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Photo: Manoel Pedroza | Embrapa
05 Apr 2023
Emissões de metano por tilápias são medidas pela primeira vez
A emissão de gases de efeito estufa (GEE) em reservatórios ocorre devido a processos físico-químicos decorrentes da degradação da matéria orgânica e oxidação dos compostos químicos
Pesquisadores brasileiros realizaram um trabalho bastante relevante para a piscicultura nacional. Eles mediram as emissões de metano em produções de tilápia (Oreochromis niloticus) em tanques-rede para condições tropicais. O estudo é importante porque o pensamento internacional costuma considerar condições de clima temperado em que as chamadas emissões ebulitivas (por bolhas) dos peixes são menos frequentes.
Os estudos foram tratados em três afluentes secundários que deságuam no reservatório de Ilha Solteira (SP): Formoso, Cancan e Ponte Pensada, capazes de produzir, por ano, 800 toneladas de tilápia, o primeiro, e 3 mil toneladas os outros dois afluentes. Parte desses resultados foi publicada na revista Environmental Challenges.
Aproximadamente 75% das emissões ebulitivas (por bolhas) de metano em produções de tilápia foram registradas em locais com tanques-rede, em comparação às demais superfícies do reservatório. Porém, as bolhas foram eventos pontuais e não ocorreram em toda a área dos tanques-rede.
A emissão de gases de efeito estufa (GEE) em reservatórios ocorre devido a processos físico-químicos decorrentes da degradação da matéria orgânica e apresentação dos compostos químicos na coluna d’água e sedimento. O metano tem potência 34 vezes maior do que o dióxido de carbono de influencia o aquecimento global em um horizonte de tempo de cem anos.
Conforme Marcelo Gomes da Silva, do Programa de Bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pouco se sabe sobre a contribuição da piscicultura nos processos de emissão ou remoção de GEE em reservatórios tropicais. Uma das principais preocupações associadas às fazendas de peixes está relacionada à liberação na água de substâncias consideráveis de matéria orgânica, provenientes de alimentos não consumidos e excrementos de peixes, que podem ser registrados em GEE.
Os GEE produzidos em corpos d’água são transportados para a superfície principalmente por dois interruptores.
- No fluxo difusivo, os gases formados no sedimento e na água são transportados através da coluna de água para a atmosfera.
- O ebulitivo, originário de bolhas formadas no substrato, é liberado quando ocorre a inspiração da água ou quando uma bolha supera a pressão hidrostática, atravessando a coluna de água e sendo liberada para a atmosfera.
Para um resultado fidedigno, foi necessário estudar os dois transportes. O difusivo, apesar de ser comum e acontecer no reservatório inteiro, tende a ter menor emissão de metano quando comparado com a emissão por bolhas. O estudo no reservatório de Ilha Solteira mostrou que a média de transmissão de metano por difusão foi de 5 miligramas por metro quadrado por dia.
Por outro lado, a emissão de metano ebulitivo, que é menos frequente, chegou a emitir bolhas de 5 mil a 10 mil miligramas por metro quadrado por dia. Estudos no exterior quase não avaliaram a emissão por bolhas porque esta é uma característica de reservatórios tropicais, de áreas de águas mais quentes, com muita matéria orgânica disponível.
Para a inclusão dos dados nos inventários nacionais, os pesquisadores de áreas tropicais sugerem considerar as emissões ebulitivas. “Quando fazemos análise de metano, com modelagem para determinar esse fluxo de gás que sai da coluna de água para a atmosfera, ou com uso de equipamentos que medem apenas o ar atmosférico em cima do reservatório, esses métodos não conseguem pegar essas bolhas”, observa Gomes da Silva.
A grande importância desse trabalho é mostrar que além dos tanques-rede aumentarem a emissão de gás de efeito estufa na forma de metano, ampliam muito o fluxo ebulitivo, isto é, a quantidade de bolhas e o impacto pela emissão de metano. Por isso, a importância de se entender os dois transportes de gases para a atmosfera.
De acordo com Silva, observou-se que o aumento das emissões de metano esteve associado à área de produção de tilápia. O aumento foi de cerca de seis vezes para o metano difusivo e de, aproximadamente, 2 mil vezes para as emissões ebulitivas, em comparação com as áreas externas dos tanques-rede.
Outro fator importante a ser considerado é que não houve diferença significativa de emissão de metano quando comparados os locais antes e depois dos tanques-rede. Esse fato sugere que os efeitos da produção pesqueira nas emissões se restringem à área de sua atuação direta. A influência da criação de tilápias na emissão de metano foi restrita aos locais de tanques-rede, demonstrando que o impacto é local e dissipativo pelo ambiente.
Fatores como altas concentrações de carbono e fósforo na água e sedimentos foram associados ao aumento de emissões. Por isso, alimentação adequada, boas práticas de manejo e estratégias planejadas para a piscicultura em tanques-rede permitirão ao produtor melhorar a produtividade e reduzir a emissão de metano.
Os cientistas destacam que o estabelecimento da piscicultura em tanques-rede em um reservatório tropical deve considerar a capacidade de suporte, a sazonalidade e a quantidade de carbono para minimizar a emissão de metano. “É bom ressaltar que os limites definidos nesse estudo se referem às características do reservatório de Ilha Solteira. Por isso, sugerimos que sejam estudadas as concentrações de nutrientes no sedimento e na água para melhor manejo do reservatório e para a seleção de novas áreas para instalação de tanques- rede”, pondera Silva.
“Essas descobertas fornecem informações valiosas de que a criação de tilápia em tanques-rede em reservatórios pode estar associada ao aumento das emissões de metano, mas o impacto é restrito a uma pequena área quando detectado à área total do reservatório. Esse é um fato importante a ser considerado e indica que a piscicultura tem potencial para ser uma das atividades de produção animal com menor pegada de carbono”, explica Paula Packer , chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente e uma das autoras do estudo.
Aquicultura intensiva no Brasil
A aquicultura intensiva aumentou em todo o mundo nas últimas décadas, juntamente com a crescente conscientização sobre o desenvolvimento sustentável dessa atividade.
No País, a piscicultura em tanques-rede nos reservatórios tem se ampliado nas últimas décadas, impulsionada pela presença de barragens utilizadas na produção de energia elétrica, que fornecem água de alta qualidade.
O Brasil está entre os países com maior produção aquícola, com 612 mil toneladas em 2019, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ).
O monitoramento da qualidade da água é a principal estratégia para o manejo sustentável da aquicultura, fundamental para o planejamento das atividades e para ampliar a produção.
“O aumento descontrolado da piscicultura devido à falta de políticas adequadas para limitar ou estabelecer boas práticas de manejo pode estar associado a graves problemas ambientais. Daí a importância de monitoramentos que garantam o menor impacto ambiental possível, ajudando a mitigá-los quando necessário, condição essencial para garantir a sustentabilidade do setor”, frisa Fernanda Sampaio.