. Micrografia eletrônica do endosperma mostrando grânulos de amido (amarelo) e prolaminas (vermelho). Fonte: Adaptado de Black (2001).
FATORES ANTI QUALITATIVOS E TOXINAS
Apesar da importância nutricional do sorgo na alimentação animal, a presença de componentes considerados anti qualitativos no grão pode afetar negativamente a digestibilidade e a absorção de nutrientes, influenciando diretamente o desempenho e a saúde dos animais.
Esses compostos desempenham um papel defensivo para a planta contra aves e patógenos, visto que não há uma proteção física para as sementes, ao contrário da casca do milho, por exemplo. (Magalhães et al., 2001).
Diferentemente dos benefícios que esses compostos proporcionam durante o desenvolvimento da planta, quando ofertados em dietas para animais monogástricos, podem comprometer a digestibilidade impedindo que o animal expresse todo potencial zootécnico nele existente.
Os principais fatores anti qualitativos encontrados no grão de sorgo são: os compostos fenólicos como o tanino e fitato, glicosídeos cianogênicos, flavonóides. (Marques et al., 2007; Lima Júnior et al., 2010; Selle et al., 2018).
É evidente que as plantas absorvem os nutrientes minerais do solo e esses são repassados ao grão. Entretanto, a forma como esses nutrientes são armazenados muitas vezes os tornam indisponíveis para absorção por animais que não produzem enzimas específicas para romper ligações presentes nas macromoléculas desses compostos.
Esse é o caso do fósforo, que nos vegetais é armazenado na forma de ácido fítico, também conhecido por fitato. A quantidade de fósforo total na semente de sorgo é de 4,03 g/kg, dos quais 3,26 g/kg estão complexados ao fitato.
Além disso, o ácido fítico pode impedir a digestão ao se ligar diretamente ou indiretamente às proteínas, ao amido e a minerais, como cálcio, ferro, zinco e cobre (Rooney e Pflugfelder, 1986; Liu et al., 2013; Selle et al., 2018) (Figura 3).
Figura 3. Estrutura de um fitato complexado com íons de cálcio (C6H6Ca6O24P6). Fonte: https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/ compound/24495
Os taninos, por sua vez, consistem em compostos fenólicos que podem interagir e formar complexos com proteínas de reserva dos grãos de sorgo. Este composto pode ser dividido em duas categorias: hidrossolúveis e condensados.
Destes, os condensados são os mais prevalentes e desempenham um papel significativo na baixa digestibilidade do sorgo (Scramin, 2013). Para os animais monogástricos, o tanino provoca efeitos negativos, uma vez que se complexam com as proteínas causando redução na palatabilidade e na digestibilidade do grão. (Pereira Filho e Rodrigues., 2015).
No Brasil, os grãos de sorgo frequentemente exibem contaminação por diversos fungos, resultando em perdas significativas nas esferas sanitária, física e nutricional. |
No processo de deterioração desses grãos, esses fungos têm a capacidade de provocar a degradação de componentes cruciais, como proteínas, açúcares e carboidratos.
Dentre as micotoxinas de maior relevância que podem contaminar os grãos de sorgo, destacam-se as aflatoxinas, zearalenona, fumonisinas e a toxina T-2 (Iamanaka et al., 2010).
É necessário reconhecer que a presença e a concentração das substâncias mencionadas podem variar significativamente entre as variedades de sorgo e condições de crescimento em que a planta foi submetida.
Procedimentos adequados de processamento, tais como armazenamento dos grãos e moagem têm o potencial de contribuir para a redução da presença de algumas dessas toxinas promovendo, assim, a qualidade e segurança que a nutrição animal brasileira exige.
UTILIZAÇÃO DO SORGO NA ALIMENTAÇÃO ANIMAL
É evidente que a oscilação nos preços do milho resulta em consideráveis aumentos nos custos de produção de setores dependentes do grão.
Nesse contexto, uma opção é aderir a matérias primas alternativas, como é o caso do sorgo, que pode vir a substituir o milho de maneira parcial (Parreira Filho et al., 2020).
Linhagens híbridas têm aprimorado a composição do amido do sorgo, resultando em melhorias na digestibilidade do grão. |
O sorgo ceroso híbrido, é caracterizado por apresentar 100% de amilopectina em sua composição de amido (Zardo e Lima, 1999). Além disso, variedades sem taninos e compostos fenólicos já estão disponíveis no mercado.
Em dietas destinadas a aves e suínos, somente a total substituição do milho pela linhagem sem tanino do sorgo pode ser considerada.
O valor nutricional do grão de sorgo é significativo, comparável ao do milho, por conta disso, o uso de sorgo é aceito como substituto do milho em dietas destinadas a poedeiras, frangos de corte e suínos (Fernandes et al., 2014).
