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Aspectos de qualidade determinantes para a escolha de rações para peixes
A qualidade das rações é muito importante para o sucesso na criação de peixes. No entanto, vários aspectos devem ser considerados. Por muito tempo, as rações foram adquiridas pelo tamanho dos péletes e pela quantidade de proteína e vitamina C.
A qualidade envolvia, além dos teores desses nutrientes, a cor e o aroma, e mais recentemente a presença de aditivos, como os probióticos. Entretanto, esses critérios começaram a mudar, e a ciência tem contribuído para isto.
No Brasil, vários grupos de pesquisa têm trabalhado para determinar as exigências nutricionais de diversas espécies de peixes, o aproveitamento dos nutrientes presentes em cada ingrediente, o uso consciente da proteína, o uso de aditivos, etc. Baseados nesse conhecimento, muitos pesquisadores demonstram preocupação no balanço de nutrientes das rações comerciais.
Em 1999, Fernando Kubitza e colaboradores relataram no artigo “Rações comerciais para peixes no Brasil: situação atual e perspectivas”, publicado na revista Panorama da Aquicultura, que as rações estavam em constante melhoria, mas que os problemas nutricionais ainda existiam. Os produtores estavam intensificando a produção sem se preocupar em fornecer aos peixes rações de melhor qualidade. A maioria das rações disponíveis no Brasil, na época, era adequada apenas para peixes criados em sistemas semi-intensivos, onde a presença do alimento natural contribuía com a nutrição dos animais.
Ainda em 1999, Fernando Kubitza e José Eurico P. Cyrino, no artigo “Effects of feed quality and feeding practices on the quality of fish: A Brazilian fish culture outlook”, citam que as deficiências minerais na alimentação dos peixes são menos frequentes do que as deficiências vitamínicas. As perdas de vitaminas ocorrem normalmente no processamento e estocagem das rações e na alimentação dos peixes, quando os péletes são colocados em contato com a água (lixiviação). Também foram relatadas perdas econômicas relacionadas às deficiências em vitaminas e minerais, ao desbalanço da relação entre energia e proteína e ao manejo alimentar.
Em 2015, Roberto Montanhini Neto e Antônio Ostrensky analisaram a composição e o conteúdo nutricional de rações para tilápia no Brasil e ressaltaram o potencial poluidor das rações, devido ao desbalanço e à indisponibilidade de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo.
Quanto ao fósforo, os autores citaram que, além das perdas pelo excesso de sua fração indisponível (ligado ao fitato), a situação pode ser agravada pelo potencial poluidor da fração disponível, em que somente 30% do fósforo ingerido pelo peixe é retido no organismo. O restante vai para o ambiente por meio das fezes.
Quanto à proteína bruta e digestível, os autores citam que as rações foram relativamente adequadas às exigências nutricionais. Porém, o balanço dos aminoácidos não atendeu às recomendações, principalmente com relação à metionina, cuja consequência é o aproveitamento de apenas metade da proteína digestível. Além do efeito poluidor da liberação de nitrogênio ao ambiente, presume-se que os peixes teriam crescimento reduzido e a atividade não seria rentável.
Em 2016, Bernardo R. José e colaboradores publicaram o artigo “De olho na composição das rações de tilápia”, na revista Panorama da Aquicultura, que aborda a análise da composição química das rações para tilápia em Santa Catarina. A maioria das desconformidades estava relacionada ao conteúdo de proteína bruta e matéria mineral, provavelmente devido à qualidade das matérias-primas utilizadas na formulação dessas rações. Eles ressaltaram que, para a escolha da ração, devem ser considerados os indicadores de qualidade (composição nutricional e digestibilidade dos nutrientes), preço, serviço de atendimento e assistência técnica fornecida pelo fabricante.
Os autores destacaram, ainda, a importância do atendimento dos níveis de garantia pelos fabricantes e da qualidade da ração, proporcionando crescimento em proteína (não gordura) mais rápido e melhor custo-benefício. Sendo assim, para melhorar a qualidade, sugeriram o diálogo entre a indústria, o produtor e/ou associação de produtores e as instituições de pesquisa.
Em 2021, nota-se grande quantidade de artigos científicos publicados, porém pouca adoção dessas tecnologias pelo setor. Felizmente, esse cenário começa a mudar com iniciativas como a da Embrapa, ao estimular projetos junto aos parceiros do setor, os chamados projetos tipo III.
Esta aproximação é desejada, porque a inovação está atrelada à adoção das tecnologias. Então, é esperado que os resultados das pesquisas sejam “absorvidos” pelas indústrias. Entretanto, os fabricantes de ração, muitas vezes, não são encorajados a utilizar alguns conceitos científicos, como a formulação com base em aminoácidos digestíveis, pois isso pode encarecer as rações e os clientes não estarão dispostos a pagar sem conhecerem os benefícios que terão.
