O uso de temperaturas de resfriamento e congelamento são os métodos convencionais mais utilizados para evitar a proliferação de microrganismos sem recorrer a aditivos conservantes sintéticos.
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Congelamento para segurança alimentar de dietas comerciais fabricadas à base de ingredientes de uso humano para cães e gatos
Os animais de estimação estão mais “humanizados” e, no que diz respeito à alimentação animal, há uma replicação de tendências da alimentação humana (Viana et al., 2020).
Em razão disso, o interesse por produtos mais naturais e ingredientes alimentares de uso humano destinados a cães e gatos tem crescido substancialmente, levando a um aumento na procura por dietas conhecidas como ‘dietas naturais’.
Essa busca por novos produtos também resultou na procura por métodos de produzir e conservar esses alimentos até chegarem às prateleiras, a fim de garantir não apenas maior palatabilidade para os cães e gatos, mas também seguridade alimentar. Portanto, o investimento em tecnologias de fabricação e armazenamento desses alimentos, em conjunto com a garantia de que as instalações estejam de acordo com as boas práticas de fabricação (BPF), tornou-se essencial para atender às demandas crescentes do mercado.
Assim como na alimentação humana, os alimentos destinados aos animais também estão propensos à contaminação microbiológica, principalmente quando alimentados com dietas cruas, como a infecção por Salmonella spp. e Campylobacter spp. (Joffe e Schlesinger, 2002; Bojanić et al., 2017), além de outros gêneros de bactérias (Weese et al., 2005) e parasitos (Ahmed et al., 2021). |
Pesquisas realizadas com dietas cruas demonstraram que apesar da maioria dos animais não apresentarem sinais clínicos, a disseminação de Salmonella spp. persiste por até uma semana no ambiente (Finley et al., 2007).
Por ser uma zoonose, essa contaminação ambiental pode ocasionar doenças tanto em animais como em humanos imunossuprimidos.
Os animais podem se contaminar ao ingerir esses potenciais patógenos no alimento. Por sua vez, seus tutores podem ser contaminados por meio do contato direto com os alimentos durante a sua manipulação, com o animal contaminado, com superfícies e utensílios domésticos usados para a preparação dos alimentos, ou até mesmo pela ingestão de alimentos com contaminação cruzada (Van Bree et al., 2018). [cadastrar]
Essa contaminação pode levar a uma variedade de doenças, tornando-a uma questão de saúde única (LeJeune e Hancock, 2001).
O uso de temperaturas de resfriamento e congelamento são os métodos convencionais mais utilizados para evitar a proliferação de microrganismos sem recorrer a aditivos conservantes sintéticos.
Porém, a eficácia dessas abordagens varia de acordo com as espécies dos patógenos, seu estágio de desenvolvimento e as condições de temperatura e tempo envolvidas (Freeman et al., 2013; Franssen et al., 2019).
CONGELAMENTO vs. RESFRIAMENTO DOS ALIMENTOS IN NATURA
Em geral, o congelamento a -21ºC por 1-7 dias é capaz de inativar parasitos em produtos de origem animal, mas sua confiabilidade em contextos domésticos é limitada (Franssen et al., 2019).
O uso das baixas temperaturas, aliado às BPF, pode retardar a multiplicação dos microrganismos e as reações químicas e enzimáticas (Lopes, 2007), prolongando o tempo de preservação dos alimentos.
Dentre os métodos de conservação de alimentos estão o congelamento e resfriamento. Porém, é importante ressaltar que estes são processos distintos, e portanto os prazos de conservação também diferem.
O método de resfriamento utiliza temperaturas entre -1°C e 8°C, nas quais não ocorre a formação de gelo, garantindo que o alimento possa ser armazenado entre 3 a 5 dias, porém, não elimina microrganismos (Couto e Corte Real, 2019).
O congelamento é realizado em temperaturas que variam de -10°C a -40°C. No entanto, é importante destacar que temperaturas de -18°C já demonstram eficácia na preservação da segurança microbiológica dos alimentos (Saad e França, 2010; Couto e Corte Real, 2019).
Aliado a esses métodos citados, novas técnicas têm sido aplicadas com o intuito de potencializar a conservação por temperaturas frias, como a aplicação de embalagem à vácuo (Zhu, Li e Sun, 2021).
TEMPO DE PRATELEIRA E GARANTIA DA QUALIDADE DOS ALIMENTOS CONGELADOS
O congelamento de alimentos é comumente utilizado na preservação dos mesmos, visando o aumento do tempo de prateleira. De acordo com Fellows (2006), a preservação dos alimentos é uma combinação da temperatura, redução da atividade de água e branqueamento em alguns alimentos. No entanto, aspectos como a forma de estocagem, embalagens, transporte e manipulação devem ser levados em consideração.
