Para ler mais conteúdo de nutriNews Brasil 4 Trimestre 2020
Renovação de pastagens tropicais com uso de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária – SIP
AS PASTAGENS E A PECUÁRIA BOVINA DO BRASIL |
A agropecuária no Brasil é pujante! A pecuária bovina brasileira é uma das principais do mundo.
O país detém o 2º maior rebanho mundial de bovinos com cerca de 238,1 milhões de cabeças, atrás apenas da Índia que tem um rebanho de cerca de 306,7 milhões de cabeças (USDA, 2019).
Esta considerável quantidade de bovinos resulta em indicadores importantes no cenário mundial do agronegócio, como por exemplo:
2ª colocação no ranking mundial de produtores de carne bovina (10,2 milhões de toneladas de equivalente carcaça),
1ª colocação no ranking mundial de exportações de carne bovina (1,86 milhões de toneladas de equivalente carcaça) (ABIEC, 2020)
3ª colocação no ranking mundial de produção de leite de vaca (bovino) (USDA, 2019).
A maior área de pastagens do planeta está no Brasil, são 180,9 milhões de hectares que representam cerca de 75% das áreas utilizadas pela agropecuária e aproximadamente 22% da área total do país (UFG-LAPIG, 2020).
Os pastos são a base alimentar dos sistemas de produção de bovinos, o que explica esses números expressivos. Por que os pastos são a base alimentar dos rebanhos? A resposta é: por uma série de motivos.
O principal deles é que nesses sistemas o próprio animal colhe a forragem diretamente no pasto, o que faz com que esses sistemas sejam de “fácil manejo”. Aliado a isto há diversas gramíneas forrageiras tropicais de elevado potencial produtivo, adaptadas a diversas condições edafoclimáticas (de clima e solo) e tolerantes ao pastejo.
Então tem-se um cenário de “comida barata e de fácil aquisição pelos animais” e de “fácil manejo” quando se considera as formas tradicionais de criação, em sistemas extensivos e pouco tecnificados.
É justamente este cenário que faz com que a pecuária brasileira seja competitiva internacionalmente devido aos baixos custos de produção de carne e leite. Mas, ainda é necessária uma evolução em índices zootécnicos básicos dos rebanhos.
Por exemplo: a taxa de lotação média nacional é de 1,31 cabeças por hectare, cerca de 1,0 unidade animal (UA) por hectare (UA: animal de 450 kg de peso vivo). A média nacional de tempo para abate é de cerca de 42 meses, a média nacional de produtividade de carne é de 5 a 6@/ha/ano (ABIEC, 2019) e de leite é de cerca de 1.450 L/vaca/lactação ou 4 a 5 L/vaca/dia (IBGE, 2020).
É notável a evolução da pecuária bovina nacional, principalmente na última década, é cada vez mais frequente a visualização de empresas agropecuárias com índices zootécnicos muito acima dos supracitados.
Grande parte dos avanços observados nas empresas pecuárias que estão acima das médias nacionais de índices zootécnicos, como os citados acima, se dão pela oferta de forragem aos animais com qualidade e em quantidade e constância ao longo do ano. Todavia, ainda há muito a evoluir na forma como as áreas de pastagens são tratadas nas propriedades.
O pasto precisa ser visto como o “principal patrimônio” desses sistemas de produção de carne e leite baseado em pastagens-pastejo. Isso não é o que acontece de forma geral visto que estima-se que entre 50 e 60% das pastagens do país estão em algum estágio de degradação (ABIEC, 2019; Dias-Filho, 2019).
A degradação de pastagens, caracterizada principalmente pela perda de vigor e produtividade dos pastos, impossibilidade destes em suportar níveis de produtividade animal satisfatórios, tolerar ataques de insetos pragas, patógenos e a interferência de plantas invasoras (MACEDO & ZIMMER, 1993) é causada pelo manejo inadequado (má formação, superlotação – superpastejo), falta de reposição de nutrientes e agravada pela sazonalidade climática e presença de períodos de déficit hídrico.
Dando-se um foco no início da conceituação de degradação de pastagens observa-se que o ponto de impacto direto aos pecuaristas é a incapacidade das áreas de suportarem níveis satisfatórios de produção animal dada a redução de sua capacidade de suporte, culminando em baixos índices zootécnicos e elevando os custos de produção (reduzindo a lucratividade) da propriedade rural (Dias-Filho, 2019).