Rações formuladas com base no balanceamento de nutrientes digestíveis podem conter ingredientes mais nobres, proporcionando muitos benefícios “indiretos”, que podem compensar o preço. Neste sentido, destacam-se:
crescimento mais rápido dos peixes
maior rendimento de filé
melhora na qualidade da água
O que resultará em mais ciclos de produção, bonificações pelo rendimento do pescado, entre outros.
Diante disso, é necessária a união de esforços entre as comunidades técnica, científica, industrial e produtiva, com o objetivo de analisar a viabilidade do uso dessas rações e adequá-las à realidade do setor produtivo. O equilíbrio é essencial para a inovação e o sucesso da atividade.
É compreensível a preocupação dos pesquisadores com o atendimento das exigências nutricionais dos peixes, mas são também justificáveis os objetivos dos fabricantes (atendimento das demandas do mercado) e dos produtores (rações com preços acessíveis e resultados satisfatórios). Juntos, os setores ficarão alinhados ao ponto de os produtores definirem exatamente o que precisam e os fabricantes terem diferentes linhas de produtos para atendê-los.
Para entender a complexidade desse processo é necessário entender como as rações são produzidas e como é determinada a sua qualidade. Assim, torna-se mais fácil para o consumidor saber o que quer e o que precisa.
COMO A RAÇÃO É PRODUZIDA |
De forma geral, para elaborar uma ração é necessário conhecer os nutrientes dos ingredientes disponíveis e que são aproveitados pela espécie e a fase de desenvolvimento do peixe em questão.
Deve-se, também, ter conhecimento das exigências nutricionais e da interação nos nutrientes. Assim, é possível fazer a mistura dos ingredientes para fornecer todos os nutrientes necessários ao crescimento dos peixes.
Vale ressaltar que os ingredientes selecionados devem passar por um controle de qualidade e padronização da composição nutricional. Os alimentos devem ser bem conservados e livres de substâncias contaminantes e/ou tóxicas.
O conteúdo nutricional e o custo são determinantes para a seleção dos ingredientes das formulações. De forma geral e resumida, a mistura formulada passa pelo processo de:
Esses processos são complexos e envolvem calor e pressão na formação dos péletes, os quais podem alterar a disponibilidade de nutrientes.
ASPECTOS DA QUALIDADE DE RAÇÕES |
A qualidade da ração é avaliada pelos aspectos físicos, químicos e biológicos.[registrados]
Grande parte dessas variáveis pode ser observada pelo próprio produtor e algumas práticas podem ser conferidas em uma publicação da Embrapa (Freitas et al., 2016). Destaca-se que elas são diretamente afetadas pelo processamento.
São variáveis que podem ser analisadas em laboratório. Algumas também podem ser realizadas nas próprias linhas de produção por equipamentos apropriados, como o NIRS (espectroscopia no infravermelho próximo).
A presença de contaminantes, como toxinas e microrganismos patogênicos, relaciona-se com as características químicas e microbiológicas da ração, respectivamente. Os ingredientes podem estar contaminados ou a ração ser contaminada durante o processamento.
Porém, as fábricas trabalham com programas de garantia de qualidade, como BPF (Boas Práticas de Fabricação) e APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) para evitar esse tipo de problema.
É preciso considerar que o mesmo fabricante e o mesmo ingrediente podem alterar algumas características da ração ao longo do ano, pois a formulação varia de acordo com a disponibilidade e o lote de ingredientes. No entanto, o padrão de qualidade deve ser mantido.
O último, e o mais importante, é o aspecto biológico, que leva em consideração a segurança e a composição nutricional dos ingredientes para a formulação das rações e as transformações destas após consumidas.
Além da formulação, este aspecto sofre influência no processo de fabricação, ou seja, com a substituição de ingredientes ou no processamento, a disponibilidade dos nutrientes para os peixes pode ser alterada. Por sua vez, o resultado esperado é que a quantidade de nutrientes que será aproveitada pelos peixes seja suficiente para que cresçam rapidamente e com saúde.
O QUE OS PRODUTORES PRECISAM |
Os fabricantes, muitas vezes, possuem técnicos competentes, equipamentos adequados, controle de qualidade, acesso às tecnologias, matérias-primas de qualidade, assistência ao produtor e produzem ótimos produtos.
No entanto, os produtos comerciais normalmente são resultantes das demandas de muitos produtores, que baseiam suas escolhas de ração nos teores de proteína bruta, vitamina C, preço, prazo e logística. Estas são características relevantes, porém, é necessário acompanhar os resultados de desempenho e avaliar o custo/benefício das rações.
A aquicultura é uma das atividades mais difíceis de ser controlada e acompanhada, uma vez que a água dificulta a visualização dos animais. Além disso, é nesse ambiente que os organismos aquáticos se alimentam e, também, liberam seus resíduos.
Mesmo assim, o acompanhamento ou controle da produção é a melhor ferramenta para o sucesso da atividade e para que o produtor conheça qual é a melhor ração para o seu sistema de produção.
