Portanto, o período em que as vacas enfrentam o maior risco de desenvolver distúrbios metabólicos [cadastrar] concentra-se desproporcionalmente no período de transição. Isso contribui para os maiores índices de descarte involuntário no início da lactação, gerando impactos negativos, tanto do ponto de vista econômico como do bem-estar animal.
Vários autores já relataram que o descarte ocasionado por doenças é maior no início da lactação (até 60 dias em leite), e uma das principais causas é justamente a alta incidência de enfermidades, como cetose, hipocalcemia, retenção de placenta, metrite, deslocamento de abomaso, entre outras, que estão diretamente relacionadas a um período de transição mal sucedido.
Visando minimizar os distúrbios metabólicos e otimizar a produção, estudos têm sugerido a suplementação do aminoácido metionina, idealmente suplementado na forma de metionina protegida ruminalmente (MPR).
Esse aminoácido essencial é fornecido de maneira encapsulada, com material específico que difere em cada produto comercial, com a intenção de aumentar a disponibilidade de metionina no pós-rúmen e otimizar sua absorção.
- Além de ser categorizado como essencial e deficiente em dietas típicas de vacas leiteiras, a metionina também se mostra eficiente para a regulação de processos metabólicos importantes, principalmente no fígado, desempenhando papel lipotrópico, auxiliando na síntese da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e na produção de antioxidantes.
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No período periparturiente de uma vaca leiteira muito se fala sobre o balanço energético negativo (BEN), mas é preciso levar também em consideração um balanço negativo de proteína, de aminoácidos e também de doadores de grupo metil, como por exemplo: metionina, betaína, ácido fólico, colina e vitaminas do complexo B, que estão relacionados a rotas metabólicas, responsáveis pela homeostasia e consequente bom desempenho do animal frente aos desafios.
A metionina participa do ciclo de 1-Carbono, sintetizando o SAM (S-adenosilmetionina), cofator enzimático e doador universal de grupo metil no organismo, que pode atuar na metilação do DNA, prevenção de estresse oxidativo, no metabolismo energético e na síntese proteica.
Referente ao BEN, que acontece porque o consumo de MS não acompanha a demanda energética requerida no período de transição, a ingestão reduzida resulta na queda abrupta do AGV propionato, principal precursor gliconeogênico em ruminantes, levando o animal a uma condição de hipoglicemia. Baixa glicemia reduz as concentrações de insulina, levando o organismo a uma mobilização mais intensa de suas reservas corporais, particularmente no tecido adiposo, ocorrendo a liberação mais intensa de ácidos graxos livres ou não esterificados (AGNE).
Estudos realizados anteriormente já encontraram efeitos positivos da metionina sobre o consumo alimentar. Animais suplementados com metionina apresentaram consumo superior tanto no período pré-parto, como no pós-parto. Estas descobertas são de grande importância, uma vez que um consumo aumentado neste período é benéfico, ajudando a reduzir a incidência de desordens metabólicas associadas ao período de transição.
Aumentos na ingestão e na produção de enzimas antioxidantes podem ser os principais responsáveis pelo aumento na atividade de células do sistema imune. Portanto, pode-se presumir que a suplementação de metionina de certa forma pode gerar condições para o animal ser mais resiliente e superar as enfermidades. |
Como mencionado acima, também como resultado do BEN, há um aumento nas concentrações de AGNE. Posteriormente, estes alcançam o fígado onde podem ser completamente oxidados, entrando no hepatócito e liberando ATP.
Outra possibilidade é a oxidação incompleta, produzindo corpos cetônicos, algo fisiológico na vaca recém-parida (desde que não em excesso). Uma parte dos AGNE é reesterificado em triglicerídeo (TG), com posterior exportação via VLDL e esta via também é favorável. Porém a síntese e secreção de VLDL são limitadas e dependentes de fosfolipídios, sendo que o excesso de TG acumula-se no parênquima hepático, enfermidade esta conhecida por esteatose hepática ou fígado gordo.
