Para ler mais conteúdo de nutriNews Brasil 2 Trimestre 2020
Os grãos da soja contém quantidades variáveis de fatores antinutricionais (FAN), entre os quais destacam-se os inibidores de tripsina (IT), por seu efeito negativo sobre a atividade da tripsina e quimotripsina sobre a digestibilidade dos aminoácidos (AA).
Os fatores antitrípsicos são termolábeis, razão pela qual seu conteúdo e atividade são reduzidos após o correto processamento térmico.
Portanto, o processamento adequado do grão aumenta a digestibilidade dos AA e melhora notavelmente o valor nutricional da farinha de soja (FS) correspondente
O aquecimento insuficiente deixaria sem ativar uma grande parte dos IT presentes.
A farinha de soja com valores de IT inferiores a 1-2 mg/g poderia ser um indicativo de produtos superaquecidos, se a incidência de reações de Maillard for alta.
As técnicas existentes para a determinação e quantificação tanto dos IT, como das reações de Maillard são complicadas e custosas e, por isso, é fundamental utilizar corretamente os métodos disponíveis no laboratório para quantificar os compostos resultantes destas reações.
Em nível comercial, existem inúmeros métodos para o controle da qualidade da proteína da FS. Entre eles, os mais utilizados pela indústria são:
Teste de urease
Os grãos da soja contém quantidades variáveis de urease, enzima termolábil cuja destruição por tratamento térmico segue, “grosso modo”, uma dinâmica similar à dos IT (Balloun, 1980; Waldroup et al., 1985).
⇑ Facilidade e baixo custo, razão pela qual é o mais utilizado pela indústria.
⇓ Sua principal limitação é que não tem valores negativos. Um valor de zero não nos permite saber se o processamento térmico foi “perfeito”, destruindo todos os fatores antinutritivos do grão, ou se foi excessivo.
A solubilidade das globulinas, principais proteínas de armazenamento do grão, é alta. Porém, diminui com o processamento térmico.
» Antes do processamento, a proteína dos grãos é muito solúvel e o valor de HOH estará acima de 90-95%.
» O teste de solubilidade em HOH nos permite medir a solubilidade das proteínas da soja em uma solução 0,2% KOH e, assim, determinar indiretamente o grau de desnaturação da fração proteica.
O método é efetivo para determinar o superaquecimento do grão, ou farinha. Porém, é menos eficaz para detectar grãos insuficientemente processados (AndersonHafeman et al, 1992).
O método permite determinar, de forma mais precisa, o nível ideal de processamento de um grão, ou FS que o teste de urease e, às vezes, que a solubilidade em KOH, segundo Hsu and Satter (1995), Batal et al. (2000) e Dudley-Cash (2001).
Da mesma forma que o indicado para o método da solubilidade em KOH, manipulação e características dos processos da amostra aplicados durante sua análise, podem afetar os resultados laboratoriais obtidos.
Em particular, a diração do período de armazenagem tende a reduzir muito mais os valores do PDI, que o efeito sobre os valores de KOH e IT (Sueiro et al., 2009a, b; Serrano et al., 2013) (Tabela 1).
Apesar dos diferentes critérios existentes (Lee et al., 2007; de Coca-Sinova et al., 2008), a solubilidade em KOH e, em menor medida, o PDI, estimam melhor a qualidade do processamento da FS, que a atividade ureásica.
Deve-se considerar que as Farinhas de Soja dos EUA apresentam, em média, valores para KOH e PDI 4-5 pontos superiores às FS procedentes do Brasil, ou Argentina (García-Rebollar et al., 2016).
Estes valores de KOH são superiores às recomendações atuais da maioria dos autores (Tabela 2).
Na Tabela 2 são detalhados os valores aceitaveis da qualidade da proteína da soja (solubilidade em KOH, PDI, atividade ureásica e IT), segundo Van Eys (2012).
Inibidores de Tripsina (IT)
Para os IT, os valores se apresentam como unidades de atividade (AIT) e não em unidades (UIT) de IT.
Para efeitos práticos, os IT presentes no grão pertencem a dois grupos diferentes: Kunitz e Bowman-Birk. Estes dois tipos não têm os mesmos efeitos antinutricionais e, além disso, têm diferente sensibilidade ao calor. Por isso, a redução da quantidade (mg/g) não indica necessariamente uma melhora proporcional da inativação e dos resultados produtivos.
Diferentes efeitos dos IT sobre o fisiologismo das diferentes espécies animais.
Estaquiose e rafinose
Os oligossarídeos (estaquiose e rafinose), hidratos de carbono simples, que não são digeridos pelo animal, mas podem ser fermentados no intestino grosso, são outros FAN de interesse presentes nas FS.
⇓ O excesso destes oligossacarídeos pode levar a problemas devido ao crescimento desordenado de microorganismos no ceco.
⇑ Concentrações moderadas de oligossacarídeos podem fermentar proporcionando um aporte extra de energia (ácidos graxos voláteis), especialmente em suíno adulto.
⇑ Além disso, os ácidos graxos de cadeia curta, resultantes da fermentação dos oligossacarídeos, reduzem o pH do intestino grosso, o que poderia ser benéfico para a saúde intestinal, especialmente no caso do ácido butírico.
De fato, a pequenas concentrações, os oligossacarídeos são considerados prebióticos em substituição do FAN, em determinadas circunstâncias (Grizard e Barthomeuf, 1999; Conway, 2001; Rycroft et al., 2001).
A origem do grão, o tipo de processamento, o tempo e as condições de armazenamento afetam diretamente as características da farinha de soja.
Utilizar corretamente os diferentes métodos disponíveis para a detecção de FAN como os IT e as reações de Millard é fundamental para a avaliação adequada do produto.
As consequências da presença destes compostos sobre a fisiologia animal, assim como a presença de outros FAN como os oligossacarídeos, devem ser considerados na formulação prática de alimentos para espécies monogástricas.
A solubilidade em KOH, apesar de suas limitações, poderia ser o método de escolha para controlar a qualidade do processamento da Farinha de Soja. De fato, em países desenvolvidos, com uma indústria de processamento de soja bem estabelecida, a determinação dos valores de atividade ureásica tem escasso valor proteico.
Autores: G. Fondevila, L. Cámara, J. L. Archs & G.G. Mateos – Departamento de Produção Agrária, UP Madri.