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O acúmulo de cálculo dentário e o papel da nutrição para manter a saúde oral

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Caroline Fredrich Dourado Pinto

Zootecnista e Doutoranda em Zootecnia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Caroline Fredrich Dourado Pinto

Luciano Trevizan

Doutorado em Zootecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil(2009)
Luciano Trevizan
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O acúmulo de cálculo dentário e o papel da nutrição para manter a saúde oral

Por viverem mais, cães necessitam manter a saúde oral e a dentição

saúde oralDentre os serviços de pet care, definido como os cuidados dispendidos por tutores aos seus animais de companhia, destacam-se aqueles relacionados à alimentação, banho e vacinação. Os cuidados com a saúde oral costumam passar despercebidos aos tutores, e reconhecidos apenas quando o animal apresenta halitose ou algum dano à dentição.

No entanto, os cuidados à saúde oral são indispensáveis, pois impactam diretamente na saúde geral e longevidade de cães.

Assim como os humanos, os cães são classificados como difiodontes pois possuem duas dentições ao longo da vida, a primeira dentição decídua é composta por 28 dentes, já a segunda dentição permanente por 42 dentes.

saúde oralAlém disso, cães são heterodontes pois sua dentição possui formatos e funções diferentes, como apreensão (dentes incisivos), corte e preensão (dentes caninos) e mastigação (dentes pré-molares e molares) (Wiggs et al., 1997, Román 1992).

As estruturas que circundam a dentição conferem proteção (gengiva) e sustentação (cemento, osso alveolar e ligamento periodontal) e compõem o periodonto (Harvey 1998).

A periodontite é a doença oral que mais acomete cães (Niemiec, 2008). A inflamação se estende pelos tecidos de proteção e sustentação promovendo danos permanentes como destruição do periodonto, mobilidade e perda dentária. Além dos danos à cavidade oral, a periodontite pode causar danos sistêmicos ao coração, rins e fígado (DeBowes et al., 1996; Pavlica et al., 2008).

O primeiro estágio da doença periodontal é pouco visível e compreende o período no qual as bactérias Gram-positivas aeróbias e anaeróbias facultativas, naturalmente presentes na cavidade oral, produzem e secretam o biofilme ou placa bacteriana sobre a superfície dentária.

saúde oralA elevada disponibilidade de nutrientes na saliva propicia a proliferação destes microrganismos (Harvey 1998). À medida que ocorre o espessamento da placa bacteriana a disponibilidade de oxigênio é restrita e, assim, ocorre a mudança da composição de microrganismos para bactérias Gram-negativas anaeróbias (American Academy of Periodontology1 1999; Hardham et al., 2005).

O estágio seguinte da doença periodontal se dá pela mineralização da placa bacteriana pré-existente formando o cálculo dentário, popularmente conhecido como tártaro, através da deposição de carbonatos e fosfatos de cálcio que circulam na saliva (Harvey 1998).

Os estágios mais avançados da periodontite são caracterizados pelo aumento da permeabilidade tecidual, facilitando a entrada de bactérias patogênicas pela circulação sistêmica, e resposta imune através da infiltração de neutrófilos, macrófagos e linfócitos sobre os tecidos periodontais, liberando metabólitos e desencadeando a retração gengival, destruição do ligamento periodontal e reabsorção óssea (Ishikawa 2007).

Em resumo, estes fatores combinados promovem a perda de adesão do dente ao seu respectivo alvéolo, resultando na mobilidade dentária, e por fim a perda dentária (Teng 2006).

O método mais eficaz na prevenção da doença periodontal se dá pela limpeza realizada por médicos veterinários, na qual é feita a raspagem e remoção completa da placa e cálculo das superfícies dentárias. A limpeza periodontal deve ser feita regularmente para garantir a integridade e saúde dos tecidos periodontais. Somado à intervenção profissional, os tutores podem aderir a práticas como a escovação dentária e inclusão de alimentos e itens mastigatórios específicos para a manutenção da saúde oral.

A escovação dentária é de extrema eficácia na remoção da placa bacteriana e prevenção do acúmulo de cálculo, no entanto demanda cuidado devido a sensibilidade da gengiva. Além disso, requer adesão e comprometimento dos tutores para realizar o procedimento diariamente ou a cada dois dias (Harvey et al., 2015).

 

A adição de alguns aditivos químicos à dieta auxilia na redução do acúmulo de placa e cálculo dentário em cães. Os quelantes de cálcio, em especial os polifosfatos de sódio, atuam na captação do cálcio circulante na saliva impedindo sua deposição sobre a placa bacteriana pré-existente, esses aditivos são amplamente utilizados em alimentos completos e petiscos pela indústria de pet food.

 

A adição de alguns aditivos químicos à dieta auxilia na redução do acúmulo de placa e cálculo dentário em cães.saúde oral
Os quelantes de cálcio, em especial os polifosfatos de sódio, atuam na captação do cálcio circulante na saliva impedindo sua deposição sobre a placa bacteriana pré-existente, esses aditivos são amplamente utilizados em alimentos completos e petiscos pela indústria de pet food.

Inúmeros trabalhos científicos evidenciaram a eficácia desses aditivos na redução da placa e cálculo dentário em cães, como observado por Stookey et al. 1995 em que a utilização de 0,6% de hexametafosfato de sódio na cobertura de biscoitos reduziu em 79,6% a formação de cálculo dentário nos cães que consumiram o petisco durante 4 semanas.

De modo similar, Pinto et al. 2008 verificaram que a adição de hexametafosfato de sódio na cobertura da ração reduziu em 47,6% o acúmulo de cálculo dentário em cães após 90 dias de consumo da dieta, já quando adicionado na massa a redução foi de 34,2%.