Em relação aos ingredientes de origem animal, as carnes e seus derivados costumam ser adquiridos e armazenados já congelados, sendo descongelados apenas no momento do consumo e preparo. A durabilidade do produto pode variar conforme a temperatura de armazenamento, conforme detalhado na Tabela 1.
Tabela 1. Vida de prateleira de carnes (determinada por PSL- vida de prateleira prática).
Fonte: Adaptado de Fellows, P.J.
No caso de alimentos de origem vegetal, como frutas, hortaliças e vegetais, a recomendação é que sejam consumidos em um curto período de tempo. Quando congelados, o crescimento microbiológico é retardado, porém é importante considerar a utilização de métodos que retardem o escurecimento desses alimentos, já que esse aspecto visual pode desagradar os tutores.
Primo et al. (2018) avaliaram o efeito do branqueamento e imersão em ácido cítrico no congelamento de frutas e hortaliças, dentre elas maçãs, bananas, peras, brócolis e batatas, e foi demonstrado que o uso do ácido auxiliou a retardar o escurecimento.
Contudo, além da temperatura, também deve-se considerar outros fatores (obstáculos) para evitar o crescimento de microrganismos indesejáveis e aumentar a segurança e a durabilidade dos alimentos.
Esses “obstáculos” podem incluir fatores como:
De forma geral, baixas temperaturas diminuem ou até mesmo cessam o crescimento microbiano. Porém, é importante compreender a faixa de crescimento dos microrganismos em cada alimento individualmente.
Os microrganismos bacterianos classificados como psicrotróficos são os mais preocupantes, pois apresentam crescimento mesmo em refrigeração a 7°C.
Assim, estudos ressaltam a importância da seleção da temperatura ao armazenar um alimento e seu impacto sobre a sua qualidade (Jay, 2005).
Por exemplo: a banana possui uma melhor conservação quando armazenada a 13°C, enquanto a maioria dos vegetais e batatas têm como temperatura ótima de conservação 10°C.
É fundamental respeitar o ponto de congelamento de cada tipo de alimento.
Por exemplo, hortaliças, com um teor de água de 78-92%, têm seu ponto de congelamento situado entre -0,8º e -2,8°C, enquanto frutas, com 87-95% de água, congelam a temperaturas entre -0,9º e -2,7°C. Já a carne, com um teor de água de 55-70%, congela a temperaturas entre -1,7 e -2,2°C (Fellows, 2006).
Além disso, deve-se levar em consideração a umidade relativa do ambiente, uma vez que os alimentos podem absorver água do meio, especialmente quando a atividade de água é igual a 0,6 (Jay, 2005).
EFEITO DA ATIVIDADE DA ÁGUA SOBRE OS ALIMENTOS
Entre os diversos fatores relacionados ao crescimento de microrganismos nos alimentos, a atividade de água destaca-se como o mais significativo. A atividade de água é a água livre disponível para o crescimento de microrganismos patogênicos.
A Figura 1 (Fennema, 2000) representa a taxa relativa de deterioração em relação à atividade de água, destacando que o crescimento de bactérias começa em torno de 0,9. No entanto, já ocorre crescimento de mofo e atividade enzimática antes desse ponto.
Portanto, a faixa de atividade de água prioritária nos alimentos é geralmente de 0,4 a 0,6, já que abaixo de 0,3 já se observa a presença de compostos resultantes de oxidação lipídica nos alimentos.
Figura 1. Adaptado de Fennema, 2000
É importante notar que a umidade está relacionada ao teor de água ligada, ou seja, a água que não está disponível para o crescimento de microrganismos, somada à água livre. Como tal, umidade e atividade de água são conceitos distintos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alimentos considerados úmidos, como os congelados, não necessariamente têm uma alta atividade de água. No entanto, a maioria dos alimentos in natura possui atividade de água superior a 0,99 (Jay, 2005). Portanto, medidas de armazenamento que controlem o crescimento microbiano são necessárias para garantir a segurança desses alimentos.
O uso do congelamento para a preservação dos alimentos é uma técnica eficaz para prolongar o tempo de prateleira dos mesmos, garantindo maior seguridade para a saúde dos cães e gatos alimentados com dietas contendo ingredientes de consumo humano.
No entanto, para assegurar a eficácia desse método, é essencial que ele seja complementado por BPF e pelo uso de embalagens, transporte e armazenamento adequados.
Referências bibliográficas sob consulta. [/cadastrar]
Assim, é possível realizar a produção e comercialização de dietas consideradas ‘naturais’ de forma segura.