Fica claro que sistemas que são naturalmente baseados em pastagens-pastejo e que contam com essas áreas de pastagens degradadas (ou em algum nível de degradação) impactam negativamente o produtor e, porque não citar, impactam nas esferas ambientais e sociais visto que cria-se uma mentalidade de busca pela abertura de “novas áreas mais produtivas”, quando devia-se pensar inicialmente em recuperar o potencial de produção das áreas já utilizadas.
Técnicas que visam recuperar ou renovar pastagens degradadas não são apenas importantes para o sistema individual de produção, mas também contribuem para devolver o potencial de produção das áreas improdutivas (ou pouco produtivas), reduzir a pressão pela abertura de novas áreas e viabilizar economicamente os sistemas pecuários.
COMO RECUPERAR OU RENOVAR PASTAGENS DEGRADADAS? |
Há diferentes conceitos sobre os termos “recuperação” e “renovação” de pastagens. Macedo et al. (2000) consideram recuperação de pastagens quaisquer intervenções realizadas para retomar a produtividade de forragem em uma área, retirando ou não o pasto/forrageira anterior para formar um novo pasto, desde que não haja troca da espécie/cultivar forrageira.
Nesta linha, a renovação de pastagens seria a substituição da forrageira anterior por uma nova espécie/cultivar.
Dias-Filho (2017) trata da recuperação e renovação como estratégias de reestabelecimento da produção de forragem em áreas de pastagens com base nos níveis de degradação (leve, moderado, forte e muito forte).
Quando o nível de degradação é menos intenso, a recuperação é feita utilizando práticas agronômicas para reconstituição da capacidade produtiva da forrageira e da cobertura da área/solo pela mesma.
Quando o nível de degradação é mais intenso faz-se necessária uma intervenção mais específica, retirando a forrageira anterior, corrigindo o solo e estabelecendo novamente o pasto (seja com o mesmo cultivar anterior ou não).
Independente da forma que as terminologias serão aplicadas, o processo de tomada de decisão entre recuperação ou renovação de pastagens é completo e deve considerar diversos fatores, como: nível de degradação, capacidade de investimento financeiro do pecuarista, infraestrutura e logística para uso de insumos e equipamentos/implementos.
Em termos econômicos, a recuperação de pastagens em níveis iniciais de degradação deve ser menos onerosa em comparação a renovação de pastagens em níveis mais avançados de degradação.
Neste contexto, nas situações em que deverá ser realizado o estabelecimento de um novo pasto, ou seja, retirada do pasto anterior, correções/preparo dos solos para replantio (semeadura) da forrageira, o custo de produção (investimento) é elevado.
Levantamentos apontam valores variando de R$ 2.500,00 a R$ 3.500,00 por hectare (dados levantados pelos autores em 2019).
Em resumo, estas operações demandam planejamento minucioso para que a recuperação do investimento seja rápida e garantida. Quando se faz o processo de renovação de forma direta, ou seja, retira-se o pasto anterior e se reestabelece um novo pasto, a área fica inutilizável pelos animais por períodos de variam de 90 a 150 dias.
Então, além das despesas financeiras diretas, ainda há o “prejuízo” relacionado ao não aproveitamento da área para produção de carne ou leite.
Agora pode-se entender o conceito de renovação indireta, em que o estabelecimento de um novo pasto após a retirada do pasto degradado anterior é intermediado por algum cultivo agrícola de interesse financeiro havendo a possibilidade de recuperação parcial ou total do recurso financeiro investido na manipulação da área (principalmente em questões relacionadas a correção de solo, preparo de solo e fertilização).
Exemplo: se uma área ficaria 120 dias sem utilização pelos animais para reestabelecimento do pasto, em uma renovação indireta os animais poderiam voltar a ocupar a área após os mesmos 120 dias ou até 150 dias, mas, nesse intervalo de tempo teria ocorrido o cultivo de uma lavoura de grãos (como o milho) em consórcio ou sucessão com o capim, realizada a colheita e venda dos grãos o recurso financeiro captado seria utilizado para custear parcial ou totalmente a implantação de uma nova área de pastagem.
OS SIPA E A RENOVAÇÃO DE PASTAGENS TROPICAIS |
Sistemas Integrados de Produção Agropecuária (SIPA) são aplicados buscando não apenas a associação de diferentes componentes, mas também o sinergismo entre os componentes (FAO, 2010).
Essa premissa pode e deve ser utilizada quando se pensa em aplicar os SIPA em sistemas pecuários que demandam melhorias no solo e, consequentemente, reestabelecimento da produção de forragem e produção animal.
Há diversas formas de aplicar SIPA em renovação de pastagens, a começar pelas primeiras iniciativas relatadas e utilizadas por pecuaristas do Centro-Oeste brasileiro, os sistemas Barreirão e Santa Fé.
O Sistema Barreirão partiu da premissa dos pecuaristas em realizarem a consorciação de culturas de grãos (inicialmente o arroz) com capins a fim de renovar pastos degradados amortizando os custos com a renovação, reduzindo o tempo de reentrada dos animais na área e, tudo isso após realizar a adequada correção do solo (Kluthcouski et al., 1991).
Já o Sistema Santa Fé evidenciou as possibilidades de integração de atividades pecuárias e agrícolas nas propriedades, utilizando os capins como cobertura e futura palhada para semeadura direta de lavouras (agricultores) (Kluthcouski et al., 2000) e também a possibilidade de uso desses capins não somente com finalidade de cobertura, mas também, com a entrada de animais na entressafra agrícola.
A partir daí vários outros sistemas e possibilidades foram colocados à prova por produtores rurais que visualizaram oportunidades de renovação de pastos com uso de lavouras e/ou diversificar propriedades pecuárias com a entrada de cultivos agrícolas; ou ainda possibilidades de incorporação de atividades pecuárias em propriedades tradicionalmente agrícolas.
Algumas dessas práticas estão listadas no Plano ABC (Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) com linhas específicas de financiamento com fins de fomentar a Renovação de pastagens com SIPA e intensificar o uso de Sistema de Plantio.
Atualmente algumas modalidades de SIPA têm sido utilizadas com sucesso por agropecuaristas para renovação de pastagens em regiões tropicais, com destaque para: a consorciação de milho com capim (Grafico 1) semeados no início da estação chuvosa, colheita do milho grão ou do milho+capim para ensilagem e reentrada dos animais no pasto poucos dias após a colheita da lavoura (cerca de 45 dias); sobressemeadura do capim em lavouras de milho, soja e sorgo (Gráfico 2) próximo ao final do ciclo produtivo reduzindo o período de competição entre os componentes e permitindo também a rápida reentrada dos animais no pasto após a colheita da lavoura; sucessão do capim solteiro ou em consórcio com leguminosas após o cultivo agrícola (muito comum em áreas com soja) eliminando o período de competição entre os componentes, mas, com um prazo mais longo reentrada dos animais no pasto após a colheita da lavoura.
Grafico 1. Milho em consorciação com os capins Marandu e Mombaça para produção de silagem na renovação de pastagens com Sistema Integrado de Produção Agropecuária. Colorado do Oeste, RO (2016)1
1Reis et al. (2016) – dados não publicados.
2Médias seguidas de letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de 5% de probabilidade (P<0,05) pelo teste de Scott-Knott.
SL+EL: semeadura simultânea na linha e entrelinha; SL+AEL: semeadura simultânea na linha e entrelinha com adubação para forrageira; S2EL: semeadura simultânea com duas linhas de capim na entrelinha; 7 DAE: semeadura defasada na entrelinha aos 7 dias após a emergência do milho; e 14 DAE: semeadura defasada na entrelinha aos 14 dias após a emergência do milho.
Grafico 2. Sorgo em consorciação com os capins Marandu e Mombaça para produção de silagem na renovação de pastagens com Sistema Integrado de Produção Agropecuária. Colorado do Oeste, RO (2016)1
1Reis et al. (2016) – dados não publicados.
2Médias seguidas de letras distintas na coluna diferem entre si ao nível de 5% de probabilidade (P<0,05) pelo teste de Scott-Knott.
SL+EL: semeadura simultânea na linha e entrelinha; SL+AEL: semeadura simultânea na linha e entrelinha com adubação para forrageira; S2EL: semeadura simultânea com duas linhas de capim na entrelinha; 7 DAE: semeadura defasada na entrelinha aos 7 dias após a emergência do sorgo; e 14 DAE: semeadura defasada na entrelinha aos 14 dias após a emergência do sorgo.
A escolha entre as diversas possibilidades deverá ser embasada nas características edafoclimáticas da região em que está a propriedade, nos objetivos do agropecuarista e dos seus sistemas de produção, no estudo/avaliação econômica e preferencialmente, com um acompanhamento técnico para o planejamento e gestão dos sistemas integrados de produção que, com certeza, são mais complexos do que sistemas puros de produção.
Rafael Henrique Pereira dos Reis1, Ernando Balbinot2, Fabiano Gama de Sousa 2, Fábio Régis de Souza3
1Instituto Federal de Rondônia Campus Colorado do Oeste. Embaixador da Aliança SIPA.
2Instituto Federal de Rondônia Campus Colorado do Oeste.
3Universidade Federal de Rondônia Campus Rolim de Moura.