Entretanto, é necessário considerar as diferenças estruturais das ligações entre as fontes de carboidratos e proteínas, bem como o armazenamento desses complexos no grão de sorgo.
A substituição do milho por sorgo granífero pode ser uma alternativa promissora para os monogástricos.
Matrizes suínas primíparas, durante as fases de lactação e pós-desmame, alimentadas com dietas com sorgo e milho, apresentaram desempenho semelhante às alimentadas só com milho, indicando que a substituição parcial do grão é viável para a produção (Moreira et al., 2013).
Já estudos com leitões e machos castrados demonstraram que o sorgo pode substituir o milho em até 100% em rações sem prejudicar o desempenho dos animais e a digestibilidade dos nutrientes (Fernandes et al., 2014).
Do mesmo modo, essa substituição pode ser realizada sem causar impactos negativos nas características de desempenho das aves, no rendimento de carcaça de frangos de corte e na qualidade de ovos para galinhas poedeiras (Assuena et al., 2008; Rocha et al., 2008).
É importante salientar que, assim como outros grãos, para ser utilizado na nutrição de aves e suínos, algumas especificações são exigidas como o teor de umidade em 13%, 3% de fibra bruta, 1,5% de matéria mineral e até 20ppm de aflatoxina. Além disso, deve apresentar um valor mínimo de 7% de proteína bruta e de 2% de extrato etéreo (Compêndio, 2017).
DIGESTIBILIDADE DO SORGO
A digestibilidade do sorgo pode variar dependendo de vários fatores, incluindo a variedade de sorgo, o processamento, a presença de outros componentes na dieta e para qual animal esta dieta será direcionada.
Em geral, o sorgo é conhecido por ter uma digestibilidade de proteína mais baixa em comparação com outros cereais, como trigo, arroz e milho. Isso se deve em parte à presença de fatores anti qualitativos, que podem afetar a digestibilidade de proteínas e outros nutrientes (Marques et al., 2007).
Além disso, a baixa digestibilidade das kafirinas também pode também contribuir para a baixa digestibilidade (Belton et al., 2006).
Outro fator que pode influenciar, é a distribuição das proteínas que cercam os grânulos de amido no endosperma (Sapaterro et al., 2011). No endosperma farináceo, há a presença de grânulos maiores envolvidos por uma matriz proteica descontínua e com uma menor quantidade de proteínas.
Já no endosperma vítreo, os grânulos são menores e a matriz é mais contínua (Paes, 2006). A caracterização das proteínas do sorgo pode dificultar o acesso aos grânulos de amido e, então, reduzir sua digestibilidade.
É importante observar que a digestibilidade do sorgo pode ser otimizada por meio de procedimentos de processamento, como moagem e tratamentos térmicos.
A diminuição do diâmetro das partículas, resultante da moagem, exerce um impacto positivo sobre a digestibilidade dos nutrientes e o desempenho animal (Leandro et al., 2001).
O cozimento, por exemplo, pode melhorar a digestibilidade das proteínas do sorgo, inativando os fatores anti qualitativos, promovendo a ruptura do corpo proteico e melhorando a solubilidade das proteínas (Nunes, 2000; Margier et al., 2018), além de potencializar a digestibilidade do amido por meio da gelatinização do grânulo.
A suplementação com enzimas em dietas que contenham sorgo na composição também é uma ferramenta para melhorar a digestibilidade dos nutrientes da dieta (Leite et al., 2011) e mitigar os efeitos dos compostos presentes no grão (Zanella, 1999; Barbosa et al., 2008).
O uso de xilanases, celulases e glucanases, pode aprimorar a digestão do grão e, também, melhorar o desempenho zootécnico dos animais, como a conversão alimentar em frangos de corte na fase inicial de criação (Leite et al., 2011). Além disso, grãos híbridos são desenvolvidos para aumentar a digestibilidade dos nutrientes (Marques, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse material explorou alguns pontos relacionados ao uso do sorgo na alimentação animal, desde suas características morfológicas e composição nutricional até sua digestibilidade e uso em monogástricos.
Ao examinar a digestibilidade do sorgo, é possível compreender sua viabilidade como fonte de energia e nutrientes para suínos e aves.
Além disso, a utilização do sorgo na alimentação animal revela vantagens econômicas e ambientais, oferecendo uma alternativa rentável ao milho, principalmente em regiões onde o cultivo de milho pode ser desafiador.
Entretanto, é crucial considerar os fatores anti qualitativos e toxinas presentes no grão, os quais podem impactar negativamente a saúde e o desempenho dos animais.
Estratégias de mitigação, como a seleção de variedades de sorgo com menor teor desses compostos, uso de técnicas de processamento adequadas e aditivos, são essenciais para garantir a segurança e a eficácia do uso do grão.
Referências bibliográficas sob consulta. [/cadastrar]