19 Jun 2024
Crescimento e desenvolvimento intestinal precoce em aves
Crescimento e desenvolvimento intestinal precoce em aves
O termo “saúde intestinal” tem se tornado cada vez mais popular, principalmente por se referir à crescente frequência de provocações bacterianas secundárias e ao aparecimento de patologias (Forder et al., 2012) na produção avícola.
De forma “grosseira” antes atribuído apenas à absorção dos nutrientes recebidos na dieta, o intestino das aves é responsável por abrigar uma densa vida microbiana que desempenha diversas funções, tanto digestivas como até mesmo imunitárias. (Bar-Shira et al., 2003).
DESENVOLVIMENTO INTESTINAL – AMBIENTE PÓS-ECLOSÃO
O conteúdo da gema residual é uma fonte de nutrientes para os filhotes e os nutrientes da gema podem ser transferidos para o filhote através do sangue e intestino até 72 h após a eclosão (Noy et al., 1996). Esses autores também relataram que a absorção residual do saco vitelino foi mais rápida em pintos alimentados do que em jejum, o que apoiou observações anteriores em pintos (Heywang e Jull, 1930) e aves (Moran e Reinhart, 1980).
Triglicerídeos e fosfolipídios representam uma alta proporção de lipídios residuais do saco vitelino em pintos e perus, mas representam apenas aproximadamente 1 g de triglicérides reais na eclosão (Noble e Moore, 1964; Donaldson, 1967; Ding et al., 1995; Lilburn, 1998).
- Hurwitz et al. (1978) estimaram que os pintos tinham uma necessidade de energia de manutenção de 4,5 kcal/dia.
- Noy e Sklan (1999) calcularam que os pintos em jejum pós-eclosão por 48 h perderam 5,3 kcal/d em lipídios e proteínas residuais da gema, ao mesmo tempo em que tiveram um aumento líquido no peso intestinal.
Os resultados de um estudo posterior de Noy e Sklan (2001) concluíram que a prioridade imediata para os nutrientes residuais da gema é para o desenvolvimento intestinal em vez do ganho de peso corporal e há uma hierarquia seletiva para a absorção de ácidos graxos (ácido oleico) sobre glicose ou metionina.
A logística da incubação comercial é tal que muitas vezes há um tempo de atraso entre a eclosão e o acesso inicial à ração. Esse tempo de defasagem é resultado da variabilidade normal na janela de eclosão, remoção de pintinhos/aves dos nascedouros, seguida de processamento do incubatório e entrega às instalações de cultivo.
O acesso tardio à alimentação pós-eclosão tem sido utilizado por vários autores como modelo experimental para estudar os efeitos da nutrição precoce (ou falta dela) durante esse período neonatal crítico (Geyra et al., 2001b; Noy et al., 2001). Vários estudos têm abordado os efeitos do atraso na colocação em aspectos específicos do desenvolvimento intestinal (i.e., células caliciformes; Uni et al., 2003) e estratégias para abordar essa questão (Noy e Pinchasov, 1993; Noy e Sklan, 1997; Batal e Parsons, 2002; Kornasio et al., 2011).
DESENVOLVIMENTO INTESTINAL – INTERAÇÕES MICROBIANAS
Uma das observações interessantes de Potturi et al (2005) foi o aumento da presença de bactérias aeróbias dentro do íleo em aves com acesso retardado à ração. Há muitos anos é reconhecido que a interface intestino-bactéria é estabelecida logo após a eclosão ou alimentação (Shapiro e Sarles, 1949; Naqui et al., 1970) e esta é, em grande parte, a base para o uso de probióticos e o conceito de exclusão competitiva (Rantalaa e Nurmi, 1973; Nurmi et al., 1992).
O estabelecimento de uma população da microflora intestinal também é essencial para o desenvolvimento intestinal inicial (Furuse e Okumura, 1994; Lan et al., 2005). Cook e Bird (1973) relataram que a área das vilosidades duodenais estava significativamente aumentada em pintos convencionais versus livres de germes aos 5 dias pós-eclosão, com grandes diferenças numéricas também sendo observadas aos 1, 2 e 4 dias de idade. Esses autores estudaram a proliferação de enterócitos via timidina radiomarcada e observaram que, aos 7 dias após a eclosão, os pintos convencionais tinham o dobro do número de núcleos radiomarcados.