Umas das funções da MPR é seu papel lipotrópico no fígado, viabilizando a síntese de apolipoproteínas, componente importante para a síntese de VLDL.
A exportação de VLDL ajuda a diminuir triglicerídeos (TG) acumulados no tecido hepático, facilitando o transporte dos ácidos graxos no organismo. Outra possível atuação da metionina, que otimiza o metabolismo lipídico, é a produção do derivado de aminoácido denominado carnitina, responsável pela entrada de ácidos graxos ativados (acil-CoA) no interior da mitocôndria. Tais processos reduzem o risco de a vaca leiteira desenvolver esteatose hepática e cetose.
Além disso, a metionina é imprescindível para a síntese de glutationa, um poderoso antioxidante, produzido também pelo ciclo de 1-Carbono, através da via de homocisteína. Isso ajuda a melhorar a capacidade do organismo de lidar com o estresse oxidativo que ocorre principalmente no pós-parto imediato.
O fígado é responsável pela produção de proteínas de fase aguda positivas, como haptoglobina, ceruloplasmina, amiloide sérica A e proteína C reativa, que tendem a intensificar o processo inflamatório.
Normalmente, essas proteínas são encontradas em baixas quantidades no sangue, exceto durante uma inflamação sistêmica, que é o caso de alguns animais no pós-parto.
Por outro lado, as concentrações da proteína de fase aguda negativa albumina são reduzidas durante a inflamação, podendo ser usada juntamente com os metabólitos colesterol e bilirrubina, como marcadores de inflamação ou de comprometimento da função hepática. Pesquisadores italianos sugeriram a estimativa do índice de funcionalidade hepática (LFI), o qual preconiza que concentrações altas e crescentes de albumina e colesterol, e concentrações baixas e decrescentes de bilirrubina é o cenário de uma vaca recém-parida saudável, bem adaptada e produtiva.
Alguns estudos com suplementação de MPR em vacas leiteiras no pré e pós-parto, relataram menores concentrações de haptoglobina e maiores concentrações de albumina e colesterol em vacas suplementadas, indicando vacas saudáveis e consequentes produtivas.
Inúmeros estudos ressaltam a importância e os benefícios da suplementação de MPR no período de transição, visto que esta tipicamente apresenta efeitos positivos quando se fala em desempenho produtivo, principalmente teores e quantidades de sólidos do leite. Foi demonstrado um aumento principalmente nos teores de proteína e gordura do leite, com a suplementação de MPR para vacas no início da lactação.
Em resumo, a metionina desempenha um papel crucial no manejo nutricional de vacas leiteiras durante o período de transição, beneficiando a prevenção de distúrbios metabólicos, o incremento da produção de leite e de sólidos e o bem-estar dos animais.
A suplementação de MPR se destaca como uma estratégia promissora para otimizar o desempenho desses animais durante essa fase crítica. Além de sua contribuição para a síntese de proteína e gordura do leite, a metionina atua também como um doador de grupo metil, desempenhando um papel importante na redução do estresse oxidativo e na manutenção do balanço energético. Isso ressalta a relevância de considerar a metionina como um nutriente essencial na bovinocultura leiteira, com o potencial de promover saúde, produtividade e sustentabilidade em rebanhos leiteiros.
Há mais de 10 anos, o Grupo do Leite da UFPR tem realizado experimentos com a suplementação de metionina em rebanhos paranaenses, tanto em vacas secas e em transição, como em vacas lactantes, e em breve publicará novos artigos científicos detalhando os principais resultados e benefícios alcançados.
Por conta destes e tantos outros resultados, sugerimos que a metionina não seja mais tratada com um aditivo na bovinocultura de leite, mas sim como um nutriente essencial e frequentemente deficiente nas dietas de vacas leiteiras.
Referências bibliográficas sob consulta. [/cadastrar]