Para isso, o piscicultor deve controlar, em cada tanque ou viveiro:
quantidade de peixes alocados![]() |
densidade![]() |
quantidade de ração fornecida![]() |
peso ao abate![]() |
peso dos peixes![]() |
mortalidade![]() |
duração do ciclo![]() |
todos os custos e lucros![]() |
Assim, será possível obter os índices de desempenho de cada lote, tais como ganho de peso, conversão alimentar, eficiência de utilização da ração, taxa de crescimento, custos de produção, taxa de eficiência econômica da ração e, como consequência, o índice de produtividade.
Os produtores precisam saber o que os consumidores querem para que possam definir, de acordo com a estrutura/água disponível:
a quantidade de ciclos necessários por ano
o tamanho dos peixes para o abate
a quantidade de peixes estocados
a qualidade
o rendimento de filé necessários para atendê-los.
Os itens a serem priorizados na produção, considerando mercado, custos e lucratividade, é que definirão a ração que deve ser utilizada.
Por exemplo, se um tilapicultor tem alta demanda de tilápias para a produção de filé e é bem valorizado pelo rendimento, é válida a produção intensiva com ração de alta performance, com ótimo balanceamento e aproveitamento dos nutrientes e talvez até com a presença de aditivos.
Assim, os peixes crescerão rápido, com saúde e depositarão mais carne, o que refletirá em maior tamanho de filé a ser comercializado. Sem contar o menor potencial poluidor, mantendo a qualidade de água por mais tempo. No entanto, de nada adianta uma ração premium se o manejo alimentar não estiver adequado.
O custo de uma ração pode ser mais alto, porém, quando se consideram os resultados que seu uso adequado proporciona, ela pode se tornar mais econômica que outras de qualidade inferior. Nesses pontos, a assistência técnica e a pesquisa podem ajudar.
As contas devem fechar! As rações de alta performance tendem a ser mais caras. Então, o acompanhamento e o manejo adequado da produção e da qualidade de água são aliados para determinarem a rentabilidade de acordo com a ração escolhida.
Isso não quer dizer que algumas rações possam ter essas características e terem custos mais acessíveis. Isso irá depender do preço dos ingredientes de melhor qualidade e do processamento de cada indústria. A logística influencia bastante também.
SETORES DA CADEIA PRODUTIVA E A QUALIDADE DAS RAÇÕES ESPECÍFICAS PARA OS SISTEMAS DE PRODUÇÃO |
O produtor ou técnico deve definir o tipo de produto que precisa e depois procurar as melhores ofertas no mercado. Por isso, é interessante saber como a ração é produzida e como pode ser feito o acompanhamento do padrão de qualidade.
Muitos aspectos físicos podem ser observados pelo próprio produtor a cada lote de ração que adquire. Depois, deve acompanhar sua produção para saber o custo-benefício do produto escolhido. Para isso, é necessário ter o controle da produção. Este controle é usado como forma de validar suas escolhas e de acompanhar a qualidade das rações, pois estas refletem diretamente no desempenho dos peixes.
Por sua vez, a pesquisa tem a oportunidade de compartilhar o conhecimento sobre nutrição e alimentação e avaliar o custo-benefício das rações, bem como os sistemas de produção adotados.
A indústria produz, baseada na ciência e na tecnologia, produtos com qualidade e específicos para cada sistema de produção, ou seja, rações para as diversas demandas de mercado, como acontece em outras cadeias.
Assim, espera-se que sejam criadas linhas de produtos para produção intensiva, semi-intensiva, tanques-rede e/ou linhas com ênfase em rendimento de filé, crescimento, manutenção, entre outras.
A marca ideal não será mais importante que o produto escolhido pelos produtores/técnicos em cada produção. É sabido também que na piscicultura esta escolha é bem complexa e depende de vários fatores.
Em contrapartida, o destaque vem, mais uma vez, para o controle de produção, que deixa de ser um desses fatores para se tornar um grande aliado nesse processo. Com ele é possível não só acompanhar a qualidade da ração escolhida, como também definir o próprio sistema de produção, sem deixar de mencionar que é uma ferramenta essencial para o acompanhamento da rentabilidade/lucratividade da atividade.
A escolha da melhor ração para os peixes não é fácil de ser definida. Mas os setores unidos serão capazes de ajustar e manter a qualidade das rações às especificidades de cada sistema. A melhor ração será aquela que proporcionará o alcance dos objetivos de cada piscicultor. Assim, a aproximação da pesquisa, indústria e campo contribuirá para os processos de melhoria contínua da qualidade e produção e, consequentemente, para o avanço da cadeia produtiva. |
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Autores: Tarcila Souza de Castro e Silva1, Erika do Carmo Ota2, Luis Antonio Kioshi Aoki Inoue3
1Zootecnista, Doutora em Ciências, pesquisadora da Embrapa Agropecuária Oeste
2Bióloga, Doutora em Ciências Ambientais, bolsista DTI/BRS Aqua da Embrapa Agropecuária Oeste
3Engenheiro Agrônomo, Doutor em Genética e Evolução, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste
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