Além dos aditivos químicos, a ação mecânica promovida pelo alimento e itens mastigatórios auxilia na remoção de placa e cálculo dentário. O fornecimento de alimentos secos permite efeito abrasivo, mesmo que moderado, sobre a superfície dentária como evidenciado nos trabalhos de Gawor et al. 2006 e Buckley et al. 2015, em que cães alimentados com dietas secas apresentaram melhores índices de saúde oral comparados àqueles alimentados com dietas úmidas ou caseiras.

saúde oralAssim como a dieta, os petiscos e itens mastigatórios também auxiliam na limpeza dentária. Stookey 2009 verificou que o fornecimento de petiscos a base de couro cru por 4 semanas reduziu a formação de cálculo (28,2%), placa (19%) e gengivite (46%) comparado ao grupo de cães alimentados apenas com dieta comercial seca.

Em trabalho mais recente, Oba et al. 2021 observaram a redução no acúmulo de placa, cálculo e gengivite em cães suplementados com diferentes tipos de petiscos. Os autores verificaram ainda que os cães alimentados apenas com dieta seca apresentaram maior abundância relativa de gêneros bacterianos patogênicos, como:

  • Porphyromonas,
  • Tannerella, e
  • Treponema,

E menor abundância relativa de gêneros bacterianos associados à saúde oral, como Neisseria, Actinomyces, Bergeyella e Moraxella.
Apesar das controvérsias, nosso grupo através da pesquisa, tentou entender melhor o efeito auxiliar dos ossos sobre a saúde oral de cães. No primeiro estudo, Marx et al. 2016 observaram que cães suplementados com as epífises de fêmur bovino cru por 12 dias apresentaram redução de 81,6% de cálculo dentário, enquanto os cães suplementados com as diáfises do fêmur bovino tiveram redução de 70,6% de cálculo.

Atentos ao fato de que ossos crus podem ser agentes transmissores de patógenos importantes, o grupo avaliou ossos autoclavados uma vez que o processo poderia mudar a consistência do osso e impactar no efeito de limpeza do cálculo. Na avaliação de ossos autoclavados, Pinto et al. 2020 verificaram que cães suplementados com as epífises autoclavadas por 13 dias apresentaram redução de 89,5% de cálculo dentário, enquanto o grupo suplementado com as diáfises autoclavadas tiveram redução de 64,7% de cálculo (Figura 1).

Apesar dos resultados expressivos, cabe ressaltar que ambos os estudos foram executados experimentalmente e de forma controlada para evitar injúrias como lesões orais e obstruções esofágicas que comumente podem ocorrer quando os cães deglutem partes de ossos pontiagudos (Lopes et al., 2020; Thompson et al., 2012).

O principal resultado destes estudos reforça a hipótese de que ossos bovinos derivados de fêmur bovino são agentes muito eficazes na remoção do cálculo dentário.  No entanto, não existem informações científicas quanto a segurança do uso de ossos a longo prazo sobre a saúde dental.
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Figura 1. Efeitos da suplementação com ossos sobre a remoção do cálculo dentário em cães Beagle adultos. (a) arcada dentária no dia 0 – antes da suplementação com ossos esponjosos autoclavados; (b) arcada dentária após 13 dias de suplementação com ossos esponjosos autoclavados; (c) osso esponjoso autoclavado; (d) arcada dentária no dia 0 – antes da suplementação com ossos compactos autoclavados; (e) arcada dentária após 13 dias de suplementação com ossos compactos autoclavados; (f) osso compacto autoclavado.

Na presença do cálculo dentário, microrganismos patogênicos associados ao cálculo e à periodontite podem chegar à circulação sistêmica havendo ação deletéria sobre órgãos (DeBowes et al., 1996; Pavlica et al., 2008).

Pesquisas recentes tem se dedicado a avaliar o efeito do uso de aditivos e itens mastigatórios na modulação da microbiota oral, buscando controlar a proliferação de bactérias conhecidamente associadas à periodontite (Streptococcus sp., Staphyloccoccus sp., Porphyromonas gingivalis e outras bactérias Gram-negativas anaeróbias e a sua entrada na circulação sanguínea.

Concomitantemente à avaliação da remoção de cálculo dentário exercida pelos ossos autoclavados, nosso grupo de pesquisa coletou amostras de saliva e do sulco gengival (Figura 2) para avaliação da modificação da microbiota oral (Pinto et al., 2021) antes e após a suplementação de ossos.

Como esperado, a maior remoção de cálculo dentário no grupo de cães suplementados com ossos esponjosos autoclavados por 13 dias promoveu a transição positiva da microbiota oral, observada pelo aumento na abundância relativa de espécies como Moraxella sp. e Bergeyella zoohelcum, espécies associadas à saúde oral (Davis et al., 2013), na saliva e sulco gengival.

Apesar de eficientes, o feito mastigatório dos ossos compactos autoclavados não alcançou as taxas de limpeza obtidas com ossos esponjosos e houve abundância relativa do gênero Porphyromonas, microrganismo presente  em todos os estágios da doença periodontal (Davis et al., 2013), na saliva e sulco gengival.

Figura 2. Coleta de sulco gengival para sequenciamento bacteriano (a) e sondagem (b).
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saúde oralEm conclusão, a manutenção da saúde oral requer cuidados regulares seja através da higienização pela escovação dentária ou pelo fornecimento de petiscos e itens mastigatórios. Porém, a limpeza periodontal realizada pelo profissional competente permanece sendo o método mais eficaz na remoção completa de placa e cálculo, permitindo a integridade da dentição e estruturas periodontais e garantindo a saúde e bem-estar aos cães.

 

Referências bibliográficas

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