Embora a literatura apoie os efeitos positivos da microflora intestinal sobre o desenvolvimento intestinal, isso não resultou necessariamente em aumento do crescimento, pois pintos e aves livres de germes eram mais pesados do que as aves convencionais (Forbes et al., 1958; Forbes e Park, 1959; Coates et al., 1963).
Mesmo com essas considerações, a importância fisiológica das interações intestino-microbiana tem sido reconhecida e aceita há mais de 50 anos e é atualmente uma área ativa de pesquisa, dada a crescente percepção dos consumidores em relação à segurança alimentar e antibióticos dietéticos subterapêuticos. Grande parte da pesquisa tem se concentrado na compreensão dos mecanismos de fixação bacteriana e modulação do intestino.
A interface entre as bactérias intestinais e o intestino é uma camada mucosa que é, em grande parte, uma camada aquosa contendo uma mistura biológica de eletrólitos, enzimas, algumas células esfaceladas e glicoproteínas chamadas mucinas (Satchithanandam et al., 1990). A camada de muco varia em espessura e composição ao longo do intestino e protege os enterócitos subjacentes que revestem as vilosidades de desafios mecânicos, enzimáticos e químicos, além de ser uma fonte de lubrificação intestinal (Sharma e Schumacher, 1995).
As mucinas são caracterizadas como ligadas à membrana ou secretoras (gel-forming, non gel-forming; Desseyn et al., 2000) e a mucina formadora de gel predominante no intestino delgado e grosso é a MUC2. A expressão do gene da mucina, o empacotamento das cadeias laterais de carboidratos e a secreção de muco ocorrem via células caliciformes, uma forma de enterócito que se origina principalmente na base da cripta (Cheng e Leblond, 1974). Essas células são encontradas em todo o trato intestinal, mas sua contribuição proporcional para toda a população de enterócitos dentro de um segmento do intestino é variável (Specian e Oliver, 1991).
A expressão de diferentes mucinas, como definido por suas espinhas dorsais proteicas únicas e diferentes padrões de glicosilação, variará dentro de diferentes segmentos do trato digestivo e, como mencionado anteriormente, MUC2 é a mucina primária no intestino delgado e cólon de aves, enquanto MUC5AC é mais amplamente expressa no proventrículo (Smirnov et al., 2004).
Há uma série de fatores que podem influenciar a biossíntese e secreção de mucina, incluindo interações bacterianas de novo, probióticos suplementares, dieta e manejo de aves, incluindo acesso imediato ou tardio à ração e retirada de ração. Foi relatado que a suplementação dietética direta com probióticos afeta positivamente o número de células caliciformes e a morfologia e a espessura geral da mucosa em aves e pintos de corte (Rahimi et al., 2009; Tsirtsikos et al., 2012).
O papel das células caliciformes e das secreções mucosas como primeira linha de proteção dos enterócitos está bem estabelecido (Lievin-Le Moal e Servin, 2006). As células caliciformes intestinais também secretam uma família de pequenos peptídeos resistentes a proteases chamados fatores de trevo (Wong e Poulsom, 1999; Taupin e Podolsky, 2003).
A regulação da síntese de mucinas está em conjunto com a colonização microbiana do intestino em mamíferos e são importantes componentes do sistema imune inato (Dharmani et al., 2009; Kim e Ho, 2010; McGuckin et al., 2011).
- Em aves, o microbioma em desenvolvimento e a dieta são as 2 fontes primárias de antígenos encontrados pelo tecido linfoide associado ao intestino (GALT) no primeiro dia pós-eclosão (Friedman et al., 2003).
- As tonsilas cecais, o divertículo de Meckel e a bursa fabricius são componentes bem reconhecidos da GALT intestinal em aves (Muir, 1998). (2003) relataram que os tecidos que compõem a GALT continham células T e B que eram imaturas no desenvolvimento até aproximadamente 2 semanas após a eclosão.
Com relação às imunoglobulinas maternas, a IgY é considerada a equilvalente da IgG em mamíferos e é encontrada principalmente na gema do ovo e há pouca IgA encontrada nas gemas dos ovos frescos (Leslie e Chem, 1969; Rose et al., 1974). (1996) mostraram que pode haver uma transferência de 36 a 44% de IgA para a gema durante o curso da incubação, embora não seja posteriormente transferida para a circulação embrionária (Rose e Orlans, 1981).
Estudos sugeriram que os anticorpos maternos, particularmente IgA (mIgA), são uma fonte de proteção da mucosa intestinal até aproximadamente 7 dias pós-eclosão, quando o sistema imunológico da mucosa está maduro. Esses autores apresentaram evidências mostrando que os níveis de mIgA foram consistentemente altos desde a eclosão até 3 dias pós-eclosão, seguidos por um declínio significativo até 6 dias.
O manejo alimentar também pode influenciar a homeostase mucina/mucosa, tanto imediatamente após a eclosão quanto em idades mais avançadas. Alguns autores relataram que o acesso tardio à alimentação imediatamente após a eclosão (48 h) reduziu o número total de enterócitos, particularmente no jejuno, mas aumentou a densidade de coloração de células caliciformes tanto no íleo quanto no jejuno. Outros relataram ainda que pintos em jejum (72 h) diminuíram a área de absorção e vilosidades.
As primeiras 2 semanas pós-eclosão também são críticas para pintos e aves em termos de aumento da secreção de enzimas digestivas, com a magnitude do aumento variando para enzimas individuais (Marchaim e Kulka, 1967). Nir et al (1993) relataram um padrão semelhante de atividade enzimática associado à idade (amilase, tripsina, lipase, quimotripsina; unidades/kg PV) foi observado durante os primeiros 15 dias após a eclosão, embora a atividade da amilase tenha atingido o pico de 10 dias.
Noy e Sklan (1995) observaram digestibilidade superior a 85% do amido até 4 dias após a eclosão e Reisenfeld et al (1980) relataram digestibilidade superior a 95% por 12 dias, de modo que parece que em idades muito jovens, há amilase suficiente para facilitar a utilização quase máxima do amido.
Está bem documentado na literatura que a digestão/absorção de lipídios melhora com a idade e a magnitude da melhora é maior para fontes lipídicas com altos níveis de ácidos graxos poli-insaturados versus saturados (i.e. óleos vegetais, banha versus sebo; Whitehead e Fisher, 1975; Krogdahl, 1985; Sell et al., 1986).
Do ponto de vista da resposta ao crescimento e da utilização de nutrientes, Sell et al (1986) relataram que 8 e 12% de sebo suplementar ou gordura A-V alimentados de 0 a 8 semanas melhoraram o peso corporal quando comparados a dietas contendo 0 ou 4% das mesmas fontes de gordura.
Este é um lembrete de que, embora a digestibilidade percentual dos principais nutrientes tenha um componente de idade significativo, é a absorção real de nutrientes-chave que é crítica para o crescimento inicial.
Há muitos anos a literatura vem auxiliando no conhecimento sobre o desenvolvimento intestinal das aves, mas em um período abrangendo os últimos 20 anos com a aplicação de técnicas mais sofisticadas para a compreensão da fisiologia intestinal e novas abordagens para potencialmente modular o desenvolvimento intestinal precoce, tem acelerado o interesse e as respostas das múltiplas contribuições do intestino para o estabelecimento da homeostase pós-eclosão de animais inteiros.
As indústrias de frangos de corte e perus já estão encontrando restrições no uso de antibióticos (possivelmente incluindo ionóforos), maior dependência de vacinas anticoccidianas, ciclos de produção mais curtos e longos (dependentes do produto) e maiores preocupações com a segurança alimentar. Esses desafios ressaltam a necessidade contínua de novas ideias de pesquisa combinadas com a integração de dados que já estão na literatura para facilitar um intestino saudável e robusto.
M.S. Lilburn, S. Loeffler, Early intestinal growth and development in poultry, Poultry Science, Volume 94, Issue 7, 2015, Pages 1569-1576, ISSN 0032-5791, https://doi.org/10.3382/ps